Crise no comando da UFRGS
Crise se aprofunda no comando da UFRGS
Após pedido de “impeachment” de reitor e vice-reitora, conselho superior da universidade pede apoio à Assembleia Legislativa do estado
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) passa por uma das piores crises de sua longa história, que remonta a 1895. Desde a nomeação do reitor Carlos André Bulhões Mendes, em setembro de 2020, abriu-se uma disputa entre ele e o órgão máximo da instituição, o Conselho Universitário (Consun).
Em agosto, os membros da instância superior da universidade encaminharam ao Ministério da Educação (MEC) um pedido de abertura de processo administrativo docente (PAD) contra o reitor e igualmente um pedido de abertura de um processo de impedimento do reitor e sua vice-reitora, Patrícia Pranke. Ao mesmo tempo, abriram um processo contra ambos no Ministério Público Federal.
Na sexta-feira (19), foi realizada uma audiência pública virtual na Assembleia Legislativa do Estado (Assembleia-RS), requisitada pelas deputadas Sofia Cavedon (PT) e Luciana Genro (PSOL) e pelo deputado Fernando Marroni (PT), a pedido do Coletivo Professores pela Democracia, para discutir o assunto e reivindicar apoio político contra Bulhões Mendes.
O cerne da disputa é que o reitor — que foi eleito com apenas três dos mais de 60 votos do conselho (sendo um dos votos dele mesmo) e último colocado na lista tríplice encaminhada ao presidente Jair Bolsonaro — tem tomado decisões à revelia do Consun.
De acordo com Márcia Barbosa, professora do Departamento de Física da UFRGS e membro do conselho, Bulhões Mendes promoveu — sem consulta ao conselho — uma reforma administrativa que altera a estrutura da universidade, reorganizando as Pró-Reitorias (PR) e criando uma nova, de Inovação e Relações Institucionais. As medidas foram rejeitadas pelo Consun.
“O Consun ficou sabendo (da posse e da reforma administrativa) lendo as portarias de nomeação, não foi nem comunicado”, afirma Barbosa. “Vimos a posse sem ser convidados, a gente acompanhava as portarias, cada dia mudava a estrutura até que finalmente o conselho se autoconvocou” (para tomar providências), relatou.
Por outro lado, funções que cabem à reitoria como a organização de rotinas da universidade estão sendo deixadas de lado. Até hoje não há um programa de volta às aulas presenciais e uma das medidas concretas nesse sentido, a exigência do passaporte de vacinação contra a covid-19 — que havia sido decidida pelo conselho — foi derrubada pelo reitor.
“O Consun está praticamente administrando a universidade porque o reitor não consegue ter o diálogo necessário para fazer essa administração”, afirmou o ex-reitor Rui Opperman, o primeiro colocado na lista tríplice. Professor e orientador do Programa de Pós-Graduação em Odontologia — Periodontia da UFRGS, Opperman explicou que, em uma situação regular, a administração central deve apresentar um plano de gestão que tem que ser aprovado pelo Consun. “Passados já dois anos, a universidade está sendo administrada sem o plano de gestão, o que é uma violação do estatuto”, completou.
Marcia Barbosa afirma que nem durante a ditadura civil-militar (1964-1985) houve tal desrespeito ao Consun, mesmo que houvessem interventores do governo federal na universidade. “Bem ou mal, na ditadura apesar de ser um momento muito ruim da história brasileira as pessoas não vinham para destruir a universidade, elas tinham um reconhecimento de que a instituição tinha salvaguardas para durar centenas de anos”, completou Barbosa.
Durante a audiência pública na Assembleia-RS, professores, estudantes e funcionários da UFRGS teceram duras críticas à reforma administrativa comandada pela reitoria e à postura adotada por Bulhões, a quem se referiram como “o interventor”. Pelos relatos dos participantes, o reitor age de forma autoritária, despreza o diálogo, ignora o conselho e o estatuto universitários, desrespeita o princípio da autonomia universitária e permite a ingerência de partidos políticos, especialmente do PSL, na instituição.
Para o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, a nomeação como reitor de uma pessoa que teve uma votação ínfima entre os candidatos configura uma “intervenção” do governo na universidade. “Reitor não é quem tem a caneta, é quem tem autoridade”, disse Janine Ribeiro em uma mensagem gravada em vídeo que foi apresentada durante a audiência pública. Lembrando que há uma diferença entre poder e autoridade, Ribeiro frisou que esta “tem sentido mais moral e ético, é o respeito que alguém adquire”.
Na opinião do presidente da SBPC, é preciso revisar o processo de nomeação de reitores. “Temos que pensar em novas formas de indicação de reitor, que não deem mais a um único indivíduo a possibilidade de reverter por completo a decisão de toda uma comunidade depois de um processo de discussão, debate e votação”.
Rui Opperman compartilha dessa visão e acredita que o processo de escolha de um reitor tem que ser revisto. “Entendemos que essa legislação que estabelece a lista tríplice é anterior à Constituição de 1988, uma legislação criada na ditadura. Alguns governos pós-Constituinte reeditaram a lei sem considerar o ambiente democrático estabelecido pela Constituição”, afirmou.
A reportagem do Jornal da Ciência procurou a reitoria da UFRGS através da Assessoria de Comunicação da universidade em 23/11 solicitando entrevista com o reitor Carlos André Bulhões Mendes para comentar e responder às críticas. Meia hora antes do prazo estipulado para resposta, ao meio-dia do dia 24/11, a assessoria retornou com a mensagem de que o reitor não teria como atender no prazo estipulado, mas enviava uma nota que contempla a posição dele sobre o assunto.
Janes Rocha – Jornal da Ciência com informações da Agência de Notícias da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.