Efeitos de municipalização dos anos finais
Pesquisadores compararam dados da Prova Brasil e do Censo Escolar dos anos de 2007, 2011, 2015 e 2019, além do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e de outras variáveis. Na foto, o pesquisador Naercio Menezes Filho.
Estudo avalia efeitos de municipalização dos anos finais
13 DE MARÇO DE 2023
O pesquisador Naercio Menezes Filho: “No ensino fundamental 1, é uma criança se tornando adolescente. No 2, um adolescente se tornando jovem. Uma escola que oferece ambas as fases tem dificuldade para separar as demandas de cada um desses alunos”.
Por Wallace Cardozo, Rede Galápagos, Salvador (BA)
Desde a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), os municípios brasileiros passaram a ter maior autonomia para a oferta da educação infantil e do ensino fundamental em seus territórios. Com a medida, as escolas municipais assumiram um papel de maior protagonismo na educação pública. No ensino fundamental, esse movimento representou um processo de descentralização, tema do estudo “Os Efeitos da Organização do 5º e 9º Ano do Ensino Fundamental nos Municípios sobre a Proficiência dos Alunos”, descrito em detalhes neste PDF.
A pesquisa foi realizada pelo economista Naercio Aquino e por estudantes de economia. “Eu sempre quis entender qual a melhor estratégia para oferecer a educação pública no Brasil e qual rede deve se responsabilizar por cada fase do ensino”, afirma. O pesquisador explica que combina análise estatística e conhecimentos (de econometria, por exemplo) para entender determinantes sociais. “Muitas vezes, o debate da educação no Brasil é carregado de ideologia e opiniões muito fortes. É importante ver o que os dados estatísticos e as evidências empíricas mostram.”
Para entenderem os efeitos da municipalização dos anos finais do ensino fundamental, os pesquisadores compararam dados da Prova Brasil e do Censo Escolar dos anos de 2007, 2011, 2015 e 2019, além do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e de outras variáveis de controle dos municípios. Também tomaram como referência alguns estudos anteriores sobre o tema. Assim, a hipótese inicial era de que a municipalização era benéfica ao desempenho dos estudantes. “Após a determinação da hipótese e a coleta de dados, definimos uma estratégia estatística para identificar o efeito da maneira mais clara possível, e depois, finalmente, partimos para a interpretação dos resultados obtidos”, descreve Naercio.
O estudo foi uma realização pessoal para o pesquisador, que entende a publicação como uma importante contribuição para um tema relevante. “São necessárias mais evidências. O número de estudos feitos até agora ainda não é suficiente para um consenso absoluto sobre a municipalização do ensino fundamental 2. Cada novo estudo é um tijolo a mais na construção dessa parede”, observa. O tema parece ser uma discussão relativamente recente. Na lista de referências de sua pesquisa, o estudo mais antigo data de 2007. Trata-se da dissertação de mestrado da economista Fabiana D’Atri, intitulada “Municipalização do ensino fundamental da rede pública. Os impactos sobre o desempenho escolar”.
Mais perto da comunidade
André Barreto acabou de assumir o cargo de diretor da Escola de Cadetes Mirins, em Lauro de Freitas (BA), na região metropolitana de Salvador. A instituição oferece vagas nos anos finais do ensino fundamental em período integral e tem boa reputação no município. Em 2021, fechou o ano letivo com 100% de aprovação, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O educador, no entanto, não acredita que os resultados positivos estejam necessariamente relacionados com a municipalização. “Entendo que o que faz a diferença realmente é a integração com a comunidade, chamá-la para dentro da escola, interagir com o comércio local. Isso independe de ser municipal ou estadual, porque há escolas municipais que não fazem esse movimento”, argumenta.
Contudo, as evidências encontradas na pesquisa de Naercio sugerem que o movimento de municipalização do ensino fundamental é benéfico aos estudantes. Com dimensões continentais e 5.568 municípios, o Brasil tem uma enorme variedade de especificidades locais, que podem demandar soluções singulares. “As escolas municipais estão mais próximas dos contextos dos alunos. A gestão leva em conta as características do município e consegue promover uma aprendizagem mais efetiva justamente por conhecer melhor a realidade dos estudantes”, defende o pesquisador.
No estudo, foram comparados os desempenhos de estudantes de dois grupos de municípios. O primeiro é formado por cidades que possuem apenas escolas municipais para o ensino fundamental 1 e apenas escolas estaduais para o ensino fundamental 2. O segundo grupo, por sua vez, compreende as cidades que têm somente escolas municipais para ambas as fases do ensino fundamental. Estas últimas obtiveram um desempenho muito superior nos períodos observados, com 14 pontos de variação positiva nas notas de português e matemática entre o 5º e o 9º ano.
A transição entre os anos iniciais e os anos finais do ensino fundamental é um acontecimento delicado e importante na trajetória escolar. Para Naercio, adicionar a esse momento uma mudança da rede municipal para a rede estadual não é benéfico ao processo. “A própria mudança de escola traz uma série de adaptações. As escolas estaduais tendem a ser maiores. O estudante está saindo da infância. Deixa de ter um professor para ter vários professores, várias matérias e vários horários diferentes. Às vezes, a escola estadual é mais longe. Todos esses fatores atuam para diminuir a aprendizagem do aluno.”
Naercio acredita que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) consegue distribuir de maneira justa a verba pública para municípios pequenos e grandes, mas entende que isso não garante um total equilíbrio na qualidade da educação. “Alguns municípios têm maior capacidade de gestão. Aqueles mais ricos e com melhor estrutura são capazes de atrair quadros mais qualificados, o que pode aumentar suas notas em relação aos pequenos ou aos localizados em áreas rurais.”
Educador no ensino público de Lauro de Freitas há quase três décadas, André entende que a municipalização tem prós e contras. “Aqui no município, conseguimos trabalhar em rede, e isso é positivo. As escolas têm autonomia para construir os seus currículos, mas há um direcionamento conjunto e uma comunicação entre elas. Os estudantes da zona rural estão tendo a mesma qualidade de educação que aqueles da zona urbana”, afirma. O diretor observa, entretanto, que ainda há pontos a evoluir, como as estruturas das escolas de tempo integral e a oferta de formação continuada para os profissionais da educação.
Uma segunda etapa da pesquisa teve como objetivo entender de que maneira a existência de diferentes escolas para cada uma das duas fases do ensino fundamental afeta o desempenho dos estudantes. O infográfico que reúne os principais achados do estudo resume o veredito: “Quanto maior a proporção de escolas municipais que oferecem separadamente o EF2, maior é a nota média em português e matemática obtida no 9º ano”.
De acordo com a pesquisa, o melhor cenário para o ensino fundamental é aquele em que o município é responsável pela administração de escolas que oferecem apenas anos iniciais e também por instituições de ensino que promovem somente os anos finais. “No ensino fundamental 1, é uma criança se tornando adolescente. No 2, um adolescente se tornando jovem. Uma escola que oferece ambas as fases tem dificuldade para separar as demandas de cada um desses alunos”, pontua Naercio Aquino. Diretor de uma escola de anos finais, André Barreto complementa dizendo que, por causa dessa dificuldade, é comum ouvir relatos de casos de indisciplina e bullying nas escolas ditas “conjugadas”.
As percepções de André e Naercio acompanham uma tendência nacional. Entre 2007 e 2019, houve um aumento de 80% na proporção de escolas municipais que oferecem apenas o ensino fundamental 2.
FONTE:
https://www.itausocial.org.br/noticias/a-potencia-das-escolas-municipais/