Dia da Consciência Indígena

Dia da Consciência Indígena

20 de janeiro, “Dia da Consciência Indígena”

Coluna Imbaú      20/01/2021

20 de Janeiro Dia Nacional da Consciência Indígena- A Confederação dos  Tamoios. | Mamapress

 

“O sangue e o sonho de nossos antepassados permanecem em nós. Apesar dos galhos terem sidos cortados, seus frutos roubados e até seu tronco queimado, as raízes estão vivas e ninguém pode arrancá-las”. Trecho do 1° Encontro dos Povos Indígenas do Tapajós, dezembro de 1999.

A luta que os povos indígenas têm travado ao longo dos mais de cinco séculos da invasão nesse território de Pindorama, em Abya Yala, tem sido marcado por forte resistência dos povos originários, que deixou profundas marcas de todas as ordens em nossas vidas, entretanto, nos negam essa memória, essa história, que não foi pacífica, teve muito sangue resistente à invasão e todos os seus males, muitas lutas que sequer sabemos que ocorreram, mas marcaram de sangue boa parte desse território.

Para afirmar o dia 20 de janeiro de 2021, a nossa consciência não vai nos remeter ao passado, como comumente escrevemos, apesar de que não devemos esquecer a nossa memória ancestral. E é por isso, em memória da nossa herança, que precisamos nos movimentar, queremos falar de mais um trágico momento dos nossos povos. Hoje, 20 de janeiro de 2021, ano 529 da invasão de Abya Yala, ano 521 da invasão de Pindorama e ano 467 da Confederação Tamuya, nós fomos, mais uma vez, colocados para morrer, numa condenação vinda pelo Estado brasileiro, que determinou a imunização de apenas parte da população indígena, a que vive em contexto de aldeia e exclui todo o restante da população, a maioria de nós.

Parentes, nossa vida, desde que os reis europeus passaram a ter interesses na exploração do território de Abya Yala, não tem sido nada fácil. Entre genocídios e etnocídios, resistimos e seguimos vivos. Aqui em Pindorama, depois do ano do calendário deles de 1500, nós não tivemos um dia de trégua. Nenhum dia. Desde “chumbo quente”, à lâmina de espadas, facões, machados e punhais, até vírus e bactérias letais têm nos golpeado nesses 521 anos de invasão territorial.

Hoje, mais uma vez somos jogados ao azar, largados numa fila de mais de 200 milhões para recebermos a vacina, que não sabemos quando virá, ficando apenas a parcela de nossa população que vive em aldeias, uma pequena parcela, não chega a 600 mil indígenas. A grande maioria fica à beira das estradas e rodovias, nas ruas dos centros urbanos, nas periferias e favelas espalhadas por todo o país.

Esses, ou melhor, nós, um número que não temos a dimensão, mas sabemos que somos muitos, etnocidados e invisibilizados pelo Estado brasileiro sob a cútis, cor de pele, que eles chamam e nos registram como “pardo”, estamos colocados para escanteio. Sabem da letalidade dessa doença para nós, assim como observam há mais de cinco séculos como a gripe nos mata, como a varíola nos mata, como o sarampo nos mata, como a tuberculose nos mata e agora, observam por quase 1 ano, já, como o SARS-CoV-2 nos mata.

A Fiocruz, respeitada instituição pesquisadora da saúde pública, aponta que a população indígena é a mais vulnerável ao contágio pelo coronavírus e à morte pela covid-19. Na contramão e sabendo do resultado dessa doença entre as diferentes comunidades indígenas, o governo brasileiro acaba de assinar a nossa sentença de morte, ao determinar que apenas os de nós que ainda vivem em aldeias é que terão o direito às primeiras doses e os demais, a maioria de nós, que estamos vivendo fora do que restou de nossos territórios, ficamos na fila, de 200 milhões, esperando, com nossas vidas entregues a nossa própria sorte.

Não podemos esperar, pois nossos aprendizados com a história e a memória de nossos ancestrais, nos revelam o que vem por aí. Quantos de nós estamos nesse número de mais de 210 mil mortos? Não sabemos, nem o Estado brasileiro quer saber. Assim como não sabemos quantos são os nossos nos cárceres, não sabemos quantos são os nossos indo para os cemitérios, diariamente, vitimados por essa inação do governo brasileiro em conter essa pandemia em território brasileiro (que antes era tudo nosso e sem fronteiras), assim como não sabemos qual é o número real das populações indígenas, já que políticas integracionistas e assimilacionistas existem desde o século 16, nos apagando e nos invisibilizando socialmente enquanto povos originários, nos expulsando dos mais variados contextos socioeconômicos, empurrando a gente para as periferias, sertões, ruas e favelas, sob a égide PARDOS.

Não podemos olhar de forma ingênua e sem um profundo olhar crítico para o que aconteceu em Manaus e no estado do Amazonas, região indígena que carrega as características que a ciência afirma que temos de fragilidade a vírus, que criminosamente admitida a culpa por omissão já que se sabia da situação, mas nada se fez para que muitas vidas fossem poupadas. Ao contrário, foi colocado todo tipo de dificuldade e não oferecida uma salvação; foi uma “solução” preventiva que nada prevenia, apenas retirou a frágil proteção que se tinha.

Não é possível ficar à mercê desse Estado colonial-capitalista, temos que gritar em todos os cantos, basta! Chega de Genocídio! Chega de Etnocídio e Ecocídio! JÁ BASTA!

Esse 20 de janeiro, quando lembramos a resistência dos Tamuyas, com eles dezenas de indígenas, que eram liderados por Aymberê, Igaraçu, Pindobuçu, Cunhãbebe, Parabuçu, que não se renderam e lutaram até o fim, pois sabiam que se render seria também a morte, preferiram entregar suas vidas, em defesa de um mundo que coubessem outros mundos, que não tivesse escravização de nenhum povo, que os povos pudessem lutar e partilhar juntos, suas dores e alegria.

Que a convivência do ser humano com a Mãe Terra possa ser complementar e não de subjugar e destruir. Por isso, precisamos pensar o significado do hoje, para nós povos indígenas, o que representou a invasão, que nos trouxe o colonialismo e o capitalismo, colocando em risco a nossa existência e a re-existência da Mãe Terra. Essa e outras lutas foram as que nos deixaram fortes, nos lembram de quem nós somos e alimentam diariamente a nossa alma para resistir e combater essa cultura que nos trouxe a destruição. Lembrar é ser, viver, resistir e re-existir!

Viva nossa memória! Viva nossa história de lutas! Viva o Bem Viver!

Saudamos os nossos que tombaram para que pudéssemos ter vida!

Salve a Confederação dos Tamoios, Cerco de Piratininga, Guerra dos Aimorés, Guerra dos Bárbaros, Levante dos Tupinambás, Confederação dos Cariris, Guerrilha dos Muras, Quilombo dos Palmares, Guerra dos Manaus, Guerra Guaicuru, Guerra Guaranítica, Cabanada, Cabanagem, A Balaiada, Revolta do Ronco da Abelha, Levante dos Marimbondos, Guerra de Canudos, Guerra do Contestado, Retomadas de territórios, SALVE AS NOSSAS E OS NOSSOS EM RETOMADA DE IDENTIDADE ÉTNICA, TERRITORIAL, A CAMINHO DA AUTODETERMINAÇÃO E ASSIM, DE UMA TERRA SEM MALES, NO AQUI E AGORA!

“Apesar do peso da velha história, inscrita nas classes dominantes deste país, na sua cultura, nas suas práticas políticas e econômicas e nas suas instituições de Estado, já lançamos o nosso grito de guerra e fundamos o início de uma nova história, a grande história dos Outros 500. A nossa luta indígena é uma homenagem aos inúmeros heróis que tombaram guerreando ao longo de cinco séculos. A nossa luta é para nossos filhos e netos, povos livres numa terra livre.” (trecho do Documento final da Conferência dos Povos e Organizações do Brasil. Coroa Vermelha, Bahia, 21 de Abril de 2000)

Esse texto foi escrito por Sassá Tupinambá e Givanildo M. Silva
Contribuição: Julio Guató

 

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