Enem, separar alunos para melhorar
Enem: escolas separam alunos por unidade para melhorar resultados
Dados foram obtidos com exclusividade pelo EXTRA Com pesquisadores da edtech AIO Educação, que retiraram informação diretamente da sala segura do Inep
O colégio Objetivo da avenida Paulista ocupa, ao mesmo tempo, o 8º e o 735º lugar no ranking das melhores notas do Enem. A explicação para tamanha discrepância está numa prática que se repete em outras escolas: a separação de alunos com maior proficiência em unidades ou CNPJs diferentes para melhorar os resultados do exame.
O Objetivo da Paulista tem duas escolas cadastradas no Inep, ambas ficam exatamente no mesmo endereço. Uma é conhecida como “Objetivo Integrado” e tem 183 estudantes matriculados e uma nota média de 725,5 pontos no último Enem. A unidade “convencional”, por assim dizer, tem 998 alunos e uma nota média menor: de 644,5 pontos.
Os dados de desempenho do Enem por escola, obtidos com exclusividade pelo GLOBO, não são divulgados há três anos. Eles foram retirados em sala segura do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap), do Inep, entre 31 de julho e 3 de agosto deste ano e fazem parte da pesquisa “Análise da evolução e disparidades nas notas do Enem”, promovida pela edtech AIO Educação, de autoria dos pesquisadores Paulo Vivas, Murilo Vasconcelos e Mateus Prado.
O EXTRA entrou em contato com o Objetivo Integrado e foi informado de que apenas alunos selecionados podem se matricular, embora o material e professor sejam os mesmos. A maioria dos estudantes, disse uma atendente, participa há anos de olimpíadas e conta com bolsa de estudos.
— Algumas grandes redes particulares concentram seus alunos de maior proficiência em apenas uma unidade, para elevar a média da escola e alavancar a imagem da rede como um todo. Trata-se de uma prática comercial e predatória. Acaba promovendo uma falsa ideia de que todas as unidades daquele grupo têm o mesmo desempenho. Por isso, é importante analisar os dados do Enem por escola de maneira criteriosa. — afirma Mateus Prado, especialista em ENEM e em TRI da AIO Educação.
Para ele, o Inep teria “mil maneiras” de expor quais escolas separam alunos, inclusive as públicas.
— Todas as escolas públicas melhores classificadas são escolas que selecionam alunos (realizam algum tipo de vestibular). A escola pública de melhor nota depois das que selecionam alunos é só a 1.444 nacional.
Colégio com a média mais alta no Enem, o Farias Brito é outro que repete essa estratégia. Duas das cinco escolas da rede funcionam num mesmo prédio em Fortaleza, no Ceará, mas foram registradas separadamente. Como a unidade fica em uma esquina, os endereços fornecidos ao Inep são de entradas diferentes do colégio, em ruas perpendiculares, distantes 150 metros uma da outra.
O Farias Brito Colégio de Aplicação é o número 1 do Enem, com uma nota média de 776,7 pontos. Lá, estavam matriculados, segundo o último Censo, 94 alunos. Bem diferente do Farias Brito Pré-Vestibular Aldeota, que tinha quase o triplo de alunos e média de 673,2 no Enem — ocupando, assim, a 166ª posição do ranking.
O colégio Classe A, em Campo Grande (MS), foi outro que registrou duas unidades de ensino em um mesmo prédio usando entradas diferentes como endereços. Numa das ruas, está registrado uma escola no Inep com 55 alunos, com média de 707,2 pontos no Enem. Na outra, está registrado outro colégio, de média 633,4 e 307 alunos.
Em nota, o Objetivo disse que todos os alunos com boas notas são convidados a participar do Colégio Objetivo Integrado. “Entram se desejarem. Alguns preferem continuar no Colégio Objetivo, porém não no Integrado”, afirmou a escola, complementando que é natural que alunos dedicados desejem permanecer na escola até mais tarde e queiram se reunir na mesma sala, no mesmo colégio, para aprimorar os estudos e debater sobre assuntos específicos. “O Colégio Objetivo Integrado foi criado para eles”, acrescenta a nota. Procurados, Farias Brito e Classe A não responderam.
Depois da publicação da reportagem, o Inep publicou uma informando que disponibiliza acesso às bases de dados produzidos pela Autarquia para todos os pedidos formulados por pesquisadores, conforme protocolo estabelecido na portaria 637, de 2019: "O Inep desconhece a metodologia utilizada na pesquisa exposta na matéria, ao tempo em que informa que os resultados apresentados são de inteira responsabilidade do(s) pesquisador(es) mencionados", afirmou o instituto.
Veja a nota completa:
O Instituto disponibiliza acesso às bases de dados produzidos pela Autarquia para todos os pedidos formulados por pesquisadores, conforme protocolo estabelecido na Portaria Inep nº 637, de 17 de julho de 2019. Cabe pontuar que, ao ter a requisição de acesso aprovada, o solicitante vincula-se ao Termo de Compromisso e Manutenção de Sigilo instituído pelo Inep. Desse modo, ficam permitidas apenas extrações de resultados cujo conteúdo não possibilite a identificação de dados pessoais. Tal restrição tem por objetivo resguardar informações pessoais ou protegidas, nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O Inep desconhece a metodologia utilizada na pesquisa exposta na matéria, ao tempo em que informa que os resultados apresentados são de inteira responsabilidade do(s) pesquisador(es) mencionados. Portanto, não cabe ao Instituto responder pela qualidade das informações produzidas.
O Inep ressalta, ainda, que instituiu um Comitê Técnico de Governança de Dados e que, em breve, irá disponibilizar novos formatos de microdados para os exames e avaliações da educação básica adequados aos critérios da LGPD.
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