Criticas ao modelo cívico-militar

Criticas ao modelo cívico-militar

Educadora que implementou o Programa Mais Educação critica modelo cívico-militar

A professora da UFRGS Jaqueline Moll afirma que disciplinamento não é a saída para a violência que as periferias vivem

Katia Marko     Brasil de Fato | Porto Alegre |  20 de Maio de 2021

Jaqueline Moll coordenou no Ministério da Educação a implantação do PROEJA (Programa de Educação de Jovens e Adultos Integrado a Educação Profissional) e do Programa Mais Educação - Divulgação


Uma das maiores especialistas em educação do país, a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jaqueline Moll, critica o modelo cívico-militar. Segundo ela, a proposta trabalha numa perspectiva do disciplinamento como se esta fosse a resposta para a violência que as periferias vivem.

“Com certeza, essa não é a solução. A saída está nas escolas parque do Anísio Teixeira, nos Cieps do Darcy Ribeiro, nos círculos de cultura de Paulo Freire, nos Ginásios Vocacionais da Maria Nilde Mascelani, a saída está na escola pública de qualidade que esse país não tomou a decisão ainda de fazer. Tu tens experiências que são sempre cortadas na história, onde é que está a escola cidadã aqui de Porto Alegre?”, questiona.

Atualmente, professora-orientadora no Programa de Pós-Graduação de Educação em Ciências: química da vida e saúde da UFRGS e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Campus de Frederico Westphalen, ela já foi Conselheira do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul (2014-2018) e trabalhou no Ministério da Educação (2005-2013), tendo exercido as funções de Diretora de Políticas e Articulação Institucional da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, Diretora de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria de Educação Permanente, Alfabetização e Diversidade e Diretora de Currículos e Educação Integral da Secretaria de Educação Básica.

Jaqueline também coordenou no Ministério da Educação a implantação do PROEJA (Programa de Educação de Jovens e Adultos Integrado a Educação Profissional), no período de 2005 a 2007, e do Programa Mais Educação, no período de 2008 a 2013, como estratégia para a indução da política de educação integral em tempo integral no Brasil. 

Confira a entrevista

Brasil de Fato RS - O que a implementação desse modelo significará para a educação?

Jaqueline Moll - Estamos diante de algo que, enfim, traz pro campo da educação uma concepção muito reducionista de toda a amplitude que as pedagogias avançadas, que os momentos dos intervalos democráticos da sociedade brasileira trouxeram para o campo da educação. A ideia de uma escola plural, democrática, universal, de pensamento livre, de construção, enfim, inclusive de comportamentos para que se possa viver numa sociedade justa, digna, com perspectivas de inserção qualificada das pessoas. Tudo isso vai sendo deixado para trás.

A grande questão é, qual é a concepção que está sendo implementada aí? Tem que fazer uma grande diferenciação, porque nós não estamos falando da expansão das escolas militares, que nós já temos. Nós já temos a escola militar de Porto Alegre, nós temos o Colégio Tiradentes, cujo modelo foi ampliado para todo o estado, que aponta uma certa ideia de pluralismo. Tu tens aí uma visão, enfim, de educação a partir de bases militares, mas trabalhada por professores, e que tem uma outra abrangência. A experiência dos colégios militares é uma experiência muito boa, e se baseia na perspectiva do tempo integral, chamado tempo integral, mas que é o tempo ampliado, com professores de dedicação exclusiva, com bons prédios, com alimentação para os estudantes, com boas bibliotecas, com perspectivas tecnológicas.

As escolas cívico-militares são um arremedo disso. Trabalham numa perspectiva do disciplinamento como se esta fosse a resposta para a violência que as periferias vivem, pelo avanço do tráfico, pela timidez com que a inteligência do Estado, a inteligência das instituições coíbe esse horror que vivem as periferias urbanas, esse horror que todos nós vivemos, e que as periferias sofrem. Uma sociedade que coloca para baixo do tapete o tema do consumo de drogas e aí criminaliza exatamente aqueles que fazem disso um modo de viver, e que, bom, acabam constituindo organizações para-estatais violentas que massacram a população pobre.

BdFRS - O argumento utilizado para a instauração desse modelo é acabar com a violência. Essa seria a solução?

Jaqueline - Com certeza, não é essa a saída, nós temos inúmeras experiências pelo país inteiro de boas experiências de escolas públicas que ampliaram seu tempo, porque isso é condição sine qua non, meninos e meninas que vivem em grupos sociais cujos pais não tiveram acesso nem à arte, nem à cultura, nem à ciência, nem às tecnologias. Ao contrário, tiveram processos de escolarização cindidos por reprovações, por evasões, são jogados muito cedo no mundo do trabalho, tendem enfim a reproduzir esta mesma sina construída social e culturalmente, e que vai deixando milhões para trás.

BdFRS - Qual é a saída?

Jaqueline - Bom, as políticas de segurança pública, as políticas de saneamento, as políticas de formação para todos, de educação ao longo da vida. Quais são os espaços de arte, de cultura, de ciência que têm acesso as pessoas que vivem nas periferias das cidades? E mais, e qual o incentivo para as pessoas que não vivem, inclusive que não estão nas periferias, percorrerem esses percursos?

Nós somos uma sociedade que, enfim, foi constituindo uma realidade paralela em que as pessoas estão escondidas nas casas, em que o medo, a visão do aumento do número de armas, a população armada possa dar conta disso. Vai na mesma linha, não é a população armada que vai dar conta disso, mas as políticas de segurança, de educação, de cultura, não é uma escola chamada de cívico-militar, cujos exemplos já tão aí pelo país inteiro, de uma escola de adestramento e obediência cega, como se esses meninos e meninas não fossem capazes de pensar, não fossem capazes de construir perspectivas de conhecimento de arte.

Então a saída está nas escolas parque do Anísio Teixeira, nos CIEPS do Darcy Ribeiro, nos círculos de cultura de Paulo Freire, nos Ginásios Vocacionais da Maria Nilde Mascelani, a saída está na escola pública de qualidade que esse país não tomou a decisão ainda de fazer. Tu tens experiências que são sempre cortadas na história, onde é que está a escola cidadã aqui de Porto Alegre?

Cada vez mais a luta é para manter as escolas abertas, a ideia de manter abertas no sentido do investimento, da garantia da possibilidade de condições de trabalho. Óbvio que o contexto da pandemia traz elementos diferenciados para esse debate. Escolas cívico-militares são uma ilusão. Se nós quisermos ampliar, se nós quisermos enfrentar a questão da violência nas periferias, temos que ter bibliotecas populares, centros de cultura populares, espaços de formação pro mundo do trabalho, enfim, a partir das questões todas que tão postas e do enfrentamento disso. Não é disciplinarizando as pessoas desse modo, ignorando os avanços da educação, que nós vamos conseguir dar conta dos problemas que a sociedade tem.

 

https://www.brasildefators.com.br/2021/05/20/especialista-que-implementou-o-programa-mais-educacao-critica-modelo-civico-militar?fbclid=IwAR1IbzzrskJUrHnguEK__zstNL_m0a2Y8513ry-ABEz9cBPun4T3X5V9REA#.YKcQ3Xf3kdU.facebook 




ONLINE
147