Educação, retrospectiva 2020
Retrospectiva 2020: aulas remotas, troca de ministros, novo Fundeb e erros na correção e adiamento do Enem marcam o ano na educação
Fechamento das escolas expôs a desigualdade no acesso à educação por meio de tecnologias.
Por Elida Oliveira, G1
Escola do Paraná é higienizada durante a pandemia do coronavírus. — Foto: Divulgação/Seed-PR
O ano de 2020 ficará marcado na história da educação pelo fechamento das salas de aulas para conter a pandemia do coronavírus, o que levou diversas redes de ensino a implementarem aulas e atividades remotas, e expôs o acesso desigual dos estudantes à tecnologia necessária para se manterem aprendendo.
Enquanto estados, municípios e rede privada tentavam encontrar uma solução emergencial à pandemia, o Ministério da Educação (MEC) passou por crises envolvendo seu representante, o então ministro Abraham Weintraub, investigado por racismo contra a China, e injúria e calúnia conta os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Weintraub deixou do país, e o pastor e doutor em educação, Milton Ribeiro, assumiu a pasta.
O ano também foi marcado por erros na correção do Enem e adiamento da edição deste ano, com 5,8 milhões de inscritos confirmados. As provas ocorrerão em janeiro e fevereiro de 2021.
E o novo Fundeb, o fundo voltado a investimentos para a Educação Básica e valorização de professores, foi aprovado no Congresso, tornando-se constitucional. Mas, ele ainda precisa ser regulamentado. O texto-base foi aprovado na Câmara, e ainda será analisado no Senado.
Outro tema que gerou repercussão neste ano foi a reformulação da Política Nacional de Educação Especial (PNEE), que cita o atendimento em instituições especializadas para pessoas com deficiências. O texto despertou críticas pelo risco de segregação e a discussão foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
Suspensão das aulas presenciais
Salas de aula vazia em Belo Horizonte (MG), fechada em março por causa da pandemia. — Foto: TV Globo
O avanço da pandemia levou ao fechamento das instituições de ensino, em março. Escolas e universidades em todo o país passaram a dar aulas remotas por meio de vídeos, ao vivo e/ou gravados, transmitidos on-line ou pela televisão aberta. Em alguns locais, houve aulas até via rádio.
A situação expôs o déficit de conectividade no país e a falta de acesso dos alunos a equipamentos eletrônicos, aumentando as desigualdades na educação. Uma pesquisa de 2019, divulgada neste ano, mostra o cenário em que os alunos da rede pública entraram na pandemia: quase 40% não tinha computador ou tablet em casa para estudar. A pesquisa também mostrou que 21% dos alunos de escolas públicas só acessam a internet pelo celular. Na rede privada, o índice é de 3%.
Uma família de Goiás afirmou que um único celular era dividido entre cinco irmãos. No Rio Grande do Sul, um pai chegou a construir uma barraca em meio à lavoura, onde havia sinal de internet, para que o filho pudesse estudar.
Em junho, o MEC foi criticado por deputados que fazem parte de uma comissão externa que monitora os trabalhos da pasta. Para deputados, faltou liderança do MEC na orientação de estados e municípios durante a pandemia e houve ausência de diálogo em decisões tomadas pelo ministério no período.
As decisões sobre a reabertura das salas de aulas foram tomadas em cada estado, de acordo com a situação epidemiológica local. Mas as previsões eram constantemente revistas. O Amazonas foi o primeiro estado a ter voltado com as aulas nas escolas estaduais, em 10 de agosto, para alunos do terceiro ano do ensino médio.
A volta às aulas presenciais foi tema de debates ao longo do ano. Por não ser considerado uma atividade econômica, o setor de educação ficou de fora de planos de reaberturas, ao contrário de bares, restaurantes, e shoppings centers.
Em outubro, o Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão que assessora o MEC na formulação de políticas públicas, aprovou uma resolução em que autorizava as aulas remotas até dezembro de 2021, já que o ensino híbrido (com rodízio de alunos em aulas presenciais e remotas) deve ser adotado até que a vacina contra a Covid seja aprovada e amplamente aplicada na população. O texto não foi homologado pelo MEC.
Em dezembro, o CNE aprovou outro parecer excluindo a data-limite de dezembro de 2021. O texto foi homologado. A nova regra autoriza as aulas remotas enquanto durar a pandemia, em caráter excepcional, quando as aulas estiverem suspensas pelas autoridades locais ou quando não houver condições sanitárias de retorno. Com isso, as redes de ensino passam a ter permissão de contar as aulas remotas como carga horária, caso seja necessário.
Também em dezembro, o MEC publicou uma portaria em que determinava a volta às aulas presenciais nas universidades a partir de 4 de janeiro. Houve forte reação e um anúncio informal de que ela seria revogada. Dois dias depois, o MEC se reuniu com reitores para discutir o caso. Depois, publicou outra portaria com uma nova data: 1º de março.
As instituições federais têm autonomia para definir o retorno às atividades, mas o caso gerou mal estar entre as universidades e o governo.
Com isso, em 2021, escolas e universidades deverão se cercar dos cuidados sanitários necessários para voltar ao ensino presencial, e as atividades remotas poderão ocorrer de forma complementar ou definitiva, caso a pandemia exija que as instituições de ensino permaneçam fechadas.
Enem: erros na correção, adiamento e exame de 2021 em risco
Em janeiro, a correção do Enem 2019 apresentou problemas na leitura do cartão de resposta dos candidatos. O erro afetou cerca de 6 mil pessoas, a maioria de Minas Gerais, segundo o então ministro da Educação, Abraham Weintraub.
Na época, o então ministro trocou mensagens nas redes sociais com o pai de uma aluna, que suspeitava que a filha tivesse sido prejudicada. Weintraub pediu que a nota dela fosse revista pelo Inep e foi questionado por "ofensa ao princípio da impessoalidade" pela Defensoria Pública da União.
O problema na correção levou à suspensão dos resultados do Sistema de Seleção Unificado (Sisu), que usa a nota do Enem para selecionar alunos para universidades públicas.
Ministro da Educação, Abraham Weintraub (à esq.), afirma que houve 'inconsistências' na correção do Enem 2019; pronunciamento foi feito ao lado de Alexandre Lopes, presidente do Inep — Foto: Luis Fortes/MEC
Com o avanço da pandemia, a edição de 2020, marcada para novembro, passou a sofrer pressão para que tivesse a data adiada. Entidades estudantis, universidades e colégios federais argumentaram que os alunos mais pobres não teriam acesso ao ensino remoto durante o período de suspensão das aulas presenciais. A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com recurso para alterar o cronograma.
Abraham Weintraub passou a admitir a necessidade mudar a data do Enem e sugeriu que fosse adiada "de 30 a 60 dias". A declaração ocorreu após o Senado aprovar um projeto que adiava provas que dão acesso aos cursos de graduação, o que incluia o Enem.
Foi proposto abrir uma enquete para que os candidatos escolhessem uma nova data. As opções eram de provas em dezembro de 2020, janeiro ou maio de 2021. Venceu a opção de prova em maio, mas o governo decidiu fazer em janeiro para não atrasar o cronograma das aulas no ensino superior.
Agora, o exame está marcado para 17 e 24 de janeiro (prova impressa) e 31 de janeiro e 7 de fevereiro (prova digital). Os resultados serão divulgados em 29 de março.
Mas a prova de 2021 está sob ameaça. Em maio, Weintraub assinou um ofício enviado ao Ministério da Economia em que alertava que o Enem de 2021 poderá ser suspenso devido à falta de recursos.
Troca de ministros
Em meio à crise da pandemia, o Ministério da Educação passou ainda por escândalos políticos envolvendo o então ministro Abraham Weintraub, o que levou à saída dele em junho.
Além de ser suspeito de violar o princípio de impessoalidade na correção do Enem, Weintraub foi investigado por racismo contra a China, ao insinuar que o país se beneficiou da pandemia, e por difamação e injúria contra os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao chamá-los de vagabundos e dizer que deveriam ser presos.
Weintraub deixou o ministério em junho. A pasta ficou uma semana sem comando, até que Carlos Alberto Decotelli foi anunciado. Mas ele pediu demissão antes de tomar posse. Decotelli sofreu duras críticas por incluir no currículo formação e atuação na área que, na realidade, não tinha.
Ministro da Educação, Milton Ribeiro — Foto: JN
Após a fritura, assumiu o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, em julho. No discurso de posse, disse que teria “compromisso com o Estado laico” e manteria “grande diálogo com acadêmicos e educadores”. Quatro dias depois de sua posse, Ribeiro anunciou que estava com Covid-19 e passou a trabalhar remotamente. O ministro não desenvolveu o quadro grave da doença.
Um mês depois, Milton Ribeiro afirmou ao jornal "O Estado de S. Paulo" que adolescentes homossexuais têm origem em "famílias desajustadas" e que o problema do acesso à internet dos estudantes durante a pandemia "não é problema do MEC". Depois, disse que a fala foi retirada de contexto e pediu desculpas.
A Procuradoria Geral da República (PGR) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito para apurar se Milton Ribeiro cometeu homofobia. O crime é reconhecido pelo STF desde 2019.
Novo Fundeb
Cerimônia marca a promulgação do novo Fundeb, que passa a ser permanente
Em 2020, deputados e senadores aprovaram o novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), incluindo a regra na Constituição, tornando-o permanente.
O fundo foi criado em 2006 para arrecadar recursos de impostos e redistribuir para estados e municípios. O objetivo é garantir que o investimento mínimo anual por aluno seja igual em todo o país.
O texto anterior tem validade até 31 de dezembro. A nova regra amplia gradualmente o percentual de complementação da União, dos 10% atuais para 23% a partir de 2026. Em 2021, a participação será de 12%. Com as mudanças, o valor por aluno que era de R$ 3,6 mil ao ano passará a ser de R$ 5,7 mil em 2026.
Agora, o texto precisa ser regulamentado. O projeto de lei foi aprovado na Câmara, e houve inclusão de destaques. Entre os pontos mais polêmicos, está o repasse do fundo para escolas privadas sem fins lucrativos, como as confessionais (ligadas a igrejas) nos ensinos médio e fundamental, em até 10% do total de vagas ofertadas. Para críticos, isso "drena" os recursos da educação pública para a privada.
O texto seguiu para o Senado, que poderá aprová-lo como está ou propor alterações. Se houver mudanças, a discussão volta para a Câmara.
Caso o Fundeb não seja regulamentado, a estimativa é que 1,5 mil municípios deixarão de receber R$ 3 bilhões em recursos para a educação em 2021, segundo projeções do movimento Todos pela Educação. Esses recursos viriam da maior participação da União com as novas regras.
Plano Nacional de Educação Especial (PNEE)
A nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE) do governo federal foi publicada em outubro, com o objetivo de ampliar o atendimento a 1,3 milhão de estudantes com demandas específicas. A adesão de estados e municípios é voluntária e prevê repasses.
Nas novas regras, o Ministério da Educação alterou uma norma que vinha sendo adotada desde 2008. O documento cita turmas e escolas especializadas, que atendem apenas estudantes com deficiência, o que é visto por alguns como fator de exclusão. A política não exclui alunos com deficiência de turmas regulares, mas enfraquece as ações de inclusão por dificultar que famílias cobrem atendimento apropriado em escolas regulares, segundo especialistas.
Deputados federais apresentaram projetos de decreto legislativo para derrubar, no Congresso, o decreto da PNEE.
O tema chegou ao STF. A Advocacia-Geral da União (AGU) negou que a política representaria uma "política de segregação" e ponderou ainda que a Constituição não prevê que a educação especial será realizada "exclusivamente" nas escolas regulares, mas "preferencialmente" nestes locais.