Eleições e modelo tributário

Eleições e modelo tributário

Eleições e modelo tributário injusto e regressivo

Maria Lucia Fattorelli    28/09/2022

Dando sequência à série ini­ciada com Elei­ções e Mo­delo Econô­mico, neste ar­tigo vamos falar sobre o mo­delo tri­bu­tário in­justo e re­gres­sivo que atua no Brasil, o qual cons­titui um dos im­por­tantes eixos que atuam para pro­duzir es­cassez para a mai­oria do povo.

É fun­da­mental que a so­ci­e­dade com­pre­enda os eixos que sus­tentam esse mo­delo, a fim de di­a­logar com seus res­pec­tivos par­tidos e can­di­datos nesse pe­ríodo de elei­ções.

O fi­nan­ci­a­mento do Es­tado se dá de forma de­se­qui­li­brada no Brasil, de­vido às inú­meras dis­tor­ções do mo­delo tri­bu­tário, que con­centra carga mais pe­sa­da­mente sobre a classe tra­ba­lha­dora e sobre os mais po­bres, e con­centra ar­re­ca­dação na es­fera fe­deral.

Carga tri­bu­tária

A carga tri­bu­tária de 33,26% do PIB é con­si­de­rada alta, equi­va­lente à carga co­brada em países de IDH ele­vado, e não é a mesma para todos os se­tores econô­micos. No Brasil, a carga tri­bu­tária está con­cen­trada prin­ci­pal­mente sobre o con­sumo e a renda do tra­balho, li­vrando da tri­bu­tação grande parte da renda e do pa­trimônio dos mais ricos (algo para se pensar em tempo de elei­ções), como mostra o grá­fico.

 


Eleições e modelo tributário injusto e regressivo
Arte: Re­pro­dução/Au­di­toria Ci­dadã/Di­vul­gação



Adi­ci­o­nal­mente, o pro­duto da ar­re­ca­dação tri­bu­tária fica con­cen­trada na es­fera fe­deral, que faz re­passes in­su­fi­ci­entes aos de­mais entes fe­de­rados por meio dos Fundos de Par­ti­ci­pação Es­ta­duais e Mu­ni­ci­pais (FPE e FPM).

Tri­bu­tação in­di­reta

A tri­bu­tação sobre o con­sumo ca­rac­te­riza o que se de­no­mina tri­bu­tação in­di­reta, ou seja, a tri­bu­tação recai sobre o fato econô­mico, in­de­pen­den­te­mente da pessoa que par­ti­cipa do re­fe­rido ato.

Essa in­ci­dência tri­bu­tária sobre o con­sumo é con­si­de­rada ruim, porque não obe­dece ao prin­cípio da ca­pa­ci­dade con­tri­bu­tiva, ou seja, ao tri­butar um pa­cote de ma­carrão por exemplo, o mi­li­o­nário e o men­digo que com­prarem aquele ma­carrão irão pagar o mesmo tri­buto em­bu­tido no preço do pro­duto, in­de­pen­den­te­mente da imensa dis­pa­ri­dade da ca­pa­ci­dade con­tri­bu­tiva de cada um.

Ade­mais, con­si­de­rando que a renda das pes­soas mais po­bres é to­tal­mente vol­tada para o con­sumo de bens de sub­sis­tência, a con­cen­tração da tri­bu­tação sobre o con­sumo torna o mo­delo tri­bu­tário ex­tre­ma­mente re­gres­sivo, fa­zendo com que os mais po­bres pa­guem pro­por­ci­o­nal­mente mais tri­butos que os mais ricos.

Re­nún­cias fis­cais

Além das di­versas dis­tor­ções exis­tentes no re­gres­sivo mo­delo tri­bu­tário bra­si­leiro, a in­jus­tiça tri­bu­tária se agrava ainda mais quando ana­li­sadas as grandes re­nún­cias fis­cais, pre­sentes em todas as es­feras, as quais pri­vi­le­giam se­tores li­gados ao poder econô­mico, fi­nan­ceiro e po­lí­tico, con­forme al­guns exem­plos ci­tados:

Na União

So­bres­saem a es­can­da­losa isenção de Im­posto de Renda sobre a dis­tri­buição de lu­cros e di­vi­dendos aos só­cios de bancos e em­presas que já per­dura por 25 anos; a falta de re­gu­la­men­tação do Im­posto sobre Grandes For­tunas, e ou­tras be­nesses tri­bu­tá­rias con­ce­didas a se­tores mais ricos da po­pu­lação, como a de­dução de juros sobre o ca­pital pró­prio, a isenção de re­messas de lu­cros ao ex­te­rior e sobre ga­nhos de es­tran­geiros que aplicam em tí­tulos da dí­vida in­terna bra­si­leira.

Re­cen­te­mente foi con­ce­dida ainda isenção a in­ves­ti­dores es­tran­geiros que ad­quirem ativos no país, pri­vi­le­gi­ando o ar­re­mate, por fundos es­tran­geiros, de es­ta­tais es­tra­té­gicas que estão sendo pri­va­ti­zadas.

Cabe res­saltar também os in­cen­tivos à ex­por­tação, que be­ne­fi­ciam prin­ci­pal­mente as grandes Tra­ding Com­pany das áreas de com­mo­di­ties (grande agro­ne­gócio e mi­ne­ração) que têm pro­vo­cado cres­cente dano am­bi­ental, e ou­tras ex­por­ta­doras.

Na es­fera fe­deral os in­cen­tivos à ex­por­tação con­tem­plam o Im­posto de Ex­por­tação, IOF, PIS, Co­fins e IPI, além de ou­tros be­ne­fí­cios cre­di­tí­cios (em­prés­timos do BNDES por exemplo). Além disso, as taxas de ex­plo­ração do meio am­bi­ente são ir­ri­só­rias (TCFA) e os royal­ties de mi­nério co­brados no Brasil são os me­nores do pla­neta.

No âm­bito dos es­tados e DF

So­bressai a in­jus­ti­fi­cada isenção de ICMS sobre ex­por­tação, com base na Lei Kandir, que be­ne­ficia prin­ci­pal­mente as grandes Tra­ding Com­pany das áreas de com­mo­di­ties: grande agro­ne­gócio e mi­ne­ração.

O res­sar­ci­mento da Lei Kandir vinha sendo feito de forma pífia e foi com­ple­ta­mente re­vo­gado a partir da apro­vação da Emenda Cons­ti­tu­ci­onal 109, dei­xando os es­tados apenas com a obri­gação de manter a isenção do ICMS sobre ex­por­tação, porém, sem o de­vido res­sar­ci­mento, o que reduz sig­ni­fi­ca­ti­va­mente suas re­ceitas.

Ou­tras dis­tor­ções estão pre­sentes na baixa tri­bu­tação sobre he­ranças e no es­can­da­loso pla­ne­ja­mento tri­bu­tário en­vol­vendo hol­dings fa­mi­li­ares que inibem a in­ci­dência desse im­posto; a falta de in­ci­dência de IPVA sobre he­li­cóp­teros, ja­ti­nhos, iates, lan­chas e ou­tras em­bar­ca­ções e ae­ro­naves de luxo, entre ou­tras.

Os mu­ni­cí­pios

Têm perdas com as re­nún­cias pra­ti­cadas em âm­bito fe­deral (Im­posto de Renda e do IPI, por exemplo) e es­ta­dual (ICMS e ou­tros tri­butos), pois parte da ar­re­ca­dação desses tri­butos é de­vida aos mu­ni­cí­pios.

Essa in­jus­tiça afeta prin­ci­pal­mente os 3.670 mu­ni­cí­pios com po­pu­lação de até 20 mil pes­soas, lo­ca­li­zados fora da área de in­fluência econô­mica, o que os torna re­féns de apoio es­ta­dual e fe­deral.

Adi­ci­o­nal­mente, os mu­ni­cí­pios pra­ticam re­nún­cias fis­cais de ISS para atrair em­presas, con­cedem isen­ções de ISS para in­cen­tivar ex­por­ta­ções, e deixam de aplicar a pro­gres­si­vi­dade do IPTU, que pos­si­bi­li­taria ar­re­cadar mais com imó­veis de luxo e re­duzir alí­quotas de re­giões em­po­bre­cidas.

Ban­queiros e la­ti­fun­diá­rios

O re­sul­tado desse mo­delo tri­bu­tário in­justo e re­gres­sivo pode ser com­pro­vado em ta­bela di­vul­gada pela Re­ceita Fe­deral, a qual re­vela que um se­leto grupo de cerca de 26 mil con­tri­buintes re­cebe acima de 320 sa­lá­rios-mí­nimos ao mês e quase a to­ta­li­dade dessa renda pri­vi­le­giada é isenta de tri­bu­tação.

Assim, apesar de ga­nharem, em média, 717 mil reais por mês, esse se­leto grupo ficou isento de im­posto de renda, de­vido à isenção sobre lu­cros e di­vi­dendos dis­tri­buídos aos só­cios (vi­gente desde 1996, com a Lei 9.249/1995, in­to­cada por todos os go­vernos desde então), além de ou­tras isen­ções sobre de­ter­mi­nados tipos de fundos de in­ves­ti­mento.

Essa be­nesse tri­bu­tária pri­vi­legia os muito ricos ban­queiros, la­ti­fun­diá­rios, grandes em­pre­sá­rios e só­cios de mul­ti­na­ci­o­nais.

Por outro lado, as pes­soas que re­cebem sa­lário equi­va­lente ao mí­nimo ne­ces­sário cal­cu­lado pelo Di­eese, de R$ 6.754,33, en­frentam, além do custo de vida (com os tri­butos sobre o con­sumo e os efeitos da in­flação), o im­posto de renda na fonte de 27,5% e de­dução de con­tri­buição pre­vi­den­ciária de 14% em média, per­fa­zendo um total de des­contos de mais de 40% da sua renda fa­mi­liar, sub­traídas di­re­ta­mente na fonte.

Por­tanto, a es­tru­tura do mo­delo tri­bu­tário também con­corre para o acir­ra­mento da de­si­gual­dade so­cial e, jun­ta­mente com os de­mais eixos que sus­tentam o mo­delo econô­mico que atua no Brasil (po­lí­tica mo­ne­tária sui­cida pra­ti­cada pelo Banco Cen­tral, Sis­tema da Dí­vida, e o mo­delo pri­mário-ex­por­tador de com­mo­di­ties da mi­ne­ração e do grande agro­ne­gócio, ir­res­pon­sável para com as pes­soas e o am­bi­ente), produz es­cassez.

Em razão disso, é fun­da­mental que as pes­soas co­brem, nas elei­ções, de seus res­pec­tivos can­di­datos o en­fren­ta­mento das di­versas dis­tor­ções exis­tentes no mo­delo tri­bu­tário bra­si­leiro.

Elei­ções

Em re­lação à dí­vida pú­blica, a Au­di­toria Ci­dadã da Dí­vida ela­borou carta aberta aos par­tidos, acom­pa­nhada de ques­ti­o­nário a ser res­pon­dido por can­di­datos(as) que par­ti­ci­parão das pró­ximas elei­ções.

A par­ti­ci­pação ci­dadã du­rante o pe­ríodo elei­toral é fun­da­mental e pre­cisa ocorrer de forma qua­li­fi­cada e cons­ci­ente. Afinal, iremos es­co­lher, nas pró­ximas elei­ções, quem irá di­rigir o país e todos os es­tados nos pró­ximos 4 anos!

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Elei­ções 2022 e o sis­tema da dí­vida

Maria Lucia Fat­to­relli é co­or­de­na­dora Na­ci­onal da Au­di­toria Ci­dadã da Dí­vida, membro da Co­missão Bra­si­leira Jus­tiça e Paz (CBJP), or­ga­nismo da CNBB; e co­or­de­na­dora do Ob­ser­va­tório de Fi­nanças e Eco­nomia de Fran­cisco e Clara da CBJP. Es­creve men­sal­mente para o jornal Extra Classe, onde o ar­tigo foi ori­gi­nal­mente pu­bli­cado.

 

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