Ensino híbrido e idiota digital

Ensino híbrido e idiota digital

O ensino híbrido e a produção do idiota digital feliz

“ A Fábrica de Cretinos Digitais: os perigos das telas para nossos filhos” (com tradução para o espanhol pela Ed. PENINSULA, 2020) é o nome do último livro do neurocientista Michel Desmurget. Ele é diretor do Instituto Nacional de Saúde da França.

Em posts anteriores (veja aqui e aqui) havíamos mostrado como os norte-americanos estavam reagindo à invasão das telas nas escolas americanas com a produção de leis e normas que visam proteger seus filhos da excessiva exposição a dispositivos eletrônicos – especialmente através de plataformas de aprendizagens híbridas ou à distância.

O alerta agora vem da Europa. Em entrevista à BBC, Desmurget, comenta seu livro que apresenta dados concretos sobre como os dispositivos digitais estão prejudicando o desenvolvimento neurológico das crianças e jovens.

“Simplesmente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento”, alerta o especialista em entrevista à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC. As evidências são palpáveis: já há um tempo que o testes de QI têm apontado que as novas gerações são menos inteligentes que anteriores.”

Veja a entrevista aqui em português.

Também em entrevista a Ima Sanchís, publicada por La Vanguardia ele afirma:

“Quanto mais os países investem em tecnologias da informação e comunicação (TICs) aplicadas à educação, mais baixo o rendimento dos estudantes. Quanto mais tempo os alunos passam com estas tecnologias, mais pioram suas qualificações.”

Veja a entrevista aqui em português.

Tanto a OMS como os especialistas estão alertando, portanto, para os efeitos nocivos desta “solução” tecnológica que agora promete assolar a educação brasileira em sua forma presencial (híbrida) ou à distância. É grana, muita grana, portanto, os estudos críticos tendem a ser ignorados como aconteceu com o cigarro, com a questão climática e tantos outros temas caros às grandes corporações compromissadas com seus acionistas e não com a qualidade de vida.

Há o perigo real de que as escolas públicas, com a desculpa da alfabetização digital, sejam povoadas por plataformas híbridas de baixo custo, rebaixando a qualidade da formação da juventude, enquanto as escolas privadas de elite preservem seus filhos destas soluções, aumentando ainda mais a desigualdade educacional.

Como alerta reportagem de Pablo Guimón, publicada por El País em 2019:

“Escolas de todo o mundo se esforçam para introduzir computadores, tablets, quadros interativos e outros prodígios tecnológicos. Mas aqui, no Waldorf of Peninsula, uma escola particular onde são educados os filhos de administradores da Apple, Google e outros gigantes tecnológicos que rodeiam esta antiga fazenda na Baía de São Francisco, as telas só entram quando eles chegam ao secundário (o ensino médio).”

Desmurget afirma em entrevista à BBC:

“Um aumento das desigualdades sociais e uma divisão progressiva da nossa sociedade entre uma minoria de crianças preservadas desta “orgia digital” — os chamados alfas do livro de Huxley —, que possuirão, através da cultura e da linguagem, todas as ferramentas necessárias pensar e refletir sobre o mundo, e uma maioria de crianças com ferramentas cognitivas e culturais limitadas — os chamados gamas na mesma obra —, incapazes de compreender o mundo e agir como cidadãos cultos.”

Nos Estados Unidos, os pais estão assumindo a tarefa de controlar a exposição que seus filhos estão tendo nas escolas e estão pressionando por leis que regulem, em base à ciência, o tempo de exposição a telas. Não se trata de eliminar a experiência da juventude com as técnicas digitais, trata-se de colocá-las a serviço da vida e da saúde e retirá-las do controle hegemônico das grandes corporações e preservar a autonomia do professor.

Na opinião do neurocientista, até seis anos as crianças devem ficam fora das telas. Depois desta idade é tolerável que o tempo de tela possa chegar a uma hora por dia.

A desculpa de que o ensino é hibrido e, portanto, combinado com a ação de um “professor” em sala de aula não melhora o problema.

Primeiro, o professor da sala estará desprofissionalizado e desqualificado, além de ser imobilizado pelas plataformas que são realmente as que comandam o ensino em sala de aula; segundo, suas funções estarão redefinidas para, no melhor dos casos, um “tutor” que responde algumas dúvidas ou faz algumas atividades entre uma sessão on line e outra; terceiro, haverá a tendência a que se responda às dúvidas dos alunos com mais ensino on line – guiado pela própria plataforma ou pelo tutor -, quarto, tudo isso será acompanhado de estagnação ou redução salarial do agora “tutor” ou “técnico em educação”. No caso das escolas on line à distância, o problema se multiplica.

Nos Estados Unidos, há evidência clara dos excessos praticados nas escolas que decidiram utilizar plataformas de aprendizagem. O movimento que orienta os pais lista os problemas encontrados com uma destas empresas:

“Em pelo menos 16 estados, os pais recuaram devido ao tempo excessivo de tela que o Summit Learning exige, com alguns alunos relatando que eles estão gastando até três horas por dia em computadores. Os pais também observaram que grande parte do currículo é de baixa qualidade, que seus filhos estão tendo problemas de saúde e ansiedade como resultado, e que eles estão preocupados com a quantidade volumosa de dados pessoais dos alunos fluindo para mãos privadas e corporativas através da plataforma, inclusive para o Facebook e agora CZI, especialmente Zuckerberg que tem sido um infrator reincidente quando se trata de privacidade do consumidor.

Embora a Summit afirme que cada aluno recebe pelo menos dez minutos por semana com um professor “mentor”, muitos dos alunos dizem que não recebem muito tempo individual com seus professores. Os pais têm observado que seus filhos ficaram tão entediados e infelizes que queriam abandonar a escola e, em alguns casos, as famílias transferiram seus filhos para escolas particulares, decidiram educá-los em casa ou sair do distrito.”

Aqui estão algumas perguntas que os pais e alunos devem fazer à escola se estiverem considerando ou se adotarem uma plataforma, segundo o documento:

Onde está a pesquisa independente revisada por pares que indica que a plataforma ajuda os alunos a aprender?

Quantas horas os estudantes gastarão em computadores e quanto feedback eles receberão? Quanta oportunidade os alunos terão para fazer perguntas e participar de discussões em sala de aula e debate?

Foi feita alguma análise para ver se o currículo da plataforma está alinhado com os padrões de aprendizagem, e se sim, onde está essa análise?

O programa foi adotado com o pleno conhecimento e consentimento dos pais, professores e/ou lideranças do município?

A escola tem um contrato escrito e, em caso afirmativo, o contrato cumpre com as leis estaduais e federais de privacidade dos dados dos estudantes?

Os pais poderão desativar as informações do cadastro de seus filhos (nome, endereço de e-mail, etc.) a serem divulgados, e/ou excluir os dados uma vez que tenham sido divulgados, de acordo com as políticas de privacidade da empresa?

Que supervisão está sendo empregada pela escola ou distrito para garantir que os dados dos alunos não sejam violados, da mesma forma que a informação pessoal em sido violada no Facebook?

Leia íntegra do Kit para os pais aqui (inglês).

 

https://avaliacaoeducacional.com/2020/10/31/o-ensino-hibrido-e-a-producao-do-idiota-digital-feliz/ 




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