EJA entre estorinhas de gabinete
A EJA entre estorinhas de gabinete e as Histórias dos ‘de baixo’
Amarildo Veiga, César Rolim, Janice Freitas, Marco Mello (*)
Quase todo final de ano é a mesma estorinha … O enredo padece de poucas variações, só mudam os personagens: nova gestão, nova equipe da gestão, nova “cabeça” na gestão, em geral sem qualquer experiência na Educação de Jovens e Adultos (EJA), resolve autocraticamente fazer mudanças na EJA da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre.
Abre-se a caixa de maldades infinda e, do alto de algum andar da Secretaria Municipal de Educação (SMED), no Centro Histórico, muito longe do chão periférico das escolas, libertam os monstros: tentam fechar escolas, reduzir a oferta de turmas, determinar alterações na organização curricular, acabar com as reuniões pedagógicas, reduzir o número de horas de professores(as), inserir empresas privadas dentro das escolas, entregar a modalidade para o “‘terceiro setor” com a presença cada vez mais intensa dos interesses e negócios privados no serviço público.
Não bastasse nada fazerem pela modalidade à frente da gestão, a querem diminuta, inexistente, o que parece ser a expressão de um profundo desprezo para com a população periférica, negra, sejam jovens, adultas(os) ou idosas(os), além de muitos estudantes com necessidades educativas especiais. Infringem as normas legais ao não realizar recenseamento anual para verificar a demanda potencial e a chamada pública para matrículas, não há empenho na gestão para a “busca ativa” das(os) estudantes, ampliar escolas e horários de atendimento, tampouco prover adequadamente de recursos humanos às escolas. Além disso, fazem letra morta das metas 5, 8 e 9 da Lei Municipal 11.858, o Plano Municipal de Educação (2015-2024), que dizem respeito diretamente à modalidade. E a isso terão que responder muito brevemente à sociedade, pois 2024 e as eleições municipais estão logo ali no horizonte.
O Secretário do “S”
Ele veio sob a chancela do “S”. Praticamente um sistema. Um sistema de “s”. O “Sistema S”: a ponta de lança do empresariado, que esbanja dinheiro que é, essencialmente, recurso público: SENAI, SENAC, SESC, SENAR, SESI, SEBRAE, entre outros. Trouxeram o gerente do almoxarifado, que nunca trabalhou em escolas públicas, diante dos descalabros da má gestão anterior, denúncias de superfaturamento, corrupção, autoritarismo pedagógico, ineficácia e inércia na política educacional.
Não há novidade, a não ser um estilo equidistante. Tira-se fotos, visita-se e há um papo nos ambientes escolares, mas continuam e se aprofundam os golpes sobre a gestão democrática nas escolas e no Sistema Municipal de Educação. Se amplifica a precarização dos serviços terceirizados que atinge diretamente o atendimento aos estudantes da Rede Pública, mas, sobretudo às próprias funcionárias que atuam na limpeza, na merenda e portaria das escolas, destituídas dos direitos trabalhistas básicos, sob a ação de verdadeiros golpistas que se sucedem há anos nas coopergatos & similares. Enquanto registros de uma SMED próxima das escolas circulam, a Educação Infantil é entregue de bandeja para o mercado, a terceirização do Ensino Fundamental avança e a Educação Especial passa a ser objeto de “contratos” para atendimento fora da Rede Pública.
E a EJA?
A julgar pelo organograma da SMED ela (a EJA) “voltou a existir”, desde um decreto recente (21.326/2022). Há ali, como um “puxadinho” no Ensino Fundamental, uma “Equipe de EJA”. Alguém conhece? Quem são as(os) integrantes? Se apresentaram para além das Coordenações das escolas? Por que até agora não foi feito nenhum pronunciamento público, seja do Secretário, Direção da Coordenação Pedagógica da SMED ou Equipe da EJA destinada às educadoras(es), para apresentação da proposta político-pedagógica para a EJA? Da política de formação, de recursos humanos, da política cultural, da interseção com outras políticas como esporte, cultura, lazer, juventude, trabalho? Aliás, uma peça digna de investigação pelos órgãos de controle é a de um certo vereador aliado da base governista propagandeando “cursos profissionalizantes” nas sextas-feiras, em horário das reuniões pedagógicas da EJA? Além de um disparate, sinaliza claramente uma requentada tentativa de ingerência sobre a autonomia da escola e cerceamento do trabalho docente.
Os donos da cidade
Há uma associação de lógicas similares operando, seja no campo do urbanismo seja no da educação. Como tem revelado o Sul21 na série de reportagens especiais “Donos da Cidade”, os interesses privados das grandes construtoras têm interferido drasticamente no regramento urbanístico, licenciamento e mudanças na legislação e encontram eco na administração pública municipal, mudando celeremente o perfil da cidade, voltando-a aos interesses dos gigantes do mercado imobiliário. Guardadas as distinções, as políticas educacionais das(os) gestoras(es) que se sucedem no governo Marchezan Jr. (PSDB) e agora no de Sebastião Melo (PMDB) têm se pautado na lógica do mercado, com desconsideração pelos marcos legais existentes, sua adequação a interesses privatistas, ataques à gestão democrática e um profundo descompromisso com o direito à educação pública estatal, com uma Rede que já foi uma das melhores do país. São os “donos da cidade” que a fatiam, e a querem para si, como fonte de auferir lucros, enquanto matam todos os dias um pouco mais os sonhos de milhares de pessoas que literalmente mantém a cidade funcionando e sonham com o retorno e a conclusão dos estudos.
Estamos na luta!
No dia 17 de novembro próximo, sexta à noite, a Associação dos/das Trabalhadores/das em Educação do Município de Porto Alegre (ATEMPA) e o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (SIMPA) promoverão reunião ampla e aberta, com representação da EJA das escolas, para a retomada dos encontros e conversas sobre as demandas e perspectivas de quem atua nesta modalidade na Rede Municipal.
Enquanto se sucedem gestores e equipes de um governo de corte populista de direita, privatista e antidemocrático, nós estamos fazendo o que nos compete como servidoras(es) que entendem que serviço público não é negócio privado!
Além disso, sabemos que o serviço público deve ter a característica popular (para e com o povo trabalhador).
Somos educadoras e educadores críticos: mantendo com dignidade, de pé e com muita dedicação, a Educação de Jovens e Adultos da capital, à despeito do descompromisso existente do “pessoal do lado de lá”’. A EJA é um direito inalienável da classe trabalhadora e não haverá personagens de ficção que consigam suprimir com estorinhas perversas, histórias tão reais e pulsantes de vida e energia criadora.
Por tudo isso, estamos aqui: em movimento, atentos às aventuras do andar de cima, com o “Pé no chão! Na construção e defesa da EJA pública e popular”, como informa o título da publicação que recentemente um grande grupo de educadoras(es) da EJA lançou na 69ª. Feira do Livro de Porto Alegre e na Faculdade de Educação (FACED) da UFRGS e que partilhamos aqui na versão E-book.
(*) Professores(as) na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre
FONTE: