Promessa, educação como prioridade
Eduardo Leite promete educação como prioridade nos próximos 4 anos: veja o que ele fez e quais são seus planos para o futuro
Infraestrutura das escolas, expansão do turno integral e melhoria em matemática e português são principais obstáculos na educação pública gaúcha
13/11/2022 - MARCEL HARTMANN
Após priorizar o ajuste das contas públicas no primeiro mandato, Eduardo Leite (PSDB) voltará a governar o Rio Grande do Sul em 1º de janeiro de 2023 com a promessa de tratar a educação como preocupação número um. O tucano pretende recolocar o ensino gaúcho entre os melhores do país. A realidade das escolas e os resultados de diferentes avaliações mostram que o futuro governador terá imenso desafio nos próximos quatro anos.
Entre os grandes problemas a serem resolvidos, segundo especialistas, estão a qualidade longe do ideal do ensino público, a infraestrutura precária de centenas de escolas, o reduzido número de alunos do Ensino Médio em turno integral, o abandono escolar, a baixa valorização do Magistério e o consequente apagão de professores.
— A pandemia teve grande impacto na aprendizagem de todas as etapas. Historicamente, o Rio Grande do Sul não tem proficiências abaixo do resto do país, mas tem uma questão muito séria no aprendizado de matemática. Há uma cultura da repetência (rodar alunos) bastante permeada, existem problemas graves de infraestrutura, muitos professores trabalham em mais de uma escola, em condições precárias, sem graduação e com salário baixo. Além disso, aqui o apagão docente será mais rápido do que no Brasil, porque faltam professores em muitas áreas — diz Gregório Grisa, professor de Políticas Educacionais no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS).
Diferentes provas indicam que o Estado avançou pouco em qualidade da educação no último mandato, em grande parte devido à pandemia, que ressaltou desigualdades. Ainda assim, o Estado se beneficia historicamente de ser o quarto mais rico do país, o que ajuda estudantes a demonstrarem desempenho acima da média nacional.
Dados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) mostram que a aprendizagem de português e matemática de alunos gaúchos dos anos iniciais do Ensino Fundamental ao fim do Ensino Médio transita entre as sete melhores do país. Todavia, o ensino está longe do ideal: só 1% dos gaúchos do terceiro ano do Ensino Médio sabem o suficiente em matemática, segundo a prova Avaliar É Tri, aplicada neste ano pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc-RS) e que colheu efeitos da pandemia.
— A educação não vem sendo tratada com a prioridade que deveria nos últimos governos. Este último governo Leite é difícil de colocar no mesmo lugar de outros por causa da pandemia, que desvelou vários problemas. De acordo com as avaliações que temos, o aprendizado em português e matemática é insuficiente, então deve ser priorizado. A questão é como. Deve ser planejado com mais tempo para o professor e melhor infraestrutura das escolas — afirma Mateus Saraiva, doutor em Políticas Públicas de Educação e pesquisador na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Possíveis soluções envolvem investir na reciclagem de docentes, contratar educadores para lecionar em suas aulas de formação, expandir o turno integral e recuperar a aprendizagem prejudicada na pandemia. A despeito dos desafios, o Rio Grande do Sul tem condições de oferecer a melhor educação do Brasil, afirma a secretária de Educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira (veja as promessas para os próximos quatro anos na educação a seguir).
O que me parece claro é que o desafio é ampliar o turno integral no Ensino Médio e implementar o novo Ensino Médio. Isso envolverá investimentos em infraestrutura das escolas.
EDUARDO LEITE - Governador eleito
— Se o Estado não tiver educação pública de qualidade, haverá uma ruptura para inovação e desenvolvimento. Isso está muito claro para o governador Eduardo Leite. Temos potencial, o Estado tem a quarta melhor economia do país e nossos professores são extremamente qualificados. Há desafios sérios, mas condições para superar. Nenhuma escola poderá não ter acessibilidade, internet ou sala de professores. Caminhamos para um modelo de contratação de 40 horas com dedicação exclusiva em uma única escola. E vamos agilizar as obras de infraestrutura — disse a secretária.
Durante a pandemia, o governo Leite lançou o programa Avançar na Educação, que investiu R$ 1,2 bilhão em obras, compra de materiais tecnológicos, provas para verificar o aprendizado de jovens, cursos para professores e diretores, entre outras ações (veja ações do primeiro mandato a seguir). Foi o maior repasse à educação dos últimos 15 anos.
Em entrevista a GZH na quinta-feira (10), por telefone, Leite afirmou que o Estado ampliará os investimentos em educação nos próximos anos para realizar obras em escola e ampliar programas criados no primeiro mandato.
— Há uma série de investimentos sendo feitos em educação que não vinham sendo feitos. Pretendemos ampliar ainda mais e também avançar na carreira dos professores. O que me parece claro é que o desafio é ampliar o turno integral no Ensino Médio e implementar o novo Ensino Médio. Isso envolverá investimentos em infraestrutura das escolas. O Estado, por problemas fiscais, se fragilizou nessa área. Vamos dar condições para expansão — afirmou o governador eleito.
Questionado se manterá Raquel Teixeira como secretária, Leite afirmou que nada está definido, mas que "é uma grande secretária, conhecedora e que tem dado grande contribuição".
Veja medidas implementadas por Eduardo Leite na educação nos últimos quatro anos dentro do programa Avançar na Educação
Programa Todo Jovem na Escola, que distribui bolsas de R$ 150 por mês a 70 mil alunos do Ensino Médio para evitar o abandono da sala de aula
Programa Aprende Mais, que ofereceu cursos de reciclagem a mais de 40 mil professores de português e matemática, com incentivo financeiro de R$ 200 a R$ 600
Comprou 50 mil chromebooks para professores-regente e 90 mil para estudantes
Programa Educação no ICMS, que vincula o repasse de verba a municípios ao bom desempenho de alunos na rede municipal
Programa Agiliza Educação, que destinou diretamente no caixa das escolas R$ 228 milhões, agilizando compras e reformas
Pagamento em dia do salário de servidores públicos
Bolsas de pós-graduação em Gestão Escolar na Universidade do Estado do Rio Grande do Sul (Uergs) para diretores
Programa Merenda Melhor, que elevou em 166% o valor investido pelo Estado na alimentação de cada estudante da rede estadual
Aumento de 30% no repasse para municípios pagarem transporte escolar a 60 mil alunos, com investimento de R$ 200 milhões
Professores, diretores e pesquisadores elogiam os programas implementados, mas afirmam que são apenas os primeiros passos para colocar a educação gaúcha na elite do ensino brasileiro. Um dos maiores gargalos citados é a infraestrutura precária de escolas estaduais.
Segundo dados levantados pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), 511,5 mil alunos estudam em instituições estaduais sem ginásio ou quadra coberta e 57,6 mil não têm água potável na escola. Das 2,4 mil escolas estaduais gaúcha, 23 funcionam em paiol, galpão, rancho ou barracão. As estatísticas foram informadas por diretores no Censo Escolar de 2021, mas o Estado contesta os dados.
— Temos escola sem energia elétrica, sem água, em condições precárias. Isso precisa ser zerado da pauta. Não podemos iniciar mais um ano ouvindo que uma escola não tem condição de receber alunos. Também precisa garantir professores e funcionários nas escolas. O concurso público é algo que valoriza uma carreira e incentiva outros jovens a serem professores. Temos que valorizar os professores — diz a doutora em Educação e presidente do Conselho Estadual da Educação (CEE), órgão independente que fiscaliza o trabalho do governo do Estado, Fátima Ehlert.
A demora em reformar escolas foi admitida por Leite em entrevista à Rádio Gaúcha. Ele afirmou que mudará a burocracia interna entre Seduc e Secretaria de Obras e Habitação para agilizar. Uma saída de outros Estados é transferir engenheiros para trabalhar na Seduc a fim de dar mais autonomia para a pasta da Educação.
Uma das prejudicadas pela inércia é a Escola de Educação Especial Recanto da Alegria, localizada ao lado do Postão do IAPI, em Porto Alegre. Desde março de 2021, cerca de 40% da infraestrutura está interditada por risco de desabamento. O prédio sob risco tem cozinha e 14 salas que poderiam servir de oficinas para os 140 alunos no espectro autista, com síndrome de Down, déficit de atenção grave e outras necessidades. Rachaduras na diagonal expõem o risco de queda do prédio, o que inviabiliza o uso da pracinha equipada com brinquedos.
— A gente sente falta de uma área de lazer, o que é importante para alunos de educação especial. Os profes precisam da pracinha para o desenvolvimento pedagógico da gurizada. A criança com autismo tem um limite de tempo que aguenta em sala de aula e precisa de um período de descompressão para relaxamento. Sem pracinha, não podemos fazer isso. Ela é fundamental para as crianças — diz o diretor, Leandro Marçal.
A interdição também acabou com a sala das mães, que reunia quem mora longe da escola para aguardar os filhos em sala de aula.
— O público da escola é da Região Metropolitana, mas as mães só ganham passe livre de ônibus quando estão em deslocamento com os filhos. Tínhamos uma sala com sofá, geladeira e fogão para esperar a aula acabar, mas não tem mais. Imagina ficar esperando no banco na rua em dia de chuva e de frio — diz Carmem Krüger, mãe de Bruno, aluno de 26 anos com síndrome de Down.
Obras de maior fôlego dependem de autorização do governo, mas a gestão Leite deu vazão a reparos menores com o programa AgilizaRS, que repassou R$ 228 milhões diretamente ao caixa das escolas estaduais. Não há a burocracia de licitações, mas todas as contas devem ser prestadas ao Estado.
A Escola Estadual de Ensino Médio 1º de Maio, no bairro Navegantes, na capital gaúcha, foi uma das beneficiadas. Com R$ 130 mil que recebeu pelo programa, trocou o piso da quadra, pintou fachada e área interna, reformou banheiros, uniu a sala de informática à biblioteca e comprou 14 câmeras de vigilância.
— O dinheiro direto na escola agiliza o processo. Se temos autonomia, fazemos o que tem que fazer. Não é o suficiente para tudo o que precisamos, porque foram muitos anos sem investimento, mas foram os primeiros passos. Tomara que sigam nessa caminhada de mais investimentos — diz o diretor, Daniel Kruse.
Veja propostas de Eduardo Leite na educação do RS para os próximos quatro anos:
Agilizar obras em escolas estaduais, reduzindo burocracia do governo
Aumentar de 18 para 550 o número de escolas de Ensino Médio em turno integral (50% do total de instituições da etapa)
Fortalecer o Aprende Mais, programa criado para oferecer cursos gratuitos a professores e pós-graduação a diretores na Uergs, com auxílio-financeiro
Ampliar o programa Merenda Melhor, que complementa o valor repassado pela União e ainda oferece duas refeições diárias
Aumentar valor e número de estudantes no programa Todo Jovem na Escola, que transfere R$ 150 ao mês para jovens não abandonarem a sala de aula
Criar bolsas de estudo com incentivo financeiro de R$ 800 ao mês para alunos de licenciaturas em universidades particulares (PUCRS, UPF, Unisinos, Feevale e outras)
Desenvolver programa de aprendizagem e empreendedorismo para jovens a partir dos 14 anos
Ampliar o programa Conecta RS, com oferta de wi-fi de alta velocidade em escolas
Implementar programa de inovação para alunos no Ensino Médio no turno inverso
---------------------------------------------
Ensino Médio, evasão escolar e turno integral exigem atenção redobrada no segundo mandato de Eduardo Leite
Abandono escolar dos jovens preocupa, instiga e exige planejamento e investimento da Seduc
13/11/2022 - MARCEL HARTMANN
Eduardo Leite reassume o governo do Estado em 1º de janeiro, tendo a educação como um dos pontos desafiantes para este segundo mandato. Entre os grandes problemas a serem resolvidos pelo tucano, segundo especialistas ouvidos por GZH, estão a qualidade longe do ideal do ensino público, a infraestrutura precária de centenas de escolas, o reduzido número de alunos do Ensino Médio em turno integral, a baixa valorização do Magistério e o consequente apagão de professores. Leite precisará também reduzir a evasão escolar, acentuada pela pandemia, que levou jovens ao mercado de trabalho. Em 2021, 59,9% dos gaúchos haviam terminado a escola até 19 anos, em vez de 17 anos, proporção abaixo da média nacional, de 65%.
Um programa de busca ativa conseguiu reinserir 37.518 jovens, segundo levantamento da Secretaria Estadual da Educação (Seduc). Outra das medidas postas em prática é o programa Todo Jovem na Escola, que transfere R$ 150 ao mês para 70 mil alunos da rede pública - a medida deve ser expandida nos próximos anos. Uma aluna de 17 anos da Escola 1º de Maio é uma das beneficiadas.
— Eu sou pobre, né, então faz diferença. Minha mãe usa o dinheiro para comprar comida. Tá tudo caro, então não dá para comprar muito, mas é melhor do que nada. Minha mãe não me deixa faltar, senão podem cortar a bolsa — diz a estudante do 1º ano do Ensino Médio.
O auxílio-financeiro virá a calhar ao lado de outra promessa de Leite: implementar turno integral em 50% das escolas de Ensino Médio - o equivalente a cerca de 550 instituições - hoje, há em apenas 18. Nos primeiros quatro anos, nenhuma escola estadual foi incluída na modalidade, culpa da pandemia, segundo a Seduc. Hoje, só 2,6% dos alunos mais velhos têm aula o dia inteiro - no Brasil, são 12,4%, segundo a ONG Todos Pela Educação.
Aumentar a carga horária das escolas, todavia, envolve contratar mais professores, oferecer mais merenda escolar, contar com salas de aula e espaços para outras atividades, além de de desenvolver conteúdo - não basta, afinal, apenas deixar os alunos matando tempo no pátio.
— O Brasil é um dos países com menor número de horas na escola. Ainda temos a mentalidade de que é suficiente ir na escola de manhã ou de tarde. Na Europa, na América do Norte e em outros países desenvolvidos, as crianças têm de seis a sete horas de aula por dia. Aumentar a jornada implica ter espaços qualificados e mais profissionais, melhorar a remuneração dos professores, fazer reformas em escolas, ter conectividade, cancha coberta, auditório, laboratórios e biblioteca — destaca Maria Beatriz Luce, professora de Políticas Públicas da Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pesquisadora há mais de 50 anos no tema.
Para combater o problema, o Estado ampliou a carga horária semanal de português e matemática e contratou novos professores - houve, todavia, dificuldade em recrutar docentes, e muitos profissionais da matemática sequer são formados. Uma das medidas que pode ajudar, no longo prazo, é um programa desenhado pela equipe de Leite: a oferta de 1 mil bolsas de estudo para professores em faculdades comunitárias gaúchas, de forma a incentiva a formação de docentes, como mostrou GZH na quarta-feira (9). A ideia é que cada aluno receba R$ 800 ao mês como auxílio-financeiro.
Presidente do Cpers-Sindicato, que representa professores estaduais, Helenir Aguiar traz três grandes críticas à gestão Leite que precisam melhorar no próximo mandato: escolas sucateadas, falta de diálogo com o governador e mudanças no plano de carreira e salários de docentes.
Piso dos professores
O governo do Estado passou a pagar o piso nacional da carreira e aumentou 32% o salário de professores. A mudança beneficiou mais profissionais no início de carreira e em contrato emergencial - docentes com anos de carreira tiveram incremento de apenas 7%, diz a presidente do Cpers.
Evasão escolar é um dos desafios da educação neste segundo governo de Eduardo Leite.
Anselmo Cunha / Agencia RBS
Ao mesmo tempo, ela elogia a criação de programas de formação, de bolsas de estudo a professores e diretores. Helenir define a secretária de Educação, Raquel Teixeira, como “alguém extremamente qualificada, que ouve e com quem é possível manter diálogo”, mas que muitas ações não têm andamento no resto do governo. Questionada, a secretária de Educação não confirmou se permanecerá no cargo nos próximos quatro anos e que a decisão é de Leite.
— O que tivemos nos últimos quatro anos foram coisas pontuais e pequenas se virmos o todo dos problemas da educação. O Rio Grande do Sul regrediu muito nas avaliações educacionais. Conseguimos estabelecer diálogo com a secretária Raquel. O Faisal tinha desconhecimento total da educação, o que não podemos dizer da Raquel, que é extremamente qualificada. Mas muitas coisas que colocamos, e ela inclusive concorda, não tinham andamento no governo. Esperamos diálogo nos próximos anos, além de valorização da carreira do professor e aumento salarial — diz Helenir.
Para priorizar a educação, será necessário maior repasse de recursos. Em 2021, o Estado destinou R$ 11,6 bilhões para a área, o equivalente a 25,77% da receita líquida de impostos e transferências, de acordo com o relatório e parecer prévio das contas do governador do Rio Grande do Sul e o Sistema Finanças Públicas do Estado. É o maior valor desde 2010, mas, em relação ao montante arrecadado com impostos, o menor em 11 anos. Além disso, R$ 6,9 bilhões foram destinados para o salário de aposentados.
— Esse é um problema que se verifica há longo tempo. É necessário um esforço do Estado para gradativamente excluir os inativos do cômputo e reservar os recursos da manutenção e desenvolvimento do ensino de fato para manutenção e desenvolvimento do ensino — diz Cezar Miola, presidente da Atricon.