Educação e informação que dão lucro
ICL: educação e informação que dão lucro
No lugar de experientes, frios e bem remunerados homens de negócios, entusiasmados intelectuais e ativistas de pensamento progressista se dedicam, de forma voluntária, para ajudar nos rumos da iniciativa
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 3 de outubro de 2023
Foto: Rafael Donatiello/Divulgação
Em uma época em que discursos de ódio e desinformação rendem muito dinheiro para canais de extrema direita via monetização de sites da internet, uma instituição privada com princípios humanistas e progressistas, o Instituto Conhecimento Liberta (ICL), completou três anos de existência desafiando a nova lógica das redes.
Aulas abertas com renomados pensadores, registrando entre 25 mil e 45 mil acessos simultâneos e que já foram assistidas por mais de 5 milhões de pessoas; 40 mil alunos pagantes e 25 mil bolsistas integrais oriundos de movimentos populares; mais de 210 cursos disponíveis aos assinantes.
Só esses números já dariam para impressionar, mas a plataforma de cursos livres do Instituto Conhecimento Liberta, o ICL, não para, nem pretende parar por aí. Depois de um ousado investimento em noticiosos via streaming lançado em maio de 2022 e que já bate recordes de audiência, deixando para trás Band News, CNN Brasil, Jovem Pan, Record e UOL, já há espaço para sonhar em voos maiores, como um curso de nível superior em Ciências Sociais para abrir as portas de uma série de pós-graduações na área.
“Nosso sonho também, além de expandir nossa plataforma para fora do Brasil e ainda mais os nossos projetos solidários com salas de estudo, é ter um espaço, uma concessão, uma TV aberta”, diz Rafael Donatiello, cofundador do ICL, ao lado do economista Eduardo Moreira.
Engenheiro de formação, com larga experiência em Marketing Digital, Donatiello é o responsável pela administração do dia a dia da empresa que – não esconde – tem fins lucrativos e um faturamento estimado em R$ 35 milhões por ano.
Se a posição dele na organização equivale a, na linguagem corporativa, um CEO (diretor executivo), seu sócio, Moreira, faz a função de chairman, presidente do Conselho de Administração.
Só que, no caso do ICL, o Conselho de Administração foge à regra de outras empresas privadas.
No lugar de experientes, frios e bem remunerados homens de negócios, entusiasmados intelectuais e ativistas de pensamento progressista se dedicam, de forma voluntária, para ajudar nos rumos da iniciativa.
A possível exceção, João Paulo Pacífico, não foge à regra do Conselho que foge à regra. Após ter feito fortuna no mercado financeiro, ao dizer que já teria acumulado muito patrimônio em sua vida e chegado a um momento em que não faz sentido ter mais dinheiro, ele decidiu doar sua empresa para transformá-la em uma ONG de impacto social.
O teólogo e filósofo Leonardo Boff, que tem assento ao lado de Pacífico no conselho do ICL, não mede elogios à plataforma.
“Eu apoio a iniciativa porque ela é libertadora, porque é revolucionária. Ela realiza aquilo que é o ideal dos iluministas: colocar todo o conhecimento possível na enciclopédia para todo o povo”, reflete, ao destacar o que considera valores irrisórios.
Boff ainda lembra a abertura que a plataforma dá aos diversos níveis de saber que existem hoje.
“Cobre todos os campos da realidade sobre a qual há diferentes ciências de uma forma extraordinária, cuidadosa, sempre escolhendo as melhores cabeças para fornecer as aulas”, afirma.
Além de Pacífico e Boff, o conselho do ICL conta com a diretora da Oxfam Brasil, Katia Maia, o coordenador da Educafro, Frei David dos Santos, o escritor, professor e ativista indígena Daniel Munduruku, a jornalista Heloísa Villela, o professor de História Contemporânea na PUC-Campinas Lindener Pareto e o sociólogo e pesquisador Jessé Souza.
Formada em 2020, resultado de uma espécie de fusão da agência R2 Marketing Digital, de Donatiello, com a Insight Trading Tips Consultoria Empresarial, de Moreira, a empresa já estava indo muito bem com o Investidor Mestre, seu único curso até então, criado pelo banqueiro, antes mesmo do surgimento do ICL para educação financeira.
Foi aí que, na metade do ano, os empreendedores, com o objetivo de fazer um projeto que fosse ainda mais acessível, que democratizasse o ensino e que desenvolvesse as pessoas em outros campos, iniciaram conversas com Jessé Souza e outras personalidades do mundo acadêmico, como o ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro, a jurista Gisele Cittadino e Leonardo Boff.
Donatiello recorda que, com a decisão tomada de implementar a plataforma, Souza cravou: “Vamos desenvolver então um projeto que vai ser responsável pelo desenvolvimento integral humano, que tem três pilares: o Cultural, o Espiritual e o Profissional”.
Assim, no âmbito cultural, a proposição do ICL é conhecer e compreender a jornada da humanidade como sociedade para transformá-la; no espiritual, fortalecer aquilo que sustenta essa caminhada e, por final, no profissional, oferecer o aprendizado das ferramentas mais importantes do mercado de trabalho para aumentar a empregabilidade, a remuneração e acelerar a evolução nas carreiras.
Agora, Jessé está no papel de reitor do ICL. Ele recorda que tudo ainda retroage ao ano de 2018, quando conheceu Eduardo Moreira. “A gente conversou bastante sobre os desafios para o país”, diz.
Uma indagação, portanto, já pairava no ar e está na frase do sociólogo que sintetizou os encontros com o economista: “Como é que a gente vai restituir a inteligência roubada do povo brasileiro?”.
Três anos após o lançamento da plataforma, mais um passo é dado. Já está no Ministério da Educação (MEC) uma solicitação para que o ICL instaure um curso de graduação híbrido de Ciências Sociais.
A partir disso, explica Souza, “nossa ideia é construir uma gama de especializações que possam habilitar as pessoas a entender mudança climática, racismo, como se cria a desigualdade, como se ganha, como se é menos penalizado pelo mercado financeiro, como é que você pode gerir melhor sua vida, enfim, uma série de temas que têm a ver com um dos aspectos do tripé do ICL, que é um conceito de construir uma concepção crítica para uma sociedade progressista, avançada, igualitária”, completa.
Modelo solidário de negócio
Além dos pilares, três premissas também foram elencadas para o sucesso da plataforma, de acordo com Donatiello.
“A premissa número um é que ela deveria custar menos de R$ 50. Ou seja, menos de 1% do que custa uma universidade de ponta, com o mesmo nível de professores. A segunda, é que o professor deve ganhar até dez vezes mais. Então, naquele momento, os professores, por hora-aula, estavam ganhando R$ 50, R$ 70 e nós decidimos pagar de R$ 500 a R$ 700 a hora-aula”, informa.
Uma coisa é óbvia. Não são só os valores que atraem, entre outros, docentes como Miguel Nicolelis, Marilena Chauí, a filosofa norte-americana Nancy Fraser, o sociólogo alemão Wolfgang Schluchter e Noam Chomsky, considerado pelo The New York Times o mais importante intelectual vivo no mundo.
A terceira premissa previa pelo menos 2 mil alunos para o projeto funcionar e foi batida no segundo dia após o lançamento.
“Foram 3 mil alunos. No primeiro mês, mais de 5 mil alunos. Então, deu certo, né?” , comemora.
Hoje, entre os 65 mil alunos inscritos na plataforma, a iniciativa do ICL conta com assinantes em 61 países aptos a acessar seus cursos, que vão do ensino de Idiomas (inglês, chinês, francês, espanhol, italiano, alemão e japonês), Excel, História, Filosofia, Educação Financeira, Negócios, entre outros.
Os valores, conforme uma brincadeira interna no ICL, custam menos do que um sanduíche. São mensalidades de R$ 47 no Plano Essencial e R$ 62 no Solidário, que leva esse nome porque garante bolsas integrais para alunos sem condições financeiras, os quais hoje somam 25 mil.
Para a distribuição das bolsas, há uma rede de parceiros afinada com os seus propósitos. São mais de 60 instituições, como Educafro, UNE, CUT, MST, Instituto Padre Jósimo e Rede da Maré.
Todas estão entusiasmadas com o sucesso alcançado; com as ações sociais como a instalação de salas de aula para populares, como o projeto-piloto iniciado com o padre Júlio Lancellotti, que trabalha com a população de rua de São Paulo, entre outras.
Notícia sem rabo preso
Outra ação, em especial, tem se destacado ultimamente: os investimentos feitos em noticiosos via streaming.
Inserido na lógica de intervenção no espaço público, está o ICL Notícias, que começou com uma edição das segundas às sextas-feiras, no período da manhã em maio de 2022, já conta com uma segunda edição, das 19 às 20 horas, e o Desperta ICL, das 7 às 8 nas manhãs.
A independência da programação, sem propagandas e patrocinador, trouxe outro seleto grupo de profissionais para gravitar em torno do ICL.
São profissionais da imprensa como Xico Sá, Cristina Serra, Juca Kfouri, Jamil Chade, Chico Pinheiro e Leandro Demori.
A audiência da programação do ICL já ultrapassa 20 milhões de visualizações por mês no Youtube e sem o mecanismo de monetização ativado. Isso, destaca o CEO do ICL, é para que haja total independência e que não seja permitida a promoção de empresas e produtos que não estejam dentro dos princípios da organização.
“Com isso, somos o maior canal de notícias em audiência do mundo sem patrocínio, sem monetização, sem investidores e sem rabo preso. Lembrando que, com monetização ativa, sem dúvida, nossos vídeos seriam mais sugeridos ao público e isso aumentaria a visualização”, completa Donatiello.
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