Cúpula de Líderes sobre clima
O que é a Cúpula de Líderes, na qual Biden deve pressionar Bolsonaro contra desmatamento na Amazônia
O evento é visto como uma oportunidade central para que Biden assuma o papel de protagonismo político global em questões climáticas, agenda que ele reiterou ser uma prioridade de sua gestão durante toda a campanha eleitoral de 2018
No papel de anfitrião virtual, o presidente americano Joe Biden recepcionará 40 chefes de Estado, entre eles o mandatário brasileiro Jair Bolsonaro, na chamada Cúpula de Líderes sobre o clima, nos próximos dias 22 e 23 de abril.
O evento é visto como uma oportunidade central para que Biden assuma o papel de protagonismo político global em questões climáticas, agenda que ele reiterou ser uma prioridade de sua gestão durante toda a campanha eleitoral de 2018, da qual saiu vitorioso.
Pela primeira vez na história, Biden criou na administração federal dos EUA o posto de Enviado Especial Climático, que conferiu a John Kerry a missão de viabilizar a pauta verde dos democratas doméstica e internacionalmente.
Os EUA estão de volta?
"Os EUA estão de volta", lema do atual governo americano, precisará ser provado nas ações do líder da Casa Branca. Nos últimos quatro anos, os americanos haviam se retirado de sucessivos espaços de debate multilaterais e mesas de negociações conjuntas entre líderes estrangeiros. Foi assim em relação ao Acordo Climático de Paris, foi assim com a Organização Mundial da Saúde (OMS), foi assim no Acordo Nuclear com o Irã.
A guinada na política externa americana operada pelo ex-presidente Donald Trump preconizou a aproximação com expoentes da direita populista e conservadora mundial e concentrou os esforços - ou rompimentos - diplomáticos em assuntos centrais para o eleitorado republicano, como a questão das disputas comerciais com a China ou as restrições à entrada de migrantes e refugiados ao país. O mote da administração era América - e americanos - primeiro, e isso se traduziu em uma ausência dos EUA de assuntos de governança global.
Agora, a gestão democrata tenta restabelecer o papel que os EUA se atribuíram de farol dos valores econômicos, democráticos e morais do Ocidente. "Vamos reparar as nossas alianças para liderar não só pelo exemplo da força mas pela força do exemplo", anunciou Biden, em seu discurso de posse, em 20 de janeiro.
Naquele mesmo dia, ele assinou a ordem executiva que recolocava os Estados Unidos no Acordo Climático de Paris, do qual o ex-presidente Trump havia retirado os americanos. E apenas sete dias mais tarde anunciou que os EUA não apenas voltavam a se sentar à mesa de negociações climáticas como seriam eles mesmos os responsáveis por colocar o assunto à mesa na Cúpula de Líderes que acontecerá dos próximos dias.
O evento servirá para que os americanos reafirmem compromissos que ignoraram nos últimos anos de tentar impedir que o planeta se aqueça acima de 1,5 grau Celsius no futuro. O governo Biden pretende anunciar, diante dos chefes de Estado de 17 economias que juntas respondem por 80% das emissões de gases do efeito estufa e por 4/5 do PIB global, metas mais ambiciosas de redução das emissões de CO2 americanas até 2030.
"Em seu convite, o presidente exorta os líderes a usarem a Cúpula como uma oportunidade para delinear como seus países também contribuirão para uma ambição climática mais forte", afirma o comunicado da Casa Branca sobre o lançamento da Cúpula.
"Depois de se ausentarem do debate, agora os EUA querem mostrar serviço e querem que haja um grande número de acordos com os países da Cúpula para mostrar que retornam à arena com peso", avalia Tasso Azevedo, Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima. A Cúpula de Líderes de agora é vista também como um passo importante para que as grandes potências mundiais se comprometam com planos mais ambiciosos na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que acontecerá em Novembro, em Glasgow, na Inglaterra.
O Brasil como trunfo
É nesse contexto que o Brasil surge como uma oportunidade para o governo Biden mostrar a consistência de sua agenda e a capacidade de persuasão de seus argumentos.
Bolsonaro se elegeu presidente com as propostas de reduzir multas ambientais, interromper as demarcações de terras indígenas e promover os interesses de produtores rurais. Os dois primeiros anos de seu mandato foram marcados por sucessivas altas no desmatamento. A taxa de perda florestal saltou de 7,5 mil km2, em 2018, para 10,1 mil km2 e 11,1 mil km2 em 2019 e 2020, sucessivamente. Foram os maiores valores desde 2008.
Ainda durante a campanha presidencial de 2020, o democrata Biden afirmou que gostaria de liderar o esforço de criação de um fundo internacional de US$ 20 bilhões oferecido ao Brasil para manter a Amazônia conservada. Ao citar o Brasil, Biden mobilizava no imaginário do eleitor americano as imagens de queimadas na floresta que correram o mundo em 2019, no primeiro ano da gestão de Bolsonaro.
"É claro que há toda uma simbologia em negociar com o Brasil, que tem sido identificado globalmente como refratário à preservação ambiental. Seria um trunfo do governo Biden obter um compromisso com Bolsonaro, um ganho não só internacional como também com o eleitorado americano democrata, que se preocupa bastante com o assunto", afirmou à BBC News Brasil, em condição de anonimato, um diplomata brasileiro que acompanha as negociações entre Brasil e EUA no tema.
As primeiras aproximações entre a equipe de John Kerry e as autoridades brasileiras, capitaneadas pelo ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e pelo então chanceler Ernesto Araújo, pareceram produzir impressões positivas de parte a parte. Do lado americano, os negociadores pareceram surpresos com a receptividade do Brasil em tratar do assunto do meio ambiente como uma "nova prioridade" desde que fosse incluída na negociação uma contrapartida financeira pelos serviços florestais do país.
Já entre diplomatas brasileiros, chamou a atenção o tom "humilde" e "flexível" de Kerry e de sua equipe à frente das propostas para o Brasil. Em meados de abril, à revista britânica The Economist, Kerry afirmou que não lhe cabia "ditar" o que o Brasil e que se trata de "um governo que se sentiu prejudicado pela forma como foi abordado até o momento". De acordo com fontes na diplomacia americana, a preocupação de Kerry era não irritar a gestão Bolsonaro, o que poderia levar a uma interrupção completa das negociações caras aos americanos.
Pressão na negociação
Mas, nas últimas semanas, o governo americano aumentou o grau de pressão para que o Brasil se comprometa com metas claras de combate ao desmatamento e condicionou qualquer repasse significativo de recursos ao país à apresentação de resultados. Exatamente o oposto do que o ministro Salles afirmou publicamente desejar. Em entrevista recente ao jornal O Estado de S. Paulo, o chefe da pasta de Meio Ambiente afirmou esperar por pagamentos antecipados da ordem de US$ 1 bilhão por ano para que o Brasil pudesse se comprometer em reduzir entre 30% e 40% a devastação da Amazônia. Sem o recurso de antemão, Salles afirmou que o país não poderia oferecer qualquer meta.
Diante da barganha, o Departamento de Estado americano fez chegar ao Itamaraty que não existe a possibilidade de repasses sem resultados. E que do sucesso da negociação climática dependeria também o futuro de outras pautas caras ao Brasil, como o avanço em acordos comerciais bilaterais com os EUA e a manutenção do endosso americano à entrada do país na OCDE. Em caráter reservado, um representante de entidade comercial dos dois países, que participou de reuniões com as diplomacias de EUA e Brasil, afirmou que "os americanos deixaram muito claro que não vão comprar terreno na Lua".
Ao mesmo tempo, o governo americano passou a ser cada vez mais pressionado por grupos indígenas, integrantes da sociedade civil e até mesmo governadores e parlamentares brasileiros a ampliar o escopo das conversas. Todos eles se queixavam de que as propostas levadas por Salles e Araújo a Kerry não representavam os interesses mais amplos da sociedade brasileira, já que não houve processo de escuta pública do governo federal a esses grupos.
Há um mês, em carta revelada pela BBC News Brasil, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) pediu ao presidente americano Joe Biden e ao Enviado Climático Kerry um "canal direto" de comunicação com o governo dos EUA sobre assuntos ligados à Amazônia brasileira. Na última terça-feira (13/04), tanto o embaixador dos EUA no Brasil, Todd Chapman, quanto Jonathan Pershing, um dos assessores de Kerry, participaram de uma reunião com as lideranças indígenas.
"Eles se mostraram preocupados com o que relatamos e interessados em uma mudança da política ambiental do governo Bolsonaro. Eles sabem com quem estão negociando. E nós sabemos da capacidade deles de pressionar e estamos esperançosos porque foi uma abertura de diálogo inédita", afirmou à BBC News Brasil Dinaman Tuxá, coordenador da APIB.
A conversa dos representantes americanos com os indígenas brasileiros foi mais um sinal da gestão Biden de que o governo brasileiro precisará oferecer compromissos concretos e consistentes para que haja um anúncio bilateral de compromisso no dia 22.
Dentro do Itamaraty há um claro entendimento de que, sem isso, o país não vai abocanhar recursos americanos. A sinalização da meta possível, no entanto, é fraca. Nesta quarta (14/04), o vice-presidente da República Hamilton Mourão anunciou em Diário Oficial que o país trabalha com a expectativa de fechar a gestão Bolsonaro com um desmatamento em torno de 8,7 mil km2 por ano. É certamente uma redução em relação aos dois primeiros anos da administração, mas é também um valor mais de 15% acima do patamar obtido no ano anterior à posse de Bolsonaro. Mesmo entre negociadores brasileiros há ceticismo de que esse número anime os americanos a abrirem o bolso.
Se um acordo bilateral falhar, resta ainda a possibilidade de uma saída multilateral: a proposta da criação de um fundo em torno de US$ 10 bilhões que se destinaria aos países da América do Sul para a conservação dos biomas tropicais da área. Assim, os EUA poderiam usar o peso dos vizinhos brasileiros para aumentar a pressão sobre as ações ambientais de Bolsonaro.
Na última semana, o governo Biden enviou pela primeira vez um emissário de alto nível à região. O diretor sênior para o Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional, Juan Gonzalez, embarcou para uma visita a Colômbia, Argentina e Uruguai, para discutir, entre outros temas, a crise climática. O Brasil não estava no itinerário de Gonzalez.
Em discurso na cúpula do clima, Bolsonaro distorce dados sobre preservação ambiental
Presidente fez alegações enganosas sobre conservação de florestas e emissões de gases de efeito estufa
Alessandra Monnerat, Pedro Prata, Samuel Lima, Tiago Aguiar, Victor Pinheiro
22 de abril de 2021
Em discurso nesta quinta-feira, 22, na Cúpula de Líderes sobre o Clima, o presidente Jair Bolsonaro repetiu distorções e alegações enganosas contidas na carta enviada ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. O brasileiro errou ao citar dados sobre conservação de florestas e emissão de gases de efeito estufa. Veja a checagem.
“Como detentor da maior biodiversidade do planeta, o Brasil está na vanguarda dos esforços de parar o aquecimento global”.
O presidente Jair Bolsonaro estabeleceu nesta quinta-feira o compromisso de atingir a neutralidade das emissões de gás carbônico até 2050. No entanto, outros países já haviam apresentado metas mais ambiciosas anteriormente. Em 2019, 15 nações tinham se comprometido a zerar emissões até 2050, de acordo com estudo da ONG britânica Energy & Climate Emergency Unit. A Suécia colocou o objetivo de neutralidade até 2045 em sua legislação em 2017. Na Noruega, a meta é zerar emissões até 2030. Dois países menores, Butão e Suriname, já têm emissões negativas. A neutralidade é atingida quando há equilíbrio entre o total de gases emitidos e absorvidos.
As nações listadas no estudo de 2019 eram responsáveis por apenas 16% do PIB mundial. Países maiores ainda precisam estabelecer metas mais ambiciosas. Na Cúpula do Clima desta quinta-feira, o presidente Joe Biden assumiu o compromisso de carbono zero até 2050 – o americano disse que a meta é cortar as emissões pela metade até 2030.
Em relação à biodiversidade, o Brasil de fato é líder. Em 2019, o site Mongabay colocou o País como primeiro em número de espécies animais e vegetais. O Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil (CTFB) indica existirem 119.645 espécies de animais diferentes no território brasileiro.
“O Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo. No presente, respondemos por menos de 3% das emissões globais anuais.”
De acordo com o Our World in Data, o Brasil foi responsável pela emissão de 14,2 bilhões de toneladas de CO2 entre 1751 e 2017, o equivalente a 0,9% das emissões globais nesse período. No entanto, esses números se referem somente à queima de combustíveis fósseis, e desconsideram outros aspectos que contribuem para o aquecimento – principalmente o uso da terra, com o desmatamento e a abertura de áreas para a agropecuária.
Um estudo canadense realizado em 2014 e que leva em conta todos esses fatores indicou que o Brasil foi o quarto país que mais contribuiu historicamente para o aumento da temperatura do planeta entre 1800 e 2005, cerca de 7%, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. Considerando a proporção pelo número de habitantes, o Brasil aparece em oitavo na lista. Outro relatório da Climate Analytics, de 2015, sugere que o país deve responder por 4,4% do aumento global de temperatura entre 1850 e o final deste século.
Considerando períodos recentes, o Brasil ocupa o 6º lugar entre os maiores emissores de gases de efeito estufa, com 3,2% do total mundial, de acordo com relatório de 2020 do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), realizado pelo Observatório do Clima, referente ao ano de 2019. As emissões aumentaram 9,6% em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, em relação a 2018.
Documento - RELATÓRIO 2020 – SEEG PDF
No gráfico abaixo, que mostra o total de emissões no País de CO²e desde 1990, é possível notar um ligeiro aumento em 2019, contrariando uma tendência de queda nos dois anos anteriores. A alta é puxada principalmente pelas mudanças de uso de terra e desmatamento, os principais responsáveis pelas emissões no Brasil. Apenas nesse setor, a quantidade de gases de efeito estufa subiu 23% em 2019, segundo o SEEG.
“Produzimos mais utilizando menos recursos, o que faz da nossa agricultura uma das mais sustentáveis do planeta”.
Não há um ranking global que monitore os critérios sustentáveis na prática agrícola dos países. Por enquanto, está sendo testado um índice que abrange os três pilares da sustentabilidade: ambiental, econômico e social. Alguns indicadores podem servir de base para analisar essa afirmação do presidente.
O Brasil é o 3º maior consumidor de pesticidas em volume absoluto, atrás apenas da China e dos Estados Unidos, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Quando se compara esse volume com a área plantada, o Brasil fica entre os 27 que mais usam agrotóxicos.
O Brasil é o 7º maior poluidor dentre todas as nações. Como mostrou a iniciativa Fakebook.eco, do Observatório do Clima, a atividade agropecuária é a maior fonte de gases do efeito estufa no Brasil, respondendo por 25% das emissões do País em 2018. Somando-se as emissões decorrentes do desmatamento (44%), por meio do qual muitas áreas se tornam pastos ou áreas para agricultura, a atividade agrícola responde por 69% de todas as emissões de gases do efeito estufa do País.
Quanto à questão social, estudo publicado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) em 2018 identificou que as áreas urbanas se encontravam na faixa de alto desenvolvimento humano (0,750), enquanto que as áreas rurais ficaram na faixa de baixo desenvolvimento humano (0,586). Os dados são referentes a 2010.
Documento ESTUDO IPEA PDF
Pesa também o crescimento da violência no campo. Atlas da Comissão Pastoral da Terra identificou 80 mortos no País entre 2017 e 2018 apenas na região Amazônica. Em todo País, foram 1.833 conflitos em todo o território nacional.
Um estudo da Embrapa sobre sustentabilidade na agricultura também aponta que, apesar de ter tido avanços, o país “continua incorporando cerca de 1 milhão de hectares de áreas de vegetação nativa ao sistema de produção agropecuária a cada ano”.
“Contamos com uma das matrizes energéticas mais limpas, com renovados investimentos em energia solar, eólica, hidráulica e biomassa”.
O Brasil de fato tem uma das maiores porcentagens de uso de energia renovável do mundo: 45%, de acordo com a plataforma Our World in Data. Em primeiro lugar, está a Islândia, com 79%; depois, a Noruega, com 66%.
No entanto, na tabela abaixo, é possível verificar que o índice de energia renovável no Brasil está no patamar de 40% desde a década de 1990.
De acordo com uma pesquisa da empresa BloombergNEF, o Brasil investiu US$ 9 bilhões em energia renovável em 2020. Os maiores investidores do mundo são China (US$ 135 bilhões); Estados Unidos (US$ 85 bilhões); Alemanha (US$ 29 bilhões) e Japão (US$ 29 bilhões).
Documento ESTUDO BLOOMBERG PDF
“Temos orgulho de conservar 84% de nosso bioma amazônico e 12% da água doce da Terra”.
Dados da organização MapBiomas mostram que a área florestal nativa da Amazônia é de 79,8%, mas especialistas acreditam que este número é exagerado. Segundo afirmou o MapBiomas ao Estadão Verifica no ano passado, estima-se que 20% dessa área já tenha sofrido algum nível de degradação por fogo ou exploração madeireira.
O presidente ignorou em seu discurso o fato de o Brasil ser o campeão em perda de florestas no mundo. De 2019 para 2020, foram eliminados 1,7 milhão de hectares de floresta primária no País, segundo a iniciativa Global Forest Watch. Em termos comparativos, isso é mais do que três vezes o que perdeu o segundo colocado, a República Democrática do Congo.
O monitoramento de queimadas do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que houve aumento de 15,6% no número de queimadas no bioma Amazônia de 2019 para 2020. Se no primeiro ano da gestão Bolsonaro as queimadas se concentraram em áreas já degradadas para limpeza do terreno, em 2020 os focos de incêndio foram registrados em área de floresta.
É verdade que 12% da água doce disponível na superfície do planeta se encontra em solo brasileiro. A qualidade e a quantidade da água, porém, varia de região para região. Desse total, 80% está presente na Região Hidrográfica Amazônica, segundo o informe anual da Agência Nacional de Águas (ANA).
O presidente afirma que conservamos toda a água doce em nosso território, o que está longe de ser verdade. A iniciativa Painel Saneamento Brasil mostra que, em 2018, quase metade (46,3%) de todo o esgoto produzido não era tratado.
“Como resultado, somente nos últimos 15 anos, evitamos a emissão de mais de 7,8 bilhões de toneladas de carbono na atmosfera”.
Esse número foi mencionado anteriormente pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e também apareceu em carta enviada por Bolsonaro ao presidente americano, Joe Biden. Ao jornal O Globo, Salles afirma que essa redução teria ocorrido entre os anos de 2006 e 2017 e que a informação “está lá na ONU”.
O governo brasileiro de fato comunicou uma redução de 8,13 bilhões de toneladas de carbono nos biomas Amazônia e Cerrado entre os anos citados, de acordo com a página do REDD+ da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças no Clima e o site do Ministério. O cálculo é feito com base na estimativa de emissão de CO2 por desmatamento e degradação ambiental a cada ano, menos a média desse índice calculada a partir de 1996.
Dados do projeto PRODES do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que o nível de desmatamento era mais alto na década de 1990 na Amazônia Legal e continuou subindo até 2004. A tendência foi revertida entre os anos de 2005 e 2012. Em 2019, chegou ao patamar mais elevado desde então, e a estimativa é de novo aumento para 2020.
“Somos um dos poucos países em desenvolvimento a adotar e reafirmar uma NDC transversal e abrangente, com metas absolutas de redução de emissões de 37% até 2025 e de 40% até 2030”.
As porcentagens citadas por Bolsonaro são compromissos firmados em 2015, durante o governo de Dilma Rousseff. Em documento apresentado à ONU naquele ano, o Brasil prometia reduzir as emissões em 43% até 2030 e em 37% até 2025.
Documento NDC – 2015 PDF
NDC é a sigla para Contribuição Nacionalmente Determinada, que trata da redução de emissões de gases de efeito estufa. Pelo Acordo de Paris, o Brasil deve submeter à Convenção do Clima das Nações Unidas regularmente novas NDCs. O acordo internacional usa como base reduções em porcentagens em relação aos níveis registrados em 2005.
Em dezembro do ano passado, o governo federal apresentou uma atualização das NDCs, mas não se comprometeu com metas mais ambiciosas para redução de gases de efeito estufa. Um relatório do Observatório do Clima constatou que a NDC atualizada do Brasil aumenta em 400 milhões de toneladas de CO² equivalente o nível de emissões permitido em 2030, em relação à meta indicativa apresentada em 2015. O relatório avaliou que tornava o País um “grande emissor que reduz a ambição de seus compromissos após a adoção do Acordo de Paris, traindo a letra e o espírito do tratado.”
A emissão líquida atual do Brasil é de cerca de 1,6 bilhão de toneladas de CO²e e a redução é necessária para atender à limitação do aquecimento global a 1,5º graus centígrados neste século, conforme estabelecido pelo tratado internacional.
Documento RELATÓRIO DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA PDF
“Determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior”.
De fato, Bolsonaro antecipou em 10 anos um compromisso estabelecido por ele mesmo no ano passado. O presidente não explicou como pretende atingir a neutralidade climática.
Em dezembro de 2020, o governo brasileiro apresentou uma atualização da sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) junto às Nações Unidas — um documento em que o País estabelece objetivos para cumprir o Acordo de Paris e frear o aumento de temperatura do planeta. A atualização tem apenas três parágrafos e afirma como “objetivo indicativo de longo prazo” atingir a neutralidade climática até 2060 — sem especificar a linha estratégica para tal.
Documento ATUALIZAÇÃO NDC PDF
Na NDC anterior, publicada em 2015, o governo estabelecia objetivos mais específicos de redução de gases de efeito estufa, na área de uso de bioenergia e de combate ao desmatamento.
Documento NDC – 2015 PDF
Líderes mundiais em cúpula virtual do clima em uma tela do salão leste da Casa Branca Foto: AP Photo/Evan Vucci
“Destaco aqui o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2030, com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso, reduziremos em quase 50% as nossas emissões até essa data”.
Em março deste ano, o governo apresentou o Plano Operativo 2020-2023 para controle do desmatamento. Neste documento, são apresentados objetivos como aumentar a fiscalização em campo, melhorar os sistemas de monitoramento e ampliar a punição por crimes ambientais. Não consta no texto a cifra de redução em 50% das emissões.
Documento PLANO OPERATIVO 2020-2023 PDF
Entidades como o Observatório do Clima destacaram que algumas das metas do Plano “são meras declarações de intenções, outras são subjetivas e não mensuráveis”. Outras ações propostas no documento são iniciativas de governos anteriores.
Quanto à fiscalização do desmatamento ilegal, servidores do Ibama publicaram uma carta aberta em que denunciam que uma norma assinada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em 14 de abril, paralisa o sistema de multas a crimes ambientais. A normativa criou uma nova instância de aplicação de punições, que devem passar pela autorização de um agente superior.
“Determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização”.
O presidente prometeu aumentar recursos para a área de fiscalização, mas o setor tem sofrido cortes durante sua gestão. Um levantamento do Observatório do Clima com dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento aponta que o orçamento discricionário — não obrigatórios — do Ibama e do ICMBio para fiscalização ambiental e combate à incêndios florestais registrou queda de R$ 193 milhões, em 2019, para R$ 174 milhões milhões em 2020.
Documento LEVANTAMENTO – OC PDF
O relatório aponta ainda que o Projeto de Lei Orçamentária Anual de 2021 prevê cortes de 27,4%, em relação ao orçamento autorizado no ano passado. Os dados foram corrigidos pelo índice do IPCA de dezembro de 2019 a novembro de 2020 informado pelo Banco Central (Bacen).
Entramos em contato com o Planalto sobre as conclusões desta checagem e publicaremos uma atualização com a resposta.
https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/em-discurso-na-cupula-do-clima-bolsonaro-distorce-dados-sobre-preservacaoambiental/?utm_source=estadao%3Afacebook&utm_medium=link&fbclid=IwAR0_ay0e4VTujmvDDpI5d_PzxgcrH8IwWulyPeMd5D6GAw6V-W_XM3Pwkc8
Evento de Joe Biden, presidente dos EUA, é tema de debate promovido pela Mídia NINJA, Greenpeace, ONG Fase e o grupo Carta de Belém.
A exibição será hoje (22), às 19h.
Nesta quinta-feira, 22 de abril, teve início a Cúpula de Líderes sobre clima, organizada pelo presidente Joe Biden, dos EUA. O evento pretende ser um marco no caminho rumo à COP26: Conferência das Partes da Convenção de Clima, que ocorrerá em Glasgow, Escócia, no fim de 2021. O assunto é tema de um debate promovido por organizações ambientais junto à Mídia NINJA, hoje (22) às 19h.
Participam do encontro Camila Moreno, do grupo Carta de Belém; Fabiana Alves, do Greenpeace Brasil; Toya Manchineri, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). A mediação será de Maureen Santos, da ONG Fase. A live será transmitida no youtube da TV NINJA e pelo Facebook da Mídia NINJA, Casa NINJA Amazônia e demais organizações participantes. Confira o link abaixo:
O grande tema desse ano nas negociações climáticas é a definição do futuro dos mercados de carbono, o papel das florestas em mecanismos de mercado, e o que virá a ser oficialmente a ‘ação climática’ rumo à descarbonização da economia mundial em 2050. A participação oficial do Brasil, desde o evento de hoje, foi um fiasco.
“Desde cedo, nós estamos acompanhando e fazendo a cobertura em tempo real da participação do Brasil no evento organizado por Joe Biden, nos EUA. Como esperado, o discurso foi um vexame e pudemos explicitar as mentiras contadas por Bolsonaro”, disse Raíssa Galvão, da rede NINJA Ambiental. “Uma delas é sobre o fortalecimento dos órgãos ambientais. É inacreditável eles falarem isso depois de Salles ser denunciado ao STF por tentar impedir ações de fiscalização e interditar a maior apreensão de madeira da história do Brasil. São mentirosos sem escrúpulos”.
“Ontem e hoje tem sido dias estratégicos para difundirmos sobre o tema da justiça climática, com tuitaços, vídeos, postagens informativas”, complementou Raíssa.
https://midianinja.org/news/midia-ninja-e-organizacoes-ambientais-analisam-cupula-do-clima/