Educadores contratados sem salário
Sem salário e sem garantia de emprego: educadores contratados ficam até seis meses sem receber
Fúlvio Cristian é professor contratado de história da EEEF Aldo Locatelli, na Zona Leste de Porto Alegre. Começou a lecionar em abril e, até julho, não recebeu um centavo pelo seu trabalho. Os meses sem pagamento se devem à morosidade do processo de admissão pela Seduc.
Mas, apesar de não saber como vai cair o primeiro salário, ele já sabe que estará desempregado no fim do ano letivo, em dezembro, quando o contrato se encerra. “Fica bem difícil chegar ao fim do ano e não saber se volto. Se pelo menos dissessem que não vão pagar em janeiro e fevereiro, e que depois eu retorno ao emprego… mas nem isso”, desabafa.
A realidade de Fúlvio é a de muitos educadores(as) da rede estadual. Por determinação do governo Eduardo Leite, todos os novos contratos emergenciais têm sido firmados por tempo determinado – os chamados contratos fechados.
Na modalidade, o trabalhador(a) recebe de março a dezembro e fica sem emprego nos meses que antecedem o ano letivo. Não tem direito a férias remuneradas nem garantias de retorno ao quadro da Seduc.
“Para comida e deslocamento eu tenho que pegar dinheiro emprestado. E quando eu receber, não sei como vai ser. Vão pagar todo o montante devido ou vão parcelar? E o imposto de renda, como fica?”, indaga Fúlvio.
Pior: mesmo no caso de readmissão, o educador(a) precisará passar por todo o processo de contratação novamente, e só receberá o primeiro salário meses depois.
Direções escolares denunciam inépcia da Seduc
A ausência de concursos públicos e a radical precarização dos contratos tem deixado muitas escolas sem educadores(as), que não aceitam trabalhar sem perspectiva de continuidade. Na EEEF Souza Lobo, na Zona Norte da capital, faltam professores(as) para as séries iniciais, artes e supervisão, bem como uma merendeira.
“A Secretaria de Educação está levando um tempo interminável para responder nossas solicitações”, conta a diretora Karla Bolson. “Uma das professoras está sem receber desde o início do ano. Levaram três meses só para responder que o cadastro tinha algo errado. Toda hora é um documento diferente faltando. Aí tu faz, refaz e eles levam mais três meses para responder”, explica.
Karla lembra que, como diretora, tem prazos a cumprir e não pode faltar com suas atribuições, sob pena da escola ser penalizada. Enquanto isso, o governo caduca. “Eu tenho compromisso com a vida funcional dos profissionais que estão na escola, e não sinto esse retorno da mantenedora. Com esse governo piorou infinitamente”, desabafa.
A diretora conta, ainda, que a escola fechou duas turmas do 3º ano em 2019 e que outras duas serão encerradas no próximo ano. “Eu me sinto enrolando os pais, porque eles estão me enrolando, então é um ciclo vicioso”, finaliza.
A vice-diretora da EEEF Aldo Locatelli, Mariane Rocha Dias, relata as mesmas dificuldades. Duas turmas de 9º ano e uma 8º estão sem aulas de português desde maio, faltam duas professoras de anos iniciais, a biblioteca está sem uma profissional e há uma vaga em aberto para merendeira.
“No dia em que a única merendeira da escola não vem, somos nós que preparamos a comida. Então oferecemos frutas ou bolachas, pois não podemos cozinhar. E ainda temos que fazer um relatório explicando por que não oferecemos a merenda prevista no cardápio da Seduc”, afirma.
A diretora também critica a morosidade do governo. “A resposta da Seduc é que eles não tem quem mandar. Estão naquele enxuga enxuga de outras escolas para mandar um professor para cá. Não contratam, não chamam os nomeados, não abrem contratos, então é essa a situação”, observa.
“Se eu dependesse do meu salário para comer, eu não comeria”
A professora Ester Correa estava há 10 anos como contratada na escola. Perdeu uma das matrículas de 20h e, depois, foi recontratada por tempo determinado. Nesta última matrícula, está desde fevereiro sem receber.
“Eu trabalho 40h, mas estou recebendo 20h. O que se faz com isso? Fora o desconto do Banrisul, o teu salário vira nada. Para vir trabalhar, uso o cartão do meu marido. Se eu dependesse do meu salário para comer, eu não comeria, não tem como”, conta.
O que diz a Seduc
Contatada pelo CPERS, a Seduc enviou a seguinte nota por meio da sua assessoria de comunicação:
“Há casos hoje no Estado de licenças e aposentadorias que acabam gerando a necessidade de preenchimento de vagas e a reorganização dos quadros de recursos humanos das instituições de ensino – cerca de 19 mil casos atualmente, representando cerca de um terço dos 60 mil profissionais que atuam na rede pública estadual.
A Seduc reitera que está empenhada em resolver a situação, caso a caso, e está trabalhando, juntamente com as Coordenarias Regionais de Educação (CREs), para restabelecer a normalidade no atendimento aos estudantes.”
O que o CPERS defende: respeito e concurso público
O CPERS é terminantemente contrário à modalidade de contratação por tempo determinado, que precariza os já fragilizados contratos emergenciais. É uma estratégia que gera insegurança no ambiente de trabalho e descontinua o aprendizado de estudantes, que perdem suas referências na escola.
É, ainda, um instrumento extremado de assédio, que deixa educadores(as) reféns da instabilidade e vulneráveis a pressões das CREs e da Seduc, enfraquecendo a organização coletiva e a luta por direitos. Tal política nefasta é implementada apesar do problema crônico de falta de educadores(as) – para o qual o governo não apresenta soluções mesmo após transcorrido meio ano letivo.
Não é possível que, além de trabalhar com salários atrasados há 44 meses e congelados há mais de quatro anos, não tenhamos o mínimo de tranquilidade para desenvolver o processo educacional e garantir a qualidade do ensino.
A desorganização do ano letivo não é por acaso. Consta, no planejamento da Seduc, a meta de reduzir duas mil turmas até o final de 2019. Seriam cinco mil turmas a menos até o fiml do governo. Como disse Darcy Ribeiro, a crise da educação não é crise, é projeto.
Mas faltou ao governador combinar com a realidade. Somente neste ano, a rede pública recebeu 30 mil estudantes a mais do que em 2018. A conta não fecha.
Por isso nós defendemos a realização imediata de concursos públicos. É a única forma de garantir segurança jurídica e dar a contratados(as) a oportunidade de acessar a carreira. A Constituição Federal é clara: a estabilidade depende da investidura em concurso.
O Conselho Geral do CPERS deliberou pela criação de comitês em defesa dos contratados(as) em cada núcleo da entidade. O Sindicato também orienta para que os educadores(as) mandem denúncias de falta de professores(as) e funcionários(as) para o e-mail secgeral@cpers.org.br.