Decisão da prática do ensino domiciliar
Sindicato dos Municipários de Porto Alegre consegue barrar decisão da prática do ensino domiciliar
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu parecer favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pelo Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) e o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS) para barrar o ensino domiciliar, conhecido como homeschooling.
No último dia 31 de outubro, a prefeitura de Porto Alegre publicou um decreto que regulamenta na capital a prática do homeschooling. A medida prevê que famílias interessadas possam aderir a esse tipo de ensino a partir do ano letivo de 2023.
A maioria dos desembargadores votaram contra o decreto da prefeitura municipal que regulamenta a prática de uma modalidade de ensino que ao invés da criança e do adolescente irem à escola, os estudos são realizados em casa.
A lei que autoriza o homeschooling em Porto Alegre desde março é vista como inconstitucional. Não há legislação que sustente a prática nos âmbitos Estadual e Federal.
No entanto, a ação judicial do Simpa e do Ministério Público, que diz que a Lei é inconstitucional, pode revogar a autorização da prefeitura.
“É uma vitória, a nossa ação na justiça junto com o Ministério Público. Trata-se da inconstitucionalidade desse formato de ensino. Esta medida está totalmente desconectada com a discussão da educação em nível nacional, municipal e estadual e afeta um conjunto de coisas, tanto no desenvolvimento social, quanto na capacidade do aluno de forma coletiva dentro do ambiente escolar”, afirma a diretora de Comunicação do Simpa, Cindi Sandri.
>> Saiba mais – 8 argumentos para dizer não à educação domiciliar (leia abaixo)
Prejuízos do homeschooling para a cidadania
Nessa modalidade de ensino domiciliar, a família assume a responsabilidade pelo desenvolvimento pedagógico do estudante, sem a necessidade de matriculá-lo em uma escola de ensino regular, ficando a cargo do município o acompanhamento do seu desenvolvimento.
Para Cindi Sandri, as famílias não têm condições de oferecer aos alunos conteúdos pedagógicos, a abordagem dos conteúdos do ponto de vista da escola. “Trata-se (essa modalidade) de uma afronta à dignidade humana e à efetividade da cidadania”, reiterou.
Ela cita a Constituição Cidadã, em seu art. 208, I, que determina que a educação “é dever do Estado e será efetivada mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive aos que não tiveram acesso na idade própria”.
Educação é direito de todos e dever do Estado
Além disso, aponta a diretora, o ensino individual leva em conta apenas a visão da família e há grande perda no aprendizado e na formulação de ideias pois não haverá contato com a diversidade. “E ainda, a criança perde o espaço de proteção, quanto à identificação de violências e abusos, que muitas vezes ocorrem nas casas de crianças e jovens”.
Na ação, o sindicato dos municipários faz referência à Constituição do Rio Grande do Sul que, em consonância com a Constituição Federal, estabelece, em seu artigo 196, que a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família, baseada na justiça social, na democracia e no respeito aos direitos humanos, ao meio ambiente e aos valores culturais, visa ao desenvolvimento do educando como pessoa e à sua qualificação para o trabalho e o exercício da cidadania.
>> Mais de 400 entidades de educação assinam manifesto contra ensino domiciliar
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) encabeça um manifesto em que 357 entidades, de todo o país, repudiam a aprovação do homeschooling. “Não existe nenhum benefício para os nossos estudantes”, garantem.
A CNTE é contra o projeto que regulamenta o ensino domiciliar. Para a entidade, essa forma de ensino fere o direito de crianças e adolescentes à convivência social e ao acesso a conhecimentos científicos e humanísticos, mesmo que estes confrontem doutrinas religiosas e políticas defendidas por suas famílias.
“O Homeschooling expõe crianças à violência e à desprofissionalização pedagógica e a Mordaça tenta eliminar temas curriculares sobre gênero, orientação sexual e inúmeros preconceitos que geram violência e exclusão sociais”, afirma a entidade no Jornal Mural especial das eleições com o título: “Vamos eleger uma educação pública como prioridade”.
Sobre quem já faz homeschooling
Para o relator do processo, Desembargador Nelson Antonio Monteiro Pacheco, para não haver prejuízo aos alunos que aderiram a esta modalidade neste ano, a decisão passa a valer a partir de 2023. “Com essa decisão da justiça, a lei passa a perder o vigor a partir do início de 2023 com único intuito de evitar que haja qualquer tipo de prejuízo aos alunos que estão nesse formato domiciliar”, diz a diretora de Comunicação do Simpa, Cindi Sandri.
Fonte: CNTE
8 argumentos para dizer não à educação domiciliar
FOTO: PILLAR PEDREIRA
1. COMPROMETE O DIREITO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES À CONVIVÊNCIA SOCIAL E AO ACESSO A CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS E HUMANÍSTICOS E VISÕES DE MUNDO
Para além daquelas defendidas pelas doutrinas religiosas e políticas de suas famílias. Esse direito foi reafirmado pelo Parecer nº 34/2000 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação(CEB/CNE) e pelas decisões históricas do Supremo Tribunal Federal em julgamentos de 2020, referentes a ações que tratam de leis inspiradas pelo movimento Escola sem Partido. As crianças e adolescentes não são propriedades de suas famílias
2. OCULTA E AUMENTA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A EXPLORAÇÃO SEXUALA não obrigatoriedade de frequência à escola inviabiliza a identificação e encaminhamento de casos e amplia as possibilidades de ocorrência de violência doméstica e sexual. Cerca de 70% dos autores de agressões contra crianças e adolescentes são integrantes da família. Em 2020, durante o isolamento social e o fechamento de escolas, acarretados pela pandemia, o Brasil atingiu o maior número de denúncias de violência contra crianças e o adolescentes desde 2013 por meio do Disque 100. Foram 95.247 denúncias, uma média de 260 novos casos a cada dia. A educação domiciliar não protege as crianças e adolescentes da violência.
3. AUMENTA A INSEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
A pandemia evidenciou o papel da escola como a política pública mais capilar e cotidiana, estratégica para o acesso a outros direitos e o enfrentamento das desigualdades. O Programa Nacional de Alimentação Escolar é uma das mais relevantes políticas voltadas à garantia do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas via escola. Para muitos estudantes, é na escola que se faz a única ou a principal refeição do dia.
4. ROMPE COM A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva foi uma conquista pela igualdade ao acabar com a segregação de estudantes em escolas e classes especiais prevendo como um direito das crianças e adolescentes com deficiência a frequência às escolas regulares. A aprovação da modalidade da educação domiciliar pode favorecer que crianças com deficiência sejam retiradas da escola e, com isso, do convívio social, ou, ainda, legitimar que instituições recusem a matrícula desses estudantes.
5. APROFUNDA AS DESIGUALDADES EDUCACIONAIS
A educação domiciliar não é uma alternativa viável para a maioria da população brasileira, já que requer condições de funcionamento indisponíveis em boa parte dos lares. Trata-se, assim, de um projeto elitista, sem interesse coletivo e com baixa demanda social. A escola é o local de oportunidades igualitárias para novas aprendizagens, de interação e respeito às diversidades.
6. ESTIMULA A EVASÃO ESCOLAR
Como forma de combater a evasão, a estrutura escolar prevê o acompanhamento e a busca ativa de estudantes com queda de frequência. Já a educação domiciliar aumentará o distanciamento entre estudantes e Estado, dificultando a identificação de evasão e a implementação de estratégias de busca ativa. Segundo pesquisa do Conselho Nacional de Juventude (2020), 28% dos jovens que evadiram em decorrência da pandemia não pretendem retomar os estudos quando houver retorno presencial. Neste contexto de aumento de evasão, a prioridade de alocação de recursos e pessoal deve ser o fortalecimento das escolas públicas e das políticas de busca ativa, não um distanciamento ainda maior Estado-estudante.
7. FRAGILIZA A DEMOCRACIA E A CIDADANIA
A pandemia evidenciou a importância da escola e dos espaços de socialização de crianças e adolescentes. A escola é um espaço fundamental para a construção de uma sociedade democrática ao possibilitar o convívio social. É nela que estudantes aprendem a reconhecer e respeitar as diferenças e a conhecerem outras visões de mundo. Privar crianças e adolescentes do direito à escola é restringir o exercício da cidadania.
8. ONERA OS COFRES PÚBLICOS PARA UMA BAIXA CAPACIDADE DE ATENDIMENTO DE DEMANDA:
A educação domiciliar não pode ser encarada como economia aos cofres públicos. Sua regulamentação demanda uma estrutura de avaliação e de fiscalização de ambientes domésticos, com difícil capilaridade e alto custo para o Estado. Regulamentar a educação domiciliar demandará provisionar recursos para o custeio da sua operacionalização: acompanhamento de matrículas, aplicação de avaliações externas, contratação de supervisores, além de novas demandas não dimensionadas para conselhos tutelares e escolas. Trata-se de situações não mensuradas nos projetos em debate no Congresso e sequer passíveis de solução dentro da constitucionalidade.
Conheça o MANIFESTO PÚBLICO, assinado por mais de 350 organizações, entidades e redes. http://bit.ly/LeiaoManifesto