Ensinamentos da repressão de 2013
O que nos ensina a brutal repressão às Jornadas de 2013
“O CLIMA ERA DIFERENTE DO QUE SE VIA NAS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013, DOMINADAS POR JOVENS E EMBATES COM A POLÍCIA. NESTE 15 DE MARÇO [DE 2016], TURMAS TIRAVAM SELFIES COM A TROPA DE CHOQUE E POLICIAIS ATRAÍAM ADMIRADORES”.
Este comentário de jornalistas da Folha de São Paulo sobre as manifestações de 2015-16, dirigidas por organizações de direita e extrema-direita, “contra o comunismo” e pelo impeachment de Dilma Roussef fala muito sobre as gritantes diferenças, de essência, entre esses eventos e as Jornadas de Junho de 2013. O velho Estado brasileiro, nestas últimas, através das suas forças de repressão (polícias militares, polícia civil e judiciário) não se solidarizaram com os manifestantes, mas os atacaram, criminalizando ativistas e utilizando seu aparato de dissolução dos manifestantes, em larga e indiscriminada escala. Muito diferente fora em 2016, como também ocorreria mais à frente, em 08 de janeiro de 2023 na invasão e ataque às sedes dos Três Poderes em Brasília clamando por golpe militar de Estado, que contou com o beneplácito do próprio comando do Exército reacionário.
No início, toda a imprensa monopolista e figuras que posam hoje de “liberais democráticos”, como Reinaldo Azevedo, fizeram a campanha contra os manifestantes, os tachando de vagabundos e vândalos. A própria violência policial que feriu jornalistas com tiros de balas de borracha no olho, desfigurando-os e cegando-os (quando o protocolo, nunca seguido, diz para não atirar acima da cintura ou à queima roupa), impulsionou os protestos massivos. Como não poderia deixar de ser.
Mas, ao mérito, a onda de brutal repressão às Jornadas de Junho de 2013 foi a resposta central das classes dominantes, para intimidar sobretudo a juventude combatente. Entre janeiro de 2014 e junho de 2015, 849 pessoas foram detidas arbitrariamente só em São Paulo e no Rio de Janeiro, em 740 protestos; sete pessoas morreram. Em outubro de 2013, durante a greve dos professores no RJ, a polícia usou gases Blue Hell, proibido pela ONU, considerado arma letal.
Detenções policiais arbitrárias e generalizadas foram outra estratégia para dispersar as massas que protestavam: segundo Relatório da organização “Artigo 19” sobre 2013, em 13 de junho em São Paulo foram 235 detidos e mais de 100 feridos, sendo 2 detidos e sendo 22 feridos jornalistas que cobriam a manifestação. No RJ, em outubro de 2013, durante a ocupação de praça na frente da Câmara Municipal, um protesto contra os gastos abusivos e corrupção da Copa da FIFA, 64 pessoas foram presas e 20 menores apreendidos em flagrante. Desse total, 27 foram autuadas com base na nova Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013). Nas outras cidades, detenções após manifestações foram a norma. Em 2014, no contexto da Copa, em duas manifestações em São Paulo, foram presas 297 pessoas.
Ademais, de 2013 para cá, foram criados mais de 70 projetos de leis que criminalizam manifestantes. As leis variam entre criação de novos crimes que enquadram atos comuns e naturais em protestos, como bloqueio de vias e uso de máscaras, até algo superior, como a Lei Antiterrorismo, até o absurdo e inacreditável intento de regulamentar o direito ao protesto, como a necessidade de protocolar aviso prévio para realizar manifestações, sem o que seriam consideradas ilegais e sofreria certamente a dura sanção da repressão.
A Lei Antiterrorismo, como o principal legado de restrição brutal do direito do povo de lutar pelos seus direitos, é vaga a ponto de definir como terrorismo “criar pânico social” com fins políticos. Ora, um protesto, sendo um resultado natural e espontâneo de genuína indignação e enfrentando a repressão policial sempre que se torna um incômodo, como ocorre em todos os países do mundo, frequentemente recorre à violência em resposta; e as pautas de um protesto são, sempre, direta ou indiretamente, em menor ou maior grau, políticas. Se isso cria “pânico social”, é um juízo extremamente relativo. A repressão policial, causando pânico social e em defesa dos interesses do governo (portanto, políticos), poderia também, pela lógica, ser enquadrada na lei antiterrorista. Como se vê, a lei é um instrumento arbitrário para penalizar quem quer que queiram os grupos de poder mais fortes na estrutura do velho Estado.
Por fim, utilizando-se de medidas como infiltração policial e grampos, farsas processuais foram montadas contra ativistas que participaram dos protestos. Os casos mais abrangentes foram no RJ e RS. No Rio de Janeiro, 23 participantes de protestos em 2013 e 2014 foram condenados, com penas de 5 a 7 anos de prisão pelo suposto crime de organização criminosa (formação de quadrilha). Este processo ainda se encontra em fase de recursos. Em Porto Alegre, sete ativistas foram processados sob a acusação de associação criminosa, dano e furto qualificado, explosão e lesão corporal. E Rafael Braga, jovem pobre condenado por portar desinfetante próximo a passeata, foi um recado da repressão para as massas mais oprimidas: não se envolvam em protestos, pois o custo será alto.
A repressão às manifestações populares por direitos se tornou a regra após 2013, agora com leis mais duras de criminalização e aparatos de vigilância e controle mais desenvolvidos. Durante as grandes manifestações nacionais contra a reforma trabalhista de Temer, em 2017, todo o repertório foi aplicado a rodo: bombas, gases e balas de borracha para dispersar a multidão. Isso claramente é um atentado ao direito de manifestação e de luta popular pelos seus direitos. Processos baseados em ideias como o dos 23 da Copa são atentados ao direito de livre expressão e opinião. Os “ovos da serpente fascista” já estavam presentes em 2013: não eram as manifestações e nem as Jornadas de Junho, e sim a reação, disposta a recorrer ao impulsionamento de medidas de restrição de direitos e elementos do fascismo para dar uma resposta àqueles protestos. Essa reação contou, e segue contando, com a colaboração de uma “esquerda” que diz ser necessário conciliar e sujeitar-se à reação em nome da “governabilidade”, que só favorece – como não poderia deixar de ser – as classes dominantes e prepara o caminho ao fascismo. Basta perguntar: quem ganha com o enfraquecimento dos direitos e liberdades democráticos dos ativistas populares e lutadores? Quem ganha impedindo o povo pobre de lutar contra a pauperização, por saúde e educação de qualidade e gratuitas, contra o desemprego e a violência policial? Está claro a quem serviram e seguem servindo todos os que corroboram com a repressão às Jornadas de Junho e à sua demonização.
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