Demônios fogem do inferno

Demônios fogem do inferno

Demônios fogem do inferno

Frei Betto  29/03/2021

O Inferno de Dante - Mitologia Grega Br


O in­ferno está vazio de demô­nios porque eles in­va­diram a Terra com suas obras ma­lignas: pan­demia, ne­o­na­zismo, ne­ga­ci­o­nismo, pe­do­filia, ra­cismo, ho­mo­fobia, mi­so­ginia, ter­ro­rismo di­gital etc.

Nos ní­veis mais pro­fundos do in­ferno, Dante iden­ti­fica os hi­pó­critas e os la­drões (no oi­tavo) e os trai­dores da pá­tria e dos amigos (no nono). O que, no Brasil, nos re­mete aos que con­si­deram a pan­demia uma “gri­pe­zinha”, fazem cara de pai­sagem di­ante das “ra­cha­di­nhas”, ad­mitem que o nosso país é um “pária” na con­fi­gu­ração mun­dial, evitam me­didas para salvar a vida da po­pu­lação e es­can­teiam aqueles que o aju­daram a se eleger, como fez com Gus­tavo Be­bi­anno, Major Olímpio e Sérgio Moro.

Deste lado da vida, nos de­fron­tamos com in­fernos es­tru­tu­rais: de­si­gual­dade so­cial, de­vas­tação am­bi­ental, tra­balho es­cravo, ge­no­cídio, guerras, armas nu­cle­ares e quí­micas etc.

Em sua eti­mo­logia grega, de­mo­níaco não é um ente, é o de­sejo de um ser hu­mano de que ele e seus atos sejam con­si­de­rados de­fi­ni­tivos e su­premos. Daí o vis­ceral apego de certos po­lí­ticos ao poder. São pes­soas de baixa au­to­es­tima e quando al­çadas à função de mando en­con­tram nisso uma forma para tentar en­co­brir suas fra­gi­li­dades e con­tra­di­ções, ali­men­tando em seus apoi­a­dores a con­vicção de que estão di­ante de um “mito”. Como ob­servou Sartre, certos seres hu­manos vivem na ilusão de ser Deus.

Aliás, o que Sartre quis dizer ao cu­nhar o axioma de que “o in­ferno são os ou­tros”? Não quis fazer en­tender que o pró­ximo é de­mo­níaco e, por­tanto, de­vemos nos en­clau­surar no mais fer­renho so­lip­sismo. Quis de­nun­ciar que o olhar do outro pode con­fundir o meu modo de ser e anular a minha in­di­vi­du­a­li­dade. É o caso de quem tem medo de ser o que é e trans­fere sua razão de viver para algum “pastor”, “guia” ou “mito” capaz de lhe in­dicar o ca­minho da “ver­dade” que ha­verá de li­bertá-lo. Vale lem­brar que o demônio sempre se dis­farça de anjo, sua pri­meira na­tu­reza.

“Grande sertão, ve­redas”, de Gui­ma­rães Rosa, ter­mina por res­saltar o pa­ra­doxo que an­gus­tiou toda a epo­peia de Ta­ta­rana: existe ou não o Demo? O nar­rador, ao final, su­blinha: “Pois não? O se­nhor é um homem so­be­rano, cir­cuns­pecto. Amigos somos. No­nada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem hu­mano”.

 

Frei Betto

As­sessor de mo­vi­mentos so­ciais. Autor de 53 li­vros, edi­tados no Brasil e no ex­te­rior, ga­nhou por duas vezes o prêmio Ja­buti (1982, com "Ba­tismo de Sangue", e 2005, com "Tí­picos Tipos")

 

https://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/14579-demonios-fogem-do-inferno

 




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