EAD precisa ter qualidade
Ensino a distância tem papel importante no futuro da educação, mas precisa ser de qualidade, dizem especialistas
EAD é objeto de discussão no governo federal. Até o final do ano, o Ministério da Educação deve estabelecer novos referenciais para a modalidade. Números apontam a abrangência do formato no país
Sofia Lungui
O crescimento no número de polos de Educação a Distância (EAD) no Brasil foi de quase 11% entre 2023 e 2024. São mais de 51 mil. Em 2022, a modalidade detinha quase 46% das matrículas de Ensino Superior no país. No Rio Grande do Sul, a maior parte dos estudantes matriculados nessa etapa estava concentrada na modalidade – são 55% dos alunos de graduação na EAD, o que equivale a 316,4 mil.
No Brasil, cerca de 483,8 mil alunos concluíram cursos de graduação a distância em 2022. Já nos cursos presenciais, foram cerca de 803,8 mil concluintes. Os dados estão no 14º Mapa do Ensino Superior, do Semesp, entidade que representa instituições de Ensino Superior de todo o país.
O levantamento é baseado em dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Na pós-graduação, boa parte dos alunos estão em cursos lato sensu a distância. Cerca de 65% dos estudantes de especialização frequentavam cursos EAD em 2022.
Considerando os constantes avanços tecnológicos e a flexibilidade que a modalidade permite, a tendência é que a EAD cresça ainda mais nos próximos anos, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem de Zero Hora. Por isso, é fundamental discutir a qualidade do ensino.
Atualmente, está em debate a criação de um novo marco regulatório para a EAD. Até 31 de dezembro de 2024, o Ministério da Educação (MEC) deve estabelecer novos referenciais de qualidade de ensino a distância.
Apesar de haver opiniões divergentes sobre a modalidade, é consenso que é necessário estabelecer novos parâmetros para garantir a qualidade no ensino remoto e híbrido. Em junho, o ministério suspendeu a criação de cursos EAD para que estes pontos sejam discutidos.
"Os referenciais atualmente em vigor são de 2007 e refletem a educação a distância daquela época, sem os avanços tecnológicos e sem considerar todo o conhecimento acumulado sobre a modalidade" argumenta o MEC, em nota. Com o crescimento expressivo do formato, o modelo está no centro da pasta no que se refere ao Ensino Superior.
Como se adaptar ao formato
Para a estudante Isadora Pimentel Silva, 23 anos, que faz o curso de Fisioterapia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), uma das vantagens da modalidade a distância é a flexibilidade na rotina. Em alguns semestres, ela chegou a trabalhar em uma clínica, estudar e realizar estágio obrigatório ao mesmo tempo, como as aulas remotas permitem conciliar mais atividades.
— Cada um tem o seu jeito de absorver o conteúdo, eu aprendo muito desenhando e pintando. Nas aulas de anatomia eu aprendi muito desenhando, por exemplo. O híbrido me ajuda muito nisso, porque eu posso organizar minha rotina de estudos como eu quiser, e ter mais tempo para trabalhar — conta.
Moradora da zona rural de Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana, Isadora está no último semestre do curso e sua turma será a primeira a se formar na modalidade híbrida. Além das atividades remotas assíncronas, os estudantes contam com aulas síncronas semanais e encontros presenciais quinzenais para tarefas prática.
Os momentos presenciais permitem a troca de experiências com os colegas, sanar dúvidas com os professores e networking. Na Unisinos, por exemplo, entre os cerca de 80 cursos de graduação ofertados, 28 são na modalidade a distância, sendo seis deles híbridos, com carga horária presencial. Na pós-graduação lato sensu, 10 cursos são EAD, sendo um deles híbrido.
Temos um olhar forte na interação entre professor e aluno, e também entre os alunos. Entendemos que as relações interpessoais são importantes e contribuem com a formação integral deles. Usamos as tecnologias para potencializar essas interações. É isso que vai transformar esses profissionais e ajudar a desenvolver competências, tanto nas áreas técnicas quanto na convivência com os colegas.
ROSEMARY FRANCISCO - Gerente dos cursos EAD da Unisinos
Conforme a professora, é importante que os estudantes encontrem formas de organizar a rotina de estudos e personalizar sua trajetória, outra vantagem do ensino remoto. Como os alunos estudam de forma autônoma, é importante que cada um consiga entender o seu ritmo e acompanhar o progresso ao longo da trajetória acadêmica. O estudante precisa ter um perfil disciplinado.
— Cada um tem a sua própria jornada. Por isso, assim que o aluno começa o curso remoto na Unisinos, ele recebe um conteúdo de acolhimento, um passo a passo bem didático de como é estudar no ambiente EAD e dicas de organização.
Ensino de qualidade
No momento, a discussão sobre EAD gira em torno de quatro eixos:
- processos pedagógicos e acadêmicos
- plataformas e ambientes virtuais de aprendizagem – uso a apropriação de tecnologias
- polos
- profissionais da educação
Presidente do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (Comung), Rafael Henn entende ser fundamental repensar as formas de avaliação dos polos EAD e os instrumentos para garantir a qualidade. O formato híbrido é um dos caminhos apontados pelos especialistas.
Se for regulamentado, o híbrido pode ser uma boa alternativa. É fundamental que haja maior presencialidade nos cursos, e que seja focado em atividades práticas. Quem entra em um curso EAD indo atrás do sonho do Ensino Superior acredita que terá um ensino de qualidade.
RAFAEL HENN- Presidente do Comung
Embora o MEC diferencie os cursos apenas entre presencial e a distância, na atual legislação, a modalidade EAD pode ter até 30% de carga horária presencial. Com o novo marco regulatório, essa pode ser uma das mudanças.
Segundo o diretor jurídico da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Bruno Coimbra, é preciso reconhecer a importância da EAD na democratização do acesso ao Ensino Superior:
— Precisamos desmistificar essa pré-concepção de que a educação a distância é precária. Diversos cursos EAD mostram até desempenhos melhores do que cursos presenciais. O MEC tem o grande desafio de qualificar e não dispensar essa modalidade, que em muitos casos é a única alternativa para que o estudante possa evoluir.
Outro diferencial do modelo é a possibilidade de ter aulas com professores de qualquer lugar do mundo, destaca Rita Borges, diretora de relações nacionais da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED).
— Temos várias instituições que ofertam cursos EAD no Exterior, que têm convênio com instituições de outros países. Nesse caso, os professores estrangeiros são capacitados pelos brasileiros, para que as aulas sejam adequadas às especificidades de cada curso — explica.
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