Dilemas de sexualidade

Dilemas de sexualidade

Dilemas de sexualidade e gênero

A ficção semimusical 'Canário' e o documentário 'Pequena Garota' enfocam as atribulações de quem se desvia da normatividade cis

Canário (Divulgação)

Créditos da foto: Canário (Divulgação)

Pequena Garota (Divulgação)


Sasha, menina em corpo de menino

O tema da criança transgênero tem aparecido no cinema com frequência nos últimos 20 anos. Em geral, como ficção, a exemplo do memorável e relativamente pioneiro Minha Vida em Cor de Rosa (1997), de Alain Berliner. A história do menino que se reconhece como menina e tenta assim se afirmar reaparece agora com o aval da realidade em Pequena Garota (Petite Fille). O documentário de Sébastien Lifshitz aborda o caso de Sasha, criança de oito anos que se sente menina num corpo de menino.

A família, extremamente harmônica e madura, lhe dá todo apoio e luta para que ela seja aceita no feminino pela escola, pelo conservatório de balé e pelo entorno social. A aproximação intimista da câmera flagra vários momentos em que o sofrimento de Sasha aflora na sua expressão, nas lágrimas e nos silêncios. Nesse ponto, o filme deixa claro quanto é profundo e espontâneo o mal-estar de quem é portador da chamada disforia de gênero, a não coincidência entre o corpo e os sentimentos. Em Sasha, não se pode dizer que é uma construção cultural.

Tanto quanto Sasha, sua mãe, Karine, é igualmente protagonista por encampar uma cumplicidade férrea com a filha e batalhar por sua aceitação como menina. Para além do momento presente, o grande desafio que elas têm pela frente diz respeito tanto a questões físicas (hormônios, bloqueio da puberdade) quanto aos infortúnios sociais que Sasha certamente enfrentará no futuro. Em dado momento, Karine é aconselhada por uma psicóloga da Universidade de Paris a não se sentir culpada por ter desejado uma menina durante a gravidez.

Por meio de poucas falas para a câmera e muita observação de consultas, conversas e atitudes cotidianas, Lifshitz traduz delicadamente a complexidade, as várias camadas da situação. Mas o recorte quase exclusivo em Sasha e Karine deixou à margem alguns aspectos insinuados de maneira quase imperceptível. Um deles é o efeito que a dedicação intensiva da mãe a Sasha pode surtir sobre seus três outros filhos, dois deles crianças também.

Senti falta, ainda, de ouvir as razões de professores e diretor da escola para não concordarem com a presença de Sasha usando roupas femininas sem uma confirmação médica do seu quadro. Estes são apenas referidos como vilões pelos pais. Um esforço do documentário na direção deles poderia angariar mais peso como arrazoado cinematográfico e como argumento político.

Pequena Garota está nas plataformas iTunes, Apple TV, Google Play, Youtube, Net Now, Vivo Play e Sky Play.

 

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cinema/Dilemas-de-sexualidade-e-genero/59/49573 




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