EJA e os desafios de inclusão
EJA e os desafios de inclusão e permanência agravados pela pandemia
23/6/2022
Educação de Jovens e Adultos
A pandemia da Covid-19 intensificou os desafios para a Educação Básica do Brasil, em especial para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Além de enfrentar dificuldades como o afastamento das salas de aula, escassez de recursos tecnológicos, capacitação da equipe docente e readequação do currículo, a trajetória escolar dos alunos da EJA é marcada por interrupções mesmo antes do período de isolamento social.
Esses alunos, muitas vezes, tiveram que largar os estudos para complementar – ou prover – a renda familiar, cuidar de um(a) filho(a) quando ainda estava em idade escolar, ou mesmo por diversos outros aspectos que o colocam em uma situação de vulnerabilidade social.
Existem cerca de 11 milhões de pessoas, com 15 anos ou mais, não-alfabetizadas no Brasil, cerca de 6,6% da população nesta faixa etária. Os dados são da PNAD Contínua de 2019. Entre as pessoas pretas ou pardas (8,9%), a taxa de analfabetismo é mais que o dobro da observada entre as pessoas brancas (3,6%).
EJA e evasão escolar
Gráfico mostra a queda da matrícula de alunos de EJA no Brasil, de 2017 a 2021.
(Fonte: Censo Escolar 2021).
Com a pandemia e o agravamento da desigualdade social, houve um aumento da evasão escolar. As matrículas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) tiveram uma queda de 7,7% em 2020. Foram cerca de 579 mil matrículas a menos do que em 2019.
Em 2021, a quantidade de alunos matriculados continuou em queda: 1,3% a menos em relação à 2020, chegando a 3 milhões de matrículas em 2021. Os dados são do Censo Escolar da Educação Básica, divulgado pelo Inep.
Essa queda no último ano ocorreu de forma similar nas matrículas da EJA de nível fundamental e de nível médio, que demonstraram redução de 1,4% e 1,2%, respectivamente.
Reconhecimento de saberes, além da sala de aula
Já se sabe que a pandemia acentuou a desigualdade educacional, que já era bastante considerável em nosso país. Sendo assim, o que pode ser feito para mitigar esses efeitos, sobretudo entre aqueles que já tiveram que abandonar os estudos?
O público da EJA é composto por jovens, adultos e idosos, pessoas com diferentes formações, repertórios e vivências, que não devem ser desconsideradas durante a aprendizagem na sala de aula. O reconhecimento de saberes que o(a) estudante já possui pode somar na sua educação formal, superando a ideia de simples correção de fluxo escolar.
Para falar sobre o tema, o Futura conversou com a Maria Amabile Mansutti, assessora do Cenpec, organização da sociedade civil sem fins lucrativos que trabalha pela promoção da equidade e qualidade na educação pública do país.
Futura: Qual é o perfil do estudante da EJA no Brasil?
Maria Amabile Mansutti: É um público instável e diferenciado. Na primeira etapa da alfabetização costumamos ver mulheres, por volta dos 40 anos, que buscam aprender a ler e a escrever, mas que nem sempre continuam os estudos. Entre os analfabetos, o veículo principal de comunicação é a oralidade, então a forma de alfabetizar é diferente.
Quando você vai para outra etapa, já vê alguns alunos mais jovens que tiveram dificuldades em absorver o conteúdo do ensino regular. E também há adultos, nos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, que não tiveram possibilidade de estudar. São públicos bem distintos com comportamentos e interesses próprios.
Futura: Quais políticas públicas devem ser priorizadas visando a retenção e a permanência destes alunos?
Maria Amabile Mansutti: Hoje, não há políticas públicas voltadas para a EJA. Não foi feito um currículo, não teve Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). Há um problema grave no financiamento, não há recursos suficientes para a Educação de Jovens e Adultos. Estados e municípios dificilmente vão conseguir promover essa retomada sozinhos, é preciso haver um pacto com o governo federal, com o Conselho Nacional de Educação.
Nós já tivemos programas voltados para a EJA, mas é preciso haver uma atualização dessas políticas. Na pandemia, vimos que não houve uma retomada da EJA, nem nos municípios e nem nos estados. Houve redução das matrículas e existem poucos dados e estudos sobre esse público.
Em maio de 2021, foi divulgado o parecer do Conselho Nacional da Educação com diretrizes nacionais sobre a EJA. O documento fornece orientações, mas ainda faltam insumos para aplicação prática e não foram consideradas as especificidades desse público.
O parecer traz um capítulo sobre EJA à distância. Mas como fazer uma alfabetização à distância de um público que muitas vezes nem tem acesso aos recursos tecnológicos como computador?
Futura: Quais são os impactos que você vê a médio e longo prazo?
Maria Amabile Mansutti: Sem políticas públicas para a EJA, vamos institucionalizar o Encceja e não a oferta de escolaridade, além de haver uma privatização de cursos EaD.
Existem muitas pessoas que não concluíram os estudos, seja no ensino fundamental ou médio – agora teremos um atraso ainda mais significativo. A pandemia já trouxe grandes impactos para a educação pública e a EJA é a mais prejudicada.
Temos que encontrar formas de conversar com gestores, educadores e com o Conselho Nacional de Educação. A expectativa é que um próximo governo faça um diagnóstico bem feito para prover mais políticas públicas voltadas para EJA.
Classes Abertas: nova edição analisa a Educação de Jovens e Adultos
No dia 29 de junho, a série de debates Classes Abertas, iniciativa da Fundação Roberto Marinho, com apoio do Todos Pela Educação, vai trazer debates importantes sobre a Educação de Jovens e Adultos no Brasil, o novo Ensino Médio e a saúde mental dos professores, com mediação da jornalista Ana Carolina Malvão, do Futura.
Para discutir esses temas, a Fundação Roberto Marinho convida Analise de Jesus da Silva, Mestre e Doutora em Educação pela UFMG; Ana Paula Severiano, professora da educação básica, consultora do Cenpec e formadora da Olimpíada de Língua Portuguesa e Hugo Monteiro Ferreira, professor adjunto do Departamento de Educação da UFRPE.
O Classes Abertas acontece no youtube do Canal Futura no dia 29/06 (quarta-feira) das 11h às 12h e é gratuito.