Desafios nas escolas rurais
Escolas rurais: os desafios de ensinar e aprender na quarentena
A educação a distância foi a solução mais adotada pelas instituições de ensino nos grandes centros urbanos – em resposta ao bloqueio total provocado pela pandemia do novo coronavírus. Mas como fazer isso em lugares onde o acesso à internet é limitado e até mesmo o sinal de telefone é precário?
Estamos em 2020 – e ainda há lugares onde a tecnologia não chegou. Segundo um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 44% dos moradores de áreas rurais fazem uso de internet. Nas áreas urbanas, o índice é de 70%.
O clima é de incerteza nas regiões rurais. “É uma situação complicada. No início, pensávamos que a paralisação seria somente por 15 dias. Mas com o avanço da pandemia a suspensão foi prorrogada”, relata a professora Naldair Aparecida Coimbra Gaspar, ao Desafios da Educação.
Aos 44 anos, Gaspar é professora da Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio Boa Esperança, localizada a 22 quilômetros do município de Alta Floresta D’oeste (RO). A escola está fechada desde o dia 17 de março. Sobre a possibilidade de adotar um tipo de ensino remoto, ela afirma:
Não podemos criar uma metodologia de ensino online porque a escola não possui as ferramentas necessárias. Além disso, não conseguiríamos ter a adesão de todos os alunos.
Mas o brasileiro é um sujeito que não se acanha; não desiste diante dos desafios. Na escola Boa Esperança, Gaspar e os colegas elaboraram alguns projetos para tentar reduzir o impacto negativo na aprendizagem dos alunos.
“Como a maior parte dos alunos do ensino médio possuem celular e tem mais facilidade de acesso à internet, pensamos em enviar arquivos em PDF para eles via WhatsApp. Agora, para os alunos do ensino básico, é complicado. Alguns professores sugeriram a criação de apostilas, mas é tudo muito incerto”, diz a professora.
Outro assunto que preocupa os docentes é a substituição das aulas. O MEC publicou uma medida provisória que dispensa as instituições de ensino de cumprirem 200 dias letivos obrigatórios, mas mantém a carga horária de 800 horas aula/ano. Professores aguardam um posicionamento da secretária de educação de Rondônia, que deve se reunir com os professores no ao término da quarentena.
Para Suziely dos Santos Alves, 14 anos, estudante da zona rural, a melhor solução seria os professores disponibilizarem conteúdos para os alunos de alguma forma.
“Ficar completamente parado nessa quarentena é muito ruim para os nossos estudos, mas não sei se a aula online seria uma boa ideia. Tenho colegas que não tem acesso à internet. Eu tenho, mas aqui no sítio o sinal é muito ruim.”
O que escolas têm feito
Em Goiás, 97% da rede estadual está realizando aulas remotas, utilizando materiais didáticos adequados aos seus estudantes e todas as escolas da zona rural estão inclusas no grupo que aderiram o novo método.
Mesmo em comunidades sem acesso à internet, os alunos estão recebendo conteúdo didático e listas de atividades. Algumas escolas, por exemplo, têm enviado materiais impressos a farmácias e supermercados para que estes sejam recolhidos, posteriormente, pelas famílias. Outras fixam materiais didáticos para que os estudantes tirem foto e estudem em casa.
No interior do Rio Grande do Sul, a Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul utiliza a pedagogia de alternância, um método de ensino semipresencial que mescla períodos de convivência na escola com outros em casa.
Cristina Luisa Bencke Vergutz, que é professora e coordenadora na escola, afirma: como os alunos já estavam acostumados com a pedagogia da alternância, não houve tantos problemas de adaptação na quarentena.
Leia mais: Pedagogia de alternância: a metodologia que mantém os jovens no campo
Como o acesso à internet é complicado na região, as atividades são enviadas pelos professores com prazo estendido de entrega. “Os alunos têm duas semanas para realizarem os exercícios. Assim, eles podem ir acessando de acordo com a possibilidade deles”, explica Vergutz.
Conforme o censo escolar de 2019, o Brasil tem 5,1 milhões de estudantes em escolas rurais. Todos eles, defende a professora Vergutz, poderiam (e deveriam) aprender fora da sala de aula.
A aprendizagem se dá em múltiplos espaços. A sala de aula é um deles. Mas, nesse tempo [de quarentena], é bom a gente pensar estratégias para quebrar com a ideia de que só aprende dentro da sala de aula. Dá para ensinar e aprender em outros espaços, sem tirar o papel do professor nesse processo.
A educação depois da pandemia
A educação nas escolas rurais muitas vezes é negligenciada pelos próprios pais dos estudantes. Mas para a professora Naldair Gaspar isso terá que mudar.
“Agora, mais do que nunca, os pais terão que estar presentes na educação dos filhos, principalmente daqueles que estão nas séries iniciais.”
A professora Cristina Vergutz finaliza afirmando que as mudanças que veremos após a pandemia irão além da educação. “Eu acredito que teremos outra percepção de relações humanas, sociais, econômicas e, com certeza, de aprendizagem.”