Desnazificar e desbolsonarizar
Limpeza! Desnazificar significa expor cada fascista ao próprio “cheiro”
A um governo que se queira democrático, se impõe a desbolsonarização, em três frentes: responsabilizar criminalmente quem conspirou contra a Constituição; remover dos cargos de confiança quaisquer fascistas; e reeducar.
Por - 08/01/2024
Prisioneiros nazistas assistindo a filmes sobre os horrores do Holocausto. Créditos: Reprodução
Antes do conteúdo, uma iluminação: “nazismo”, da contração do nome do partido de Hitler, é apenas a versão alemã do “fascismo” nascido na Itália de 1919. Fascistinhas de caca esperneiam de perucas, ante essa verdade histórica, porque se incomodam com o próprio cheiro.
Essa nota semântica é importante em nosso espectro político, no qual, por hipócrita tradição, socialistas são tidos por comunistas, sociais-democratas posam de socialistas, liberais se pintam de sociais-democratas, conservadores se reivindicam liberais e fascistas, claro, se definem como “de direita” ou mais hodiernamente como “libertários”, banhando-se em perfume na tentativa de ocultar a podridão.
O que importa é saber que “desnazificar”, aqui, pode ser lido como “desfascistizar” ou “desbolsonarizar”. Dá exatamente no mesmo, mas a opção por “desnazificação” se justifica pela eficácia de “nazismo” em tornar mais evidente a verdadeira fragrância da ideologia representada por Jair Bolsonaro et caterva.
Desnazificar é extremamente difícil, dado que o fascismo se constrói a partir de laços identitários entre um malcheiroso líder que reúna em si o que de pior existe do caráter humano e uma massa que identifica nessas pestilentas qualidades aquilo que julga ideal para a convivência social.
O ódio alimentado por misoginia, racismo, homofobia e demonização de adversários políticos e o cheiro que ele produz, são vistos como uma grande virtude pela ressentida malta fascista, sempre apta a culpar aqueles que defendem os direitos de todos, pelos próprios fracassos.
A maior parte dessa massa, no entanto, é inconscientemente fedorenta e não percebe a exteriorização de sua fúria pessoal (via Internet, papel ou qualquer outra vocalização) como a causa verdadeira do objetivo político último do fascismo, o extermínio do “outro”.
Algo assim como “eu marchei com Hitler nos comícios gigantes, mas não imaginava que só porque ele falava em ‘exterminar os judeus’ aquilo iria dar em Auschwitz e seu cheiro”. Para abrasileirar basta trocar os termos por “votei em Bolsonaro”, “negava a ciência” e “700 mil mortos por Covid 19”.
Guarde a desvinculação entre a causa-ódio e a consequência-extermínio. Ela é uma parede entre o indivíduo fascista irradiador da inhaca e a autopercepção de seu cheiro. Voltaremos à “parede”.
Para combater a cultura de cólera política inconsequente e seu cheiro, os aliados vencedores na 2ª Guerra Mundial adotaram em 1945, na Conferência de Potsdam, a política de desnazificação, vital para o processo de pacificação da Alemanha.
A tarefa era, e é, hercúlea. Basta pensar que a massa a ser desnazificada ou desbolsonarizada não era, e não é, uniforme. Numa simplificação grosseira e, no entanto, funcional, podemos agrupar os fascistas em: (a) fervorosos crentes abnegados, capazes de dar a vida pelo Duce-Füher-Mito; (b) “aventureiros” que enxergaram na nova ordem a oportunidade de ganhar dinheiro ou prestígio; e (c) “conformistas”, que por condições quaisquer se amoldaram à ideologia momentaneamente vencedora. Grupamentos diversos, mas todos com o mesmo cheiro.
Consideradas as dificuldades impostas pela permanência do cheiro, a desnazificação da Alemanha foi desde o início pensada como uma iniciativa em três “Rs” (erres): Responsabilização judicial de lideranças nazistas, pelos seus feitos; Remoção de membros do partido nazista e da milícia SS de posições de poder e de influência; Reeducação.
Como se sabe, os “Rs” foram apenas parcialmente atingidos e alguns completamente abandonados para o aproveitamento de antigos nazistas em favor do Otanistão. Mas o algo que foi feito coloca a Alemanha pós-45 num patamar aromático muito superior ao do Brasil pós-22.
Na seara da “Responsabilização”, não se vislumbra a penalização dos fétidos autores pseudointelectuais do holocausto da Covid, ou do aniversariante golpe de 8 de janeiro. Para além do inelegível chefe e maior conspirador, bandidos do naipe de Braga Neto, Garnier e Heleno, e traidores como o coronel facilitador da tomada do Planalto, desfilam como “cidadãos” de bem. Passado um ano, apenas bagrinhos cagões e uns poucos financiadores sentiram o peso da lei.
“Remoção”? Quase nenhuma! Nazistas por convicção, por interesse ou por conformismo, continuam a conspurcar cargos de “confiança” em todos os nichos do Executivo, alguns até promovidos a atribuições que lhes possibilitam melhores canais para futuras exalações.
Quanto à mais estratégica das três iniciativas, a “Reeducação”, são escassas as medidas empreendidas, o que contrasta com bem-sucedidas experiências levadas a cabo pelas autoridades aliadas. Experiências que confrontaram os nazistas com seu verdadeiro “cheiro”.
De volta à “parede” acima mencionada, tratava-se de mostrar ao gado de Hitler a relação entre a causa-ódio e a consequência-extermínio.
Ao se depararem com as cenas dantescas dos campos de Auschwitz, Buchenwald, Dachau, Bergen-Belsen e outros, soldados soviéticos, americanos e britânicos começaram a trazer as populações do entorno para cheirar o que seus votos e apoio a Hitler haviam gerado.
Aqueles alemães que visitaram os campos e que muitas vezes foram obrigados a tratar dos sobreviventes, a faxinar as instalações e a sepultar os incontáveis restos mortais das vítimas, levaram para casa não só imagens piores do que as de Hieronymus Bosch, mas um traço da realidade captado pelo sentido mais diretamente relacionado à memória, o olfato.
Depois, no processo de reeducação, centenas de milhares de ex-militares alemães foram submetidos a sessões de cinema exibindo documentários sobre os campos da Solução Final. As telas e os autofalantes não transmitiam o odor do fascismo, mas o público associava facilmente, às cenas das valas comuns, o cheiro de corpos apodrecendo nos campos de batalha ou sob os escombros das cidades bombardeadas.
Esse é o verdadeiro cheiro do fascismo. Cheiro que os bolsonaristas trazem no corpo, não obstante a quantidade de produtos de higiene que usem. Cheiro que independe da classe social do fedido e de serem funcionários públicos, empregados de estatais, generais, parlamentares ou o raio que os parta.
Cheiro que por medida tanto civilizatória como sanitária, nos obrigar a apartar os nazistas.
A um governo que se queira democrático, se impõe a segregação dos contaminantes. A desbolsonarização é indispensável e deve ser promovida nas mesmas três frentes dos “Rs” de 1945: responsabilizar criminalmente quem conspirou contra a Constituição nas eleições de 22 e dali até o 8 de janeiro de 23; varrer dos cargos de confiança quaisquer fascistas, ainda que o tenham sido somente por interesse ou conformismo; e sobretudo reeducar.
E, para reeducar, não seria exagero organizar visitas guiadas de bolsonaristas presos, ao maior cemitério da Covid, o São Luiz, na Zona Sul de São Paulo. Aquele que tem tantas covas alinhadas lado a lado que passou a ser conhecido como “cemitério do código de barras”.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.
FONTE: