Desigualdade cresce no meio rural
Desigualdade cresce mais no meio rural
Valor Econômico - 19/09/2019
Com a riqueza gerada pelo agronegócio mal distribuída, a desigualdade de renda nas áreas rurais cresceu significativamente em cinco anos no país, mostra um levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV) obtido pelo Valor.
O índice de Gini da renda domiciliar do trabalho per capita estava em 0,655 nas áreas rurais no segundo trimestre, 4% acima do mesmo período de 2014 (0,628), início da recessão. O índice varia de zero a um, sendo zero a distribuição perfeitamente igualitária.
O pesquisador Daniel Duque, autor do levantamento, diz que o aumento da desigualdade nas áreas rurais nesses cinco anos é resultado da estagnação da renda da parcela mais pobre da população, após uma forte piora inicial, ao passo que o topo viu a renda crescer ainda mais.
“É uma história parecida com a do restante do Brasil, com a crise afetando o emprego e os salários, prejudicando mais a parcela mais pobre da população. Quem é mais rico geralmente tem maior escolaridade e consegue se defender melhor na crise”, afirma.
Em relação ao mesmo trimestre do ano passado, o Gini da renda domiciliar do trabalho per capita das áreas rurais ficou praticamente estagnado, com leve queda de 0,5%.
O movimento ocorreu, contudo, pela redução da renda dos mais ricos, em vez da desejável melhora da renda dos mais pobres. Os indicadores têm como base os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua, do IBGE. Os números incluem apenas a renda do trabalho, sem considerar programas de transferência de renda ou aposentadorias, por exemplo.
O agronegócio brasileiro caminha neste ano para um novo recorde histórico de produção de grãos. Conforme dados do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) do IBGE, a produção de grãos deverá chegar a 239,8 milhões de toneladas neste ano, superando a supersafra de 2017.
O bom desempenho da safra não tem se convertido, porém, em geração de empregos. Dados da Pnad Contínua mostram que a atividade agrícola absorvia 8,6 milhões de trabalhadores no segundo trimestre deste ano, 1 milhão a menos do que no segundo trimestre de 2014.
Por trás do descompasso de safras recordes no país e os poucos empregos gerados está o agronegócio intensivo, de alta produtividade, automatização e de latifúndios, que demanda mão de obra mais qualificada e escolarizada.
“As grandes safras são bastante mecanizadas e geram menos empregos do que se imagina. É claro que movimentam a economia, mas têm pouco impacto sobre o número de pessoas empregadas”, disse o pesquisador da FGV.
Além disso, a maior parte da safra brasileira está concentrada nas regiões Centro-Oeste (46% do total nacional) e Sul (32%). A pobreza e a miséria rural, fatores de desigualdade, estão concentradas no interior do Nordeste, em Estados como Bahia e Maranhão.
Duque lembra que o agronegócio também não é a única fonte de emprego e renda das áreas rurais. A administração pública também movimenta a economia de pequenos municípios rurais espalhados pelo país e as limitações fiscais têm sido um desafio a mais.
O levantamento mostra que a desigualdade da renda é maior nas áreas rurais do que urbanas. O índice de Gini da renda do trabalho per capita estava em 0,613 no segundo trimestre deste ano nas áreas urbanas, 3,5% maior do que no mesmo período de 2014 (0,593).
A desigualdade seria estruturalmente maior no campo por causa do perfil médio do morador. Em geral, são pessoas menos escolarizadas, mais velhas e com menor taxa de participação no mercado de trabalho. “É um ambiente propício para maior desigualdade”, afirma Duque.
Mas as origens da desigualdade no campo têm muitas dimensões. Entre suas causas, estão a concentração da terra, uma das consequências da migração campo-cidade, a degradação do ambiente e a formação de uma elite baseada no latifúndio de monocultura.
Dados da LCA Consultores, publicados pelo Valor, mostraram que a força de trabalho rural encolheu 3% em quatro anos, período em que a população total cresceu 1% no campo. Esse êxodo de mão de obra é um fenômeno visto com mais intensidade em décadas passadas.
A desigualdade de renda também é grande, como esperado, na comparação entre as áreas. O rendimento médio do trabalho per capita estava em R$ 981,41 nas áreas urbanas no segundo trimestre deste ano, enquanto não passava de R$ 345,43 nas áreas rurais.
Essa diferença de rendimento, que está em 2,84 vezes, ficou ainda maior nos últimos anos. No segundo trimestre de 2014, a razão entre elas era de 2,68 vezes, conforme dados do levantamento. É o atual maior nível da série, iniciada em 2012, considerando apenas o segundo trimestre.
Segundo Duque, as desigualdades urbana e rural são, contudo, problemas relativamente diferentes. “A desigualdade rural se deve ao baixo acesso ao mercado de trabalho, além da alta idade e da baixa qualificação da população. O único meio para o combate a isso é via programas sociais”, afirmou o pesquisador da FGV. “No caso urbano, educação pública e oportunidades de trabalho são mais relevantes.”
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