Do 'chão da escola' ao 'novo normal'

Do 'chão da escola' ao 'novo normal'

Do 'chão da escola' ao 'novo normal', educadores compartilham experiências para aliar tecnologia e ensino

30/09/20

Anant Agarwal, CEO da plataforma de cursos online edX e professor do MIT, e Monica Pinto, da Fundação Roberto Marinho

 

Heloísa Traiano

Num complexo universo de redes, robôs e algoritmos, como fazer da tecnologia e da educação aliadas em favor da promoção do conhecimento? De um professor que nunca saíra das salas de aula no Rio a um cientista do renomado Massachusetts Institute of Technology (MIT), diversas pessoas determinadas a fazerem esta combinação virar realidade compartilharam suas experiências e perspectivas na quarta-feira, o segundo dia do Educação 360 Internacional de 2020. Se o debate já era quente antes, se tornou verdadeiramente urgente com a implementação do ensino remoto durante a pandemia, exigindo que comunidades escolares e gestores corressem atrás das melhores soluções para pais, professores e alunos.

Realizado pelos jornais O GLOBO, Extra e Valor Econômico, o Educação 360 Internacional promove debates, conversas e palestras durante três dias, de 29 de setembro a 1 de outubro. O evento conta com patrocínio da Fundação Itaú Social e AZ Escolas em Rede, apoio do Instituto Unibanco e apoio institucional da TV Globo, Unicef, Unesco, Futura e Fundação Roberto Marinho.

Acompanhe ao vivo e se inscreva gratuitamente clicando no site oficial do Educação 360, onde também é possível conferir a programação completa. As inscrições são válidas para todos os dias

Quem abriu o segundo dia de evento foi o youtuber e empresário Felipe Neto, personalidade entre adolescentes e jovens nas redes sociais. Em 2019, ele teve que cancelar a sua participação no Educação 360, realizado então na Cidade das Artes, no Rio, depois de ter recebido ameaças contra a sua vida.

Nesta edição, a primeira completamente online por conta da pandemia do novo coronavírus, ele falou sobre oportunidades e riscos associados às mídias sociais. Para ele, a internet veio para mostrar que educação, afinal, não é coisa só para os alunos em idade escolar. Os adultos precisam dela também.

— O povo brasileiro não foi educado para usar a internet. Ele simplesmente recebeu a ferramenta sem manual de instrução. Se a gente não educa o povo, não podemos esperar que ele saiba usar a internet — disse o influenciador digital na conversa com o colunista do GLOBO Antônio Gois, defendendo que haja esforços massivos em favor da educação digital: — Você precisa de alguma forma criar parcerias, pode ser com o terceiro setor, que unam o interesse do poder público e as plataformas privadas, as grandes empresas, para falar "ou educamos essa galera ou caminhamos para uma guerra civil".

Equalizando a pesquisa e a tomada de decisão

Em seguida, foi a vez do debate "Algumas certezas na era da incerteza: o papel das evidências na tomada de decisões", do qual participaram Patrícia Guedes, gerente de Pesquisa & Desenvolvimento do Itaú Social; Lúcia Dellagnelo, presidente do CIEB (Centro de Inovação para Educação Brasileira); Mirela Carvalho, gerente no Instituto Unibanco; Marcus Barão, vice-presidente do Conselho Nacional da Juventude; e Rosalina Soares, assessora de Pesquisa e Avaliação da Fundação Roberto Marinho. Estes líderes na temática da educação demonstraram que, por diversos caminhos, é essencial mobilizar dados e evidências de forma inteligente para elaborar políticas públicas, sobretudo em tempos de grandes disrupções, tal como a crise instalada pela covid-19.

Enquanto Guedes mostrou os resultados de pesquisas indicando quão diferentes têm sido as respostas de famílias das escolas públicas - variando de alunos bem adaptados a outros em risco de abandonar os estudos -, Dellagnelo contou como o CIEB, organização da sociedade civil sem fins lucrativos, ofereceu estratégias do low ao high tech para auxiliar secretários municipais e estaduais na sua missão de implementar a aprendizagem remota para atravessar a pandemia.

Ela e outras debatedoras refletiram ainda sobre a necessidade de produtores do conhecimento reagirem com relativa velocidade às demandas das instituições:

— O secretário de Educação ou as pessoas à frente dos órgãos públicos têm dificuldade de sistematizar dados de forma coerente e consistente, com base teórica forte e evidências geradas em outras secretarias e outros países — disse Dellagnello. — A gente precisa levar isso muito em conta, porque o timing de uma pesquisa acadêmica é diferente daquele que o gestor público precisa para tomar uma decisão.

Jovens veem futuro mais dinâmico e solidário

Por sua vez, Rosalina Soares, da Fundação Roberto Marinho, mostrou como o levantamento de dados pode refletir questões sensíveis do ambiente escolar, incluindo as profundas desigualdades do Brasil, um dos grandes focos do primeiro dia do Educação 360. Na pesquisa “Juventudes e a pandemia do coronavírus”, realizada com 33.688 jovens de todas as regiões do país entre 15 e 31 de maio, por exemplo, 90% dos estudantes de escolas particulares relataram ter acesso a ferramentas de interação com o professor durante a pandemia. Mas o mesmo índice cai a só 30% para os estudantes de escolas públicas:

— É uma diferença gritante para as experiências que eles estão tendo neste momento — avaliou Soares.

Apesar das preocupantemente altas porcentagens de alunos de Ensino Médio pensando em evadir da escola — 30% na rede pública, e 19% na rede privada — , a boa notícia é que os estudantes nesta faixa etária têm, em geral, esperanças para o pós-pandemia, de acordo com o mesmo levantamento. Mais a maioria deles acredita que o futuro terá formas de estudar mais dinâmicas e acessíveis; mais prestígio para a ciência; mais relações humanas e solidariedade; e, ainda, de maior valorização do professor.

— Hoje temos uma sociedade que, de forma mais ampliada, se aproximou da relação com os professores — disse ainda Patrícia Guedes, representando o Itaú Social.

Um 'novo normal' em cinco anos

A programação do dia teve ainda a apresentação, por Tatiana Klix, da plataforma Porvir, que apoia gestores, professores e famílias durante a pandemia, acompanhada de um desabafo de Luiz Felipe Lins, professor das redes pública e privada no Rio de Janeiro. Ele teve que se adaptar com criatividade para passar "do chão da escola" para a frente das câmeras. Com o tempo, passou a dominar as ferramentas tecnológicas e ainda elaborou estratégias envolvendo jogos, filmes, fotos e até a participação de parentes dos alunos para engajá-los com as aulas.

— Comecei a perceber que, mesmo tendo acesso, a minha internet não era boa, e pensei: "preciso de internet, preciso de uma câmera, preciso de uma boa resolução, preciso de outro computador melhor". A primeira semana foi um desastre. Deu vontade de chorar. As crianças, por estarem num mundo tecnológico, começaram a me acalmar. Eles foram me auxiliando, e isso foi fundamental — relatou o professor, cercado de contas e figuras matemáticas nas paredes. — Quero encorajar os meus colegas. A escola é feita por todos, e todos estão preocupados com a educação que vamos oferecer para estas crianças.

Para fechar a programação, Anant Agarwal, CEO da plataforma de cursos online edX e professor do MIT, veio para mostrar oportunidades abertas pela incorporação do mundo digital ao ensino, tais como a redução do estresse e a expansão de uma desejada flexibilidade para universitários. Ele relatou que uma pesquisa recente da edX encontrou, durante a pandemia, alunos mais interessados em buscar educação digital para melhorar perspectivas profissionais e encontrar empregos seguros no futuro.

— Muitos alunos disseram que queriam aprender novas habilidades durante a pandemia de forma segura, mesmo que a economia não estivesse tão bem assim — relatou Agarwal, estimando que o chamado "novo normal" estará verdadeiramente estabelecido até 2025, com metade das aulas acontecendo online: — Muito disso foi acelerado pelas condições que vemos hoje.

O terceiro e último dia da maratona educacional terá, na quinta-feira, grandes pensadores contemporâneos refletindo sobre como será o futuro pós-pandemia para a Humanidade. Além da grade com toda a programação e informações dos palestrantes, o evento conta com mais dois espaços na plataforma: a sala da Fundação Itaú Social, com apresentação do “Polo”, ambiente digital de formação da fundação, e a sessão Nostalgia, que dá ao público a oportunidade de relembrar os principais momentos das últimas edições do Educação 360 por meio de vídeos.


https://extra.globo.com/noticias/educacao/educacao-360-do-chao-da-escola-ao-novo-normal-educadores-compartilham-experiencias-para-aliar-tecnologia-ensino-24670053.html




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