Dívida publica ilegal
Por que o PSOL não defende o fim do pagamento da ilegal dívida pública?
André Augusto 23 de julho 2018
Nós do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT) lançamos a campanha nacional “Não ao pagamento da dívida pública” (ver aqui), uma dívida ilegal, ilegítima e fraudulenta que serve de mecanismo de submissão do Brasil ao imperialismo e de instrumento de saque da renda nacional pelas finanças estrangeiras. Como debatemos, sem romper com os imperialistas e os capitalistas, começando pelo não pagamento do conjunto da dívida pública, não vão ser atendidas as demandas estruturais do país.
Logo após o lançamento da campanha, alguns debates ficaram abertos no interior do PSOL, especialmente com a candidatura de Guilherme Boulos, sobre este mesmo tema.
Como desenvolvemos nesta polêmica com o programa da Auditoria Cidadã da Dívida (que separa uma parte da dívida que seria "legal", e portanto passível de pagamento, de outra parte "ilegal"), é necessário abolir o pagamento do conjunto da dívida pública, que é toda ela ilegal, ilegítima e fraudulenta, contraída desde os tempos do Império e aprofundada pela Ditadura Militar (1964-1985), que durante décadas enriqueceu empresas como a Odebrecht (vinculada desde então aos esquemas de corrupção dos tucanos, de Temer e toda a casta política) e converteu a dívida privada de diversas empresas em dívida pública para que a população inteira pagasse pelos lucros empresariais, encobrindo a repressão de jovens e trabalhadores.
Apesar desse esquema de saque estrutural de nossas riquezas pelo capital estrangeiro (com a colaboração aberta da decadente burguesia nacional, tal como preveem os dispositivos constitucionais como a Lei de Responsabilidade Fiscal), o PSOL não defende o fim do pagamento da dívida. Em grande medida, a dívida pública, que é ilegal, ilegítima e fraudulenta, que foi paga religiosamente por todos os governos burgueses incluindo o PT, sequer é um problema para o PSOL.
De fato, não agitar o fim do pagamento da ilegal, ilegítima e fraudulenta dívida pública, do conjunto desse saque, é um aspecto que liga o programa do PSOL a um programa burguês normal, que inclui a defesa do “equilíbrio fiscal” (que significa ajustes antioperários) no Manifesto “Unidade pra Reconstruir o Brasil” que o PSOL vergonhosamente assina com PT, PCdoB, e os burgueses PSB e PDT
Um programa de submissão às finanças no problema fundamental da dívida
No Manifesto “Unidade para Reconstruir o Brasil” que o PSOL assina com os partidos de conciliação de classes do PT e PCdoB, e com os partidos burgueses do PSB e PDT, defende-se "manter sob controle a dívida pública e assegurar o equilíbrio fiscal do Estado". O “equilíbrio fiscal” foi a justificativa dada para a maioria dos ataques aplicados pelos governos neoliberais de FHC, pelos governos do PT e pelo próprio governo Temer, especialmente para sustentar a Reforma da Previdência: que é indispensável "assegurar o equilíbrio fiscal do Estado", parar de gastar mais do que se arrecada, e que isso só seria possível, frente à queda da arrecadação, cortando gastos da saúde, educação e na Previdência. Todos estes cortes são para garantir o chamado "superávit fiscal", que nada mais é do que a reserva de dinheiro arrancado dos trabalhadores pelos impostos e que se deixa de investir em serviços públicos para repassar a uma dúzia de banqueiros através de uma dívida pública ilegal e fraudulenta, que mesmo assim sempre aumenta.
Ou seja, levando em conta a participação do PSOL num Manifesto que resume um projeto de país de setores burgueses para fazer o Brasil retornar à ordem burguesa pré-golpe, não admira que a entrega das riquezas nacionais aos bancos estrangeiros (“dívida sob controle”) e os ajustes contra os trabalhadores para pagar esse saque (“equilíbrio fiscal”) sejam dois pilares econômicos da burguesia que este partido não combata.
Não longe dessa concepção, para Guilherme Boulos, candidato a presidente pelo PSOL, o “problema maior do Brasil francamente não é a dívida pública”. Para Boulos a dívida que escraviza o país há séculos – que cresce quanto mais se paga, sangrando as riquezas nacionais nas mãos dos capitalistas estrangeiros – não é um problema fundamental. Em média, mais de 6% do PIB anual vai para pagamento dos juros da dívida, sendo o Brasil o que mais gasta em juros dentre os membros da OCDE (35 das maiores economias do mundo), que em média gastam menos de 2%. Um montante de mais de R$1 trilhão anualmente, desde 2015, vai para juros e amortizações da dívida com banqueiros estrangeiros, que literalmente sequestram o orçamento federal. Fatos que não importam ao candidato do PSOL que, por lógica, considera que seguir o pagamento da dívida pode ser compensado por uma tímida reforma tributária que não incomoda ninguém.
Laura Carvalho e a equipe de economistas que atua na elaboração do “programa econômico de governo” de Boulos, na plataforma VAMOS, defende abertamente a “estabilização da dívida pública”, um programa burguês de renegociação de prazos e taxas da dívida, e uma pequena reforma na Lei de Responsabilidade Fiscal que mantém os orçamentos federal, estaduais e municipais como reféns dos interesses das finanças estrangeiras. Todos sabemos que para "estabilizar a dívida" o que se faz é impor ajustes contra os trabalhadores.
Laura Carvalho sustenta essa posição com a ideia de que “não pagar a dívida seria dar calote nos pequenos correntistas”. Mentira. Se juntamos os fundos de investimento e o capital bancário, temos bem mais da metade da dívida pública; e os fundos de pensão são controlados por bancos (dentre os quais os maiores são Itaú e Bradesco). São esses grandes interesses que seriam afetados, e não os dos pequenos poupadores, que são reféns dos bancos privados em qualquer grande crise tendo suas poupanças sequestradas (como vimos na Grécia em 2015). O que realmente o PSOL teme é atacar os interesses dos capitalistas.
Laura Carvalho e Guilherme Boulos
Já aquelas correntes no interior do PSOL que consideram relevante tratar do tema da dívida – como o Resistência – o fazem com o programa da Auditoria Cidadã da Dívida, ou seja, defendendo a separação da dívida em uma parte “ilegal” e uma “legal”: ou seja, não haveria problema em pagar a parte considerada “legal” desse mecanismo de saque do capital estrangeiro, deixando apenas de pagar os juros, ou parte dos juros considerados “ilegais”. Querem convencer de que a única posição conservadora nesse debate seria a de defender que “o pagamento da dívida é uma solução ao país”. O problema é que defender o pagamento de uma suposta parte “legal” da dívida é uma variante deste mesmo programa burguês (e não parte do programa da “esquerda socialista”).
Ambas as posições admitem seguir pagando (o todo ou partes) o roubo da dívida pelos banqueiros, e subordinar o orçamento federal a esse saque, que só pode terminar com a abolição completa da dívida. Tanto assim que o próprio Resistência faz questão de acalmar as suspeitas e confessar que a auditoria da dívida é “uma iniciativa possível, mesmo nos marcos do regime político atual”, como mostra o fracasso das experiências do Equador e da Grécia que reivindica.
Assim, tanto no Manifesto de Fevereiro do qual o PSOL é parte, quanto no programa de Boulos e em correntes internas do partido, não existe o ponto programático fundamental do não pagamento da dívida, sem o qual é impossível enfrentar os capitalistas nacionais e o imperialismo. Vai ficando mais clara a estratégia do PSOL de se apresentar como alternativa “de esquerda”, frente à crise orgânica, para gerir o estado burguês. Tal como o PT, o PSOL se prepara para fazer ataques aos trabalhadores.
O único programa que pode defender a economia nacional do saque imperialista e dos capitalistas e enfrentar de fato os problemas estruturais do país é o não pagamento da dívida pública e impostos verdadeiramente progressivos sobre os capitalistas, com abolição dos impostos que recaem sobre os salários e todos os bens de consumo dos trabalhadores e do povo pobre
Um programa de independência de classe parte da abolição completa da dívida
A gravidade da crise e a agressividade do imperialismo e dos capitalistas exige uma esquerda que parta da realidade de que só com a ruptura com o imperialismo e os capitalistas é possível dar uma saída para a crise e atender as demandas estruturais dos trabalhadores e do povo pobre. Uma esquerda que desmascare a ilusão reformista do programa que o PT e Guilherme Boulos apresentam nestas eleições. Que apresente um programa que seja capaz de fazer com que os capitalistas paguem pela crise que criaram, começando pelo não pagamento da dívida pública, superando todas influências daqueles que por diferentes maneiras naturalizam a dívida defendendo sua auditoria, que encontram uma parte supostamente “legal” desse roubo. O desafio ao imperialismo não pagando a dívida teria que se ligar com a estatização dos bancos e o monopólio do comércio exterior e a luta por um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo, como desenvolvemos aqui.
Um programa com esse não pode ser levado adiante “acalmando os mercados estrangeiros”, que como dizia Lênin, precisam da dívida pública para controlar a vida econômica, política e social dos países dependentes e semicoloniais. É necessário uma enorme mobilização operária e popular, com independência de classe, que deve partir da reversão de todos os ataques em curso, em base a uma frente única operária que obrigue a burocracia das centrais sindicais como CUT e CTB a romperem sua paralisia e traições.
O não pagamento do saque que representa a dívida pública é inseparável de medidas programáticas que resguardem os trabalhadores contra as chantagens do capital financeiro. Para impedir qualquer ameaça dos empresários e dos banqueiros – como a fuga de capitais que os capitalistas realizariam se acabássemos com esse saque –, é necessário defender a estatização dos bancos e o monopólio estatal da exportação e importação de bens e capitais, funcionando sob controle dos trabalhadores. Essa é uma medida fundamental para que não se sequestrem as pequenas poupanças ou os fundos de pensão dos trabalhadores, e também para que as exportações e importações sejam reguladas de acordo com as necessidades dos trabalhadores e do povo pobre.
Ao contrário da “tese” de Laura Carvalho, de que não pagar a dívida seria dar calote nos pequenos correntistas, trata-se de atacar os grandes capitalistas que sufocam o país. É com a classe trabalhadora tomando os rumos do país em suas mãos que se torna possível garantir crédito para os trabalhadores e pequenos produtores, que hoje são vítimas da enorme sede de lucro dos banqueiros.
O programa do PSOL não serve para esse combate. Como enfatizamos no início, trata de manter de pé este mecanismo de submissão nacional, já santificado pelos governos burgueses até aqui. Chamamos todos os trabalhadores e jovens a construir conosco essa campanha pelo não pagamento da dívida pública. Precisamos construir uma esquerda, em cada local de trabalho e estudo, que apresente de fato uma saída de fundo para a crise, que defenda a ruptura com os imperialistas e capitalistas.