Dois anos de destruição
Dois anos de destruição
Por Moisés Mendes / Publicado em 11 de março de 2022
Foi num sábado, 14 de março de 2020, que o Brasil se deu conta de que a rotina da segunda-feira seguinte não seria mais a mesma.
Espalhou-se pelo país a certeza de que o dia anterior havia sido o último de normalidade. A Organização Mundial da Saúde admitia que o mundo vivia uma pandemia.
O último dia útil normal foi uma sexta-feira 13 que completa dois anos agora, num domingo. Nem os domingos foram mais os mesmos.
São dois anos de horror, mortes, ódios, mentiras e falcatruas que inventaram até experimentos macabros em clínicas de idosos e a falsificação em massa de certidões de óbito. Tentaram fraudar a morte.
O Brasil é o país mais devastado pelo negacionismo, porque exercido pelos próprios governantes. Negaram ciência, ações públicas, vacinas, negaram tudo, e a negação passou a ser política de governo.
Chegamos a mais de 654 mil mortes, incluindo 1.500 crianças de zero a 11 anos, ouvindo muitas vezes um consolo tão assustador quanto o negacionismo oficializado: morrem hoje “apenas” 500 pessoas por dia.
Nesses dois anos, omissões mataram nossos parentes, colegas, vizinhos e amigos, artistas que nos divertiam, intelectuais. Mataram pobres, negros, índios.
Ódios mataram amizades. Descobrimos que aquele amigo conservador era um extremista de direita à espera de uma pandemia e de um Bolsonaro.
O coxinha virou bolsonarista, e muitos bolsonaristas assumiram-se como extremistas. Bolsonaro, que seria meio ogro, meio admirador de torturadores, meio imbecil, meio vagabundo e meio corrupto, revelou-se como é.
Bolsonaro é completamente ogro, assumidamente imbecil, completamente admirador de torturadores, completamente líder de uma família de corruptos. E completamente vagabundo.
Nada é meio isso ou meio aquilo com Bolsonaro. Ele é um Mamãe Falei aperfeiçoado. Bolsonaro ampliou, em meio à pandemia, a sua índole fascista.
Chegamos, nesses dois anos, e agora às vésperas de uma eleição, sem respostas para as mais terríveis dúvidas dos estragos da pandemia.
Não sabemos quando a pandemia acaba, não temos certeza de que poderemos recuperar afetos e amizades, e agora ainda nos confrontamos com as divisões provocadas pela guerra.
Bolsonaro destruiu educação, saúde, ambiente e confundiu até sua base e as esquerdas. Negacionistas agora são pró-Rússia. E pacifistas de esquerda são acusados pelas próprias esquerdas de adesão ao imperialismo americano e europeu.
Bolsonaro dividiu o país ao meio. A pandemia ampliou as divisões, e a guerra aprofunda essa desagregação de ideais e convergências.
É de se perguntar sobre o que tivemos de ganhos nesses dois anos. Há pelo menos um consolo: o fortalecimento do SUS como patrimônio de todos, reconhecido, acreditem, até pela Globo.
O resto é só perda. Estamos todos exaustos de Bolsonaro e de pandemia e começamos a enfrentar agora a exaustão de um conflito que não será apenas de russos e ucranianos.
Vivemos há dois anos sem saber o que será de nós depois da peste, da fome, do desemprego, do bolsonarismo e, agora, da guerra que também nos faz sofrer e nos divide. O século 21 é uma Idade Média com internet.