Destino das universidades públicas
Escolha do novo presidente irá selar destino das universidades públicas
Hoje, o corte de bolsas, negacionismo, fake news e perseguição comprometem o desenvolvimento do ensino superior no país
Publicado 08/09/2022 - 15h21 @vinimlo / Estudantes NINJA
Brasil de Fato – O governo de Jair Bolsonaro (PL) registrou uma redução de 94% nos investimentos destinados às universidades públicas federais nos últimos quatros anos. Dos 21 institutos de pesquisa existentes no país, 19 tiveram queda de orçamento entre 2019 e 2021. Os dados são do Centro de Estudos Sou Ciência.
Os números do levantamento mostram que o Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa (Inep) sofreu redução de quase 52% no repasse; o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que fomenta pesquisas científicas, apresentou queda de 65% no orçamento; já a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que concede bolsas de mestrado e doutorado, teve diminuição de quase 70% dos recursos.
Foi o que aconteceu com o ex-aluno de doutorado do Programa de Pós Graduação de Bioquímica da Universidade Federal do Ceará (UFC), José Henrique Freitas. Ele perdeu a bolsa do CNPq depois de quase três anos dedicados à pesquisa e precisou parar os estudos no meio da pandemia.
“Os programas de pós-graduação são um dos principais meios de produção científica no nosso país. Se você não tem apoio para aumentar o número de bolsas, que são necessárias para a permanência do estudante, e você não pensa nos estudantes durante a pandemia, a defasagem aumenta. Assim como eu, muita gente não finalizou o mestrado ou doutorado porque ficou sem o valor da bolsa e precisou sair para trabalhar e continuar vivendo”, desabafa.
Leia mais: Mensalidade em universidades públicas é ‘saída simplista’ para não fazer reforma tributária
José Henrique também é coordenador geral da Associação dos Pós-Graduandos da UFC e alerta para o desmonte que resultou, apenas na pós-graduação do curso de Bioquímica, no corte de 51 bolsas nos anos de 2019 e 2020, sob a alegação de que eram vagas ociosas. “Isso tudo é reflexo de um governo que nunca pensou em Ciência e Tecnologia e que além de promover o desmonte, alimenta um ódio sobre o que é produzido ou discutido no meio acadêmico”, ressalta Henrique.
Em 2019, ainda durante o primeiro ano de governo, Bolsonaro tentou privatizar as universidades, propondo o debate sobre pagamento de mensalidades no Congresso Nacional. Também interferiu no preceito constitucional sobre a autonomia das instituições de ensino superior ao desconsiderar os mais votados nas eleições com lista tríplice em 40% das nomeações de reitores no país. No Ceará, a comunidade acadêmica viu Cândido Albuquerque, último colocado na votação, ser escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro como reitor da UFC.
Leia também: Abuso de poder: Bolsonaro pode responder à Justiça por atos de 7 de Setembro?
Nesse contexto, práticas como corte de bolsas, negacionismo, fake news e perseguição nos ambientes universitários são elementos que, em conjunto, estão comprometendo o trabalho da ciência e o desenvolvimento do ensino superior. É o que denunciam acadêmicos por todo o país. Assim como, a resistência contra as cotas étnicos sociais, um instrumento de reparação social e histórica, que fomenta a entrada de estudantes indígenas e negros nas universidades, espaço onde as desigualdades sociais do Brasil refletem as diferentes realidades encontradas nos campi do país.
Para a doutora em Educação Brasileira pela UFC e Pró-reitora de Políticas Afirmativas Estudantis da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Mara Rita Duarte, o atual governo condena as políticas de igualdade instituídas no país. “O governo Bolsonaro tem na sua estrutura o neofascismo que condena a política de igualdade racial, as ações afirmativas, as políticas de cotas para pessoas com deficiência e condena, principalmente, o negro e o pobre estarem na faculdade pública. Nós trabalhamos com estudantes africanos com a missão de reparar os prejuízos históricos causados a certas populações e países, em virtude da escravidão no Brasil com anuência de Portugal. De 2019 para cá, tivemos uma defasagem de 800 alunos porque houve notável empobrecimento e não temos como prestar auxílio para todos os estudantes”, explica a docente.
Em junho, o Ministério da Educação (MEC) sofreu um corte de R$ 739,9 milhões no Orçamento de 2022. A medida resultou na redução de R$ 55,3 milhões no repasse de recursos para a UFC, Unilab, Universidade Federal do Cariri (UFCA) e ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Mara Duarte, lista a queda dos orçamentos das universidades e demonstra preocupação com os impactos no orçamento do MEC, especialmente nas instituições do Nordeste. “Aqui o cenário se agrava muito mais, em virtude das realidades socioeconômicas dos/as estudantes universitários/as e da realidade regional, apontando severas disparidades em relação a outras regiões do País. Diante destes cortes e bloqueios, as instituições não terão recursos suficientes para finalizar o ano acadêmico em 2022. Os estudantes não terão seus auxílios e bolsas, toda Universidade estará à mercê da boa vontade política para cumprir com os pagamentos de seus contratos e para manter suas portas abertas”, enfatiza.
Cortes e bloqueios, que prejudicam o desenvolvimento da pesquisa e do ensino superior no Brasil, se somam às denúncias de irregularidades no MEC na gestão de Bolsonaro. O Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Corregedoria-Geral da União (CGU) referente à 2021, mostram um desvio de quase R$ 18,8 bilhões mapeados por técnicos da corregedoria como distorções no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) – que está no centro do escândalo do nomeado pela imprensa de Bolsolão do MEC.
Com a volta às aulas, após dois anos de ensino remoto, os prejuízos acadêmicos se somaram à escassez orçamentária e deixaram nítidos os problemas enfrentados pela comunidade acadêmica. Docentes e discentes realizaram uma série de denúncias sobre abandono e infraestrutura precarizada nos campi federais do Ceará. Além de obras paradas, equipamentos quebrados se acumulam sem manutenção. A situação foi constatada pelo Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (ADUFC-Sindicato), que em maio, realizou uma vistoria para checar as denúncias recebidas.
Para a Professora do Departamento de Literatura da UFC, Irenísia Oliveira, vice-presidente da ADUFC-Sindicato, o país vive um declínio. “Em todos os aspectos, acontece um retrocesso com consequências que serão sentidas por todos os brasileiros, seja pela expulsão dos mais pobres da universidade, pela falta de pessoal qualificado e de soluções tecnológicas, pela redução da eficiência e pelos custos financeiros que tudo isso representa. Na UFC, a situação ainda se agrava pelos ataques à democracia universitária e à gestão autoritária do interventor, que persegue docentes, técnico-administrativos e estudantes. Lutamos para que esse ataque ao futuro do país seja revertido o mais breve possível com a derrota de Bolsonaro nas próximas eleições”, defende Oliveira.
Números do governo Lula impressionam
A partir da análise de dados divulgados pelo MEC, em termos de comparação, a verba federal destinada a todo o ensino superior em 2021 foi de R$ 5,5 bilhões, menos da metade dos R$ 14,4 bilhões reservados para as universidades públicas em 2014, no primeiro governo Lula (PT). Somando os dois mandatos do ex-presidente e os de Dilma Rousseff (PT), a educação superior teve a maior expansão de sua história, com a criação de 18 novas universidades e 178 novos campi em 295 municípios. O resultado dessas políticas fez com que as matrículas no ensino superior passassem de 3,52 milhões em 2002 para 8,03 milhões de matrículas em 2015.
A mudança no perfil dos universitários também foi visível. Com a política de cotas, em 2019, pela primeira vez no país, pretos e pardos se tornaram a maioria dos estudantes nas universidades federais. Foi também no governo Lula que agricultores viram atendidas suas reivindicações para a criação de licenciaturas voltadas para o campo, como o curso Intercultural Indígena e o curso de Educação do Campo, entre outras formações que tiveram recursos cortados no governo Bolsonaro.
A criação do Programa Universidade para Todos (Prouni) em 2004, permitiu o acesso de milhares de estudantes de baixa renda às universidades particulares, com a concessão de bolsas de estudo integral ou parcial, assim como a ampliação do Programa de Financiamento Estudantil (Fies). políticas que também tiveram seus recursos reduzidos por Bolsonaro.
Outro programa que alcançou importantes números foi o ‘Ciência sem Fronteiras’, criado em 2011, pela ex-presidenta Dilma Rousseff para estimular a integração da formação com o exterior, especialmente nas áreas tecnológicas. Segundo o Portal da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) mais de 104 mil estudantes foram beneficiados até que em 2017, logo após o impeachment, o Programa foi finalizado pelo então presidente Michel Temer (MDB).
Planos de governo dos candidatos à Presidência
No seu plano de governo, o candidato Lula diz que “o país voltará a investir em educação de qualidade, no direito ao conhecimento e no fortalecimento da educação básica, da creche à pós-graduação, coordenando ações articuladas e sistêmicas entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, retomando as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e revertendo os desmontes do atual governo”. O candidato também assegura “o compromisso do novo governo com um programa de recuperação educacional concomitante à educação regular, para que possam superar esse grave déficit de aprendizagem”.
O documento também afirma a continuidade das políticas de cotas sociais e raciais na educação superior e a realização de concursos públicos federais, bem como sua ampliação para outras políticas públicas. Em outro ponto, o candidato diz que vai “recompor o sistema nacional de fomento do desenvolvimento científico e tecnológico, via fundos e agências públicas como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), o CNPq e a CAPES”.
Já o plano de governo do presidente e candidato Jair Bolsonaro diz que “a partir de 2023, deve constar no planejamento, uma política pública voltada para a formação em todas as faixas etárias, e contemplando inclusive a Educação Especial e a Educação de Jovens e Adultos, assim como o ensino técnico profissionalizante, ensino superior e pesquisa, com uma base em tecnologia”.