Dupla de reitores na UFPEL
Dupla de reitores na UFPEL: ‘A saída encontrada terá consequência política, mas legalmente estamos respaldados’
Luciano Velleda
E o tiro, ao que tudo indica, sairá pela culatra. Ao adotar a prática de não respeitar a autonomia universitária e não escolher o primeiro colocado da lista tríplice indicado pelas universidade federais para o cargo de reitor, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) provavelmente não imaginou o drible que levaria da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL).
Bolsonaro escolheu essa semana a professora Isabela Andrade, segunda colocada na lista tríplice, como nova reitora da instituição, em detrimento do professor Paulo Ferreira Júnior, o vencedor do pleito na universidade e primeiro colocado na lista. Porém, numa decisão inédita, a UFPEL decidiu que terá uma reitoria compartilhada, uma dupla de reitores, com o reitor eleito pela universidade e a reitora nomeada pelo presidente trabalhando juntos.
Ao contrário de outras universidades, a lista tríplice apresentada pela UFPEL ao Ministério da Educação (MEC) é formada apenas com os integrantes da chapa vencedora, uma prática antiga da instituição. Assim, os nomes das chapas perdedoras nem sequer chegam ao Presidente da República, de modo a garantir que a proposta vencedora na eleição interna seja, de fato, a que comandará a instituição.
“Isso garante que o programa eleito é o que será implementado, e nesse sentido tivemos segurança em tomar essa atitude. O nosso programa está respaldado pela comunidade (acadêmica), isso nos dá força pra assumir essa atitude”, explica Ursula Rosa da Silva, a nova vice-reitora.
Nessa segunda-feira (11), Isabela tomará posse como a nova reitora, acompanhada por Ursula como vice-reitora e o professor Eraldo Pinheiro (terceiro colocado na lista tríplice) como Pró-Reitor de Extensão e Cultura. Até a tarde dessa sexta-feira (8), o cargo de Paulo Ferreira ainda estava em definição, com a possibilidade de assumir uma pró-reitoria ou um cargo de assessoria.
Ursula conta que a equipe da chapa vencedora já estava organizando a nominata das pró-reitorias e, com a notícia da escolha da professora Isabela, o grupo passou a quinta-feira (7) reunido. “A equipe que será empossada já estava definida e permanecerá a mesma, vamos só fazer um ajuste agora com a situação do professor Paulo”, explica. “Temos um programa que sustenta as pessoas que estão à frente, nós nos vemos como um grupo, então chegar a essa solução não foi difícil. Resolvemos enfrentar o desafio e propor essa reitoria compartilhada, considerando que já trabalhamos em conjunto.”
Professora de artes visuais na graduação e na pós-graduação, a nova vice-reitora conta que a informação da não escolha do primeiro colocado da lista tríplice chegou na madrugada de quarta (6) pra quinta-feira (7), e logo o grupo começou a conversar e pensar sobre o que poderia ser feito. “Foi um choque”, diz Ursula.
Apesar do presidente Bolsonaro já ter desrespeitado a escolha do primeiro colocado da lista tríplice em mais de 20 universidade federais, o grupo ainda acreditava que com a UFPEL poderia ser diferente. “Claro que tinha essa possibilidade no horizonte, mas também estávamos com esperança de que pudesse haver um bom senso do presidente nomeando nosso reitor eleito”, afirma.
Internamente, o atual reitor Pedro Hallal desconfiava que pudesse haver algum tipo de represália ou contestação diante do protagonismo que a UFPEL obteve na crise sanitária, ao comandar pesquisas sobre a prevalência do novo coronavírus no País, além das próprias opiniões do reitor com relação as medidas necessárias para o correto enfrentamento da pandemia.
Autonomia
A nova vice-reitora enfatiza a importância da autonomia universitária e de compreender a realidade da universidade brasileira. “Se existe uma estrutura que tem autonomia, dentro da qual sua comunidade precisa ter a liberdade e o direito de escolher como será a gestão, é essa comunidade que estamos representando nesse momento, e é a defesa da autonomia universitária que deve ser batalhada por todas as universidades”, afirma.
Ursula diz que a responsabilidade com a educação é muito grande, e que não se pode deixar as universidades brasileiras serem desmanteladas porque, como consequência, as escolas e toda a educação do País correm risco. Ela destaca que, desde os cursos de licenciaturas até a alta qualidade da pesquisa e da ciência, são feitos na universidade pública. A professora diz que, se não há um plano nacional de qualificação das universidades, a UFPEL tem o seu para se qualificar cada vez mais e garantir o acesso público.
A vice-reitora diz estar tranquila com a decisão tomada, respaldada no aspecto legal, pois há uma reitora escolhida e que será empossada. Nesse sentido, ponderou que há a questão legal e a política, e que o cargo que será ocupado pelo professor Paulo Ferreira será escolhido pela nova reitora.
“Politicamente temos que firmar a posição de defesa da universidade pública e da educação. Essa foi a saída que a gente teve para dizer que estamos dentro de um mesmo programa, não existe separação ou algum tipo de intervenção, como estão dizendo, não existe isso, a professora Isabela é da nossa chapa e é o programa que vamos implementar. A saída encontrada terá consequência política, mas legalmente estamos respaldados”, explica. A professora ainda destaca a importância da comunidade acadêmica e da sociedade em compreender a atitude da chapa vencedora. “Estamos tentado garantir a sobrevivência, o desenvolvimento e a qualidade da universidade para a comunidade.”