Ensino híbrido
Ensino híbrido ganha espaço na educação básica
Já comum no ensino superior, modalidade combina ensino presencial e a distância; crescimento é resultado de avanços tecnológicos
01 de abril de 2019
SÃO PAULO - Liz Honorato Parente tem 8 anos e um conhecimento sobre pássaros de deixar os adultos boquiabertos. Reconhece alguns pelo formato do bico, tonalidade da penugem e até forma de voar. O estudo dessas aves é o tema da pesquisa individual que desenvolve na escola Lumiar, na região central de São Paulo, onde cursa o primeiro ciclo do ensino fundamental. Durante a aula, a garota recebe as orientações, mas toda a exploração é feita fora dos muros do colégio: tanto em vídeos e textos na internet como nos parques da capital.
Já comum no ensino superior, o ensino híbrido – modalidade de aprendizagem que combina ensino presencial e a distância (EAD) – tem ganhado cada vez mais espaço na educação básica. O crescimento é resultado dos avanços tecnológicos e, nas escolas de educação básica, surge principalmente como ferramenta para implementação da metodologia.
Escola Lumiar, em São Paulo, tem ensino hibrido na educação básica Foto: Gabriela Biló/Estadão
“A Lumiar reconhece o estudante em toda a sua potencialidade e organiza o currículo com atividades que o levam a desenvolver uma gama de competências fundamentais, como autonomia e responsabilidade”, diz Fabia Apolinario, gerente de implementação pedagógica. “Nesse aspecto, quando pensamos em ensino híbrido, criamos oportunidades para que essa criança ou adolescente possa coplanejar os objetivos de aprendizagem e as etapas de suas atividades.”
Para os especialistas, o formato é um amadurecimento de uma vocação já bem brasileira. “O Brasil tem uma tradição forte na questão da lição de casa, que já caracteriza uma atividade a distância. O que o modelo híbrido faz é incentivar um pouco mais isso, mas desta vez com atividades mais atrativas e com maior protagonismo das ações coletivas”, afirma João Mattar, vice-presidente da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional. “Além disso, o ensino híbrido já é um aperitivo para quem, talvez, vá escolher um curso superior totalmente a distância. Não faz sentido deixar o aluno ficar até seus 17 anos em modelos totalmente presenciais.”
Para trabalhar o tema “cultura” com alunos de ensino médio no colégio Mary Ward, a professora de leitura e letramento Elaine Cristine Fernandes da Silva organizou a turma em grupos relacionados a tópicos como cultura popular, cultura erudita e cultura de massa e deu aos alunos a tarefa de buscar as referências, deixando os momentos em sala de aula para mediar o andamento dos trabalhos. Cada grupo produzirá um blog, que será visto e comentado pelos colegas. “Isso é metodologia ativa. O professor se torna um mediador e os alunos têm mais chance de, por meio da tecnologia, gerir o próprio aprendizado. Isso enriquece muito o repertório deles”, diz a educadora.
Um dos pioneiros no uso do ensino híbrido no ensino fundamental, o colégio Dante Alighieri tem até um case sobre o assunto. Em 2009, quando o surto de H1N1 obrigou muitas escolas a suspender as aulas, a escola manteve a aplicação do conteúdo pela plataforma online. Por uma questão curricular, a coordenação também marcou aulas de reposição in loco. “Mas, quando no meio tempo a Diretoria Regional de Educação viu os relatórios da produção dos alunos online, liberou o Dante para cancelar as presenciais, pois o currículo estava em dia. A partir disso, passamos a respeitar mais a plataforma e ampliar seu uso”, conta a diretora, Valdenice Minatel.
Formação de professores
Para que o uso do ensino híbrido na educação básica ganhe escala, é preciso não apenas investir nas ferramentas mas também na formação dos professores que irão administrá-las. Desde 2018, o professor Alan Cordeiro Fagundes, filiado à Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), oferece uma oficina gratuita e online para ensinar o uso de Metodologias Ativas a professores das redes pública e privada. "Explicamos como usar as plataformas e pedimos que os professores tragam casos concretos que têm em sala de aula para trabalhamos propostas juntos", explica Cordeiro. Uma das recomendações do curso é que os docentes reorganizem os materiais. "Deve-se parcelar os conteúdos em vídeos, atividades etc. Não dá para fazer o ensino híbrido com material muito adensado."
Outras instituições oferecem a própria estruturação de uma disciplina para o formato híbrido. A CS Plus, startup criada pela escola de programação e robótica Super Geeks, auxilia a instalar o ensino de Ciência da Computação nas escolas. “Instalamos nossa plataforma, treinamos os professores e oferecemos suporte no dia a dia para que possam trabalhar programação sem a necessidade de serem programador seniores”, explica Marco Giroto, fundador da Supergeeks.
Uma das escolas atendidas é o Colégio CEM, em Concórdia, a 466 km de Florianópolis. A escola transformou Ciência da Computação em disciplina obrigatória da pré-escola ao ensino médio. “Várias outras escolas estão no procurando, até porque cultura digital é uma das competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).”
EAD fica mais próximo do ensino híbrido
Fronteiras entre cursos presenciais e a distância estão cada vez menores, com crescimento dos chamados semipresenciais
29 de janeiro de 2019
Salas de aula mais conectadas e um ensino a distância (EAD) permeado por mais encontros presenciais podem se tornar a nova regra na educação dentro de alguns anos. É com essa perspectiva que as instituições de ensino trabalham. A aposta para o futuro é na quebra de barreiras entre EAD e ensino tradicional, e os investimentos para que isso ocorra já estão em andamento.
Embora seja quase tão recente quanto o próprio EAD no ensino superior, o modelo híbrido – que conecta educação a distância com presencial – cresceu acima da média nos últimos anos. Para cada curso 100% a distância inaugurado entre 2016 e 2017, outros quatro semipresenciais surgiram, de acordo com levantamento da Associação Brasileira de Ensino (Abed).
No entanto, especialistas dizem que a tendência é que exista cada vez menos diferença entre uma coisa e outra. E os cursos prometem aproveitar vantagens de cada modalidade. Aulas e conteúdos para leitura são oferecidos nas plataformas online, a distância. Nos encontros presenciais, há atividades práticas, apresentações e discussões em grupo.
A flexibilidade facilitou a vida da administradora Renata Conceição, de 43 anos, que faz uma pós-graduação semipresencial de Neurociência do Consumidor, na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Encarregada da área de venda publicitária em uma multinacional, Renata esteve a trabalho em dez países desde que se matriculou no curso, há seis meses. A rotina de viagens atrapalhou um pouco os estudos e, mesmo com residência fixa em Miami, nos Estados Unidos, ela conseguiu ir até agora a todos os encontros bimestrais com os colegas em São Paulo. O curso tem 35% de carga horária presencial e duas aulas semanais a distância que exigem conexão ao vivo por duas horas.
“A falta de tempo e disponibilidade para estar em um local, para me comprometer a participar de aulas presenciais, fez com que eu buscasse alternativas para poder atender à minha necessidade de continuar estudando”, conta. As conexões podem ser feitas a partir de qualquer dispositivo com internet. “Outro dia estava no trânsito e comecei a participar das aulas via celular, e funciona perfeitamente. Normalmente me conecto via notebook.”
Em alguns formatos, esses cursos semipresenciais têm de um a três encontros por semana. Em outros, ocorrem mensalmente ou a cada dois meses, ao fim de cada módulo do curso.
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No horizonte das instituições especializadas em EAD, estão também ajustes no uso de tecnologias e o aumento no uso das chamadas metodologias ativas de ensino – quando os alunos preparam apresentações, trabalhos em grupo, fazem estudo de casos reais, e propõem soluções para problemas relacionados à profissão. As metodologias ativas já são unanimidade em cursos presenciais de faculdades particulares, ao menos em relação à sua importância no desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais.
“Eu vejo que há todo um movimento de mercado, mesmo nas ofertas presenciais, migrando para ter componentes online”, diz o diretor de ensino digital da EAD Laureate, Ricardo Ponsirenas, que vê o semipresencial como tendência. A empresa é responsável pelo conteúdo de cursos à distância de instituições como a Anhembi Morumbi e o centro educacional Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
Um exemplo é o uso de algoritmos para identificar em quais aulas os alunos têm mais dificuldade. Segundo Ponsirenas, a Laureate usa softwares para avaliar o desempenho dos estudantes em atividades e ajudar o professor a formular novas aulas no fim de cada semestre, com foco nos conteúdos menos absorvidos. A intenção é adaptar a metodologia às características de cada turma e, no limite, a cada aluno.
“Os componentes de tecnologia que a gente utiliza para atender cada disciplina chega a ser completamente diferente de um curso para o outro”, diz o diretor. “O diferencial, agora, é que as instituições vão buscar mais propósito no uso dessas tecnologias. Não usar só a realidade virtual pela realidade virtual, por exemplo.”
A adoção de novas metodologias ocorre em um momento de reorganização de um mercado cada vez mais competitivo. No fim de 2017, uma nova regulamentação facilitou a abertura de cursos a distância. O governo federal retirou a exigência de carga horária presencial mínima nos cursos EAD, acabou com a obrigatoriedade das visitas prévias às escolas antes da inauguração de cursos, e deu autonomia às instituições na criação de novos polos de apoio ao EAD – desde que cumpram parâmetros de qualidade definidos pelo Ministério da Educação (MEC).
As mudanças impulsionaram um aumento de mais de 100% na quantidade de polos no Brasil ao longo de 2018. Eram cerca de 6,5 mil antes das novas regras, e hoje são mais de 15 mil. Atualmente, há mais de 6 milhões de vagas nos cursos a distância apenas na graduação, segundo dados do MEC. Elas estão distribuídas em cerca de 3 mil cursos. Depois, no fim de 2018, outra mudança: o porcentual da carga horária de graduação que pode ser oferecida em EAD passou de 20% para 40%.
Hoje, a maior parte dos alunos de EAD está concentrada na área de Ciências Sociais Aplicadas, que vai da Administração ao Direito. São mais de 1,3 mil cursos nessa categoria, ou 45% do total. Na graduação, os alunos de Administração concentram a demanda no EAD, com mais de 39 mil vagas. Em seguida vêm os cursos de Ciências Contábeis, Educação Física e o tecnólogo em Gestão de Recursos Humanos.
Formação docente
No início da implementação da modalidade no País, os cursos a distância cresceram em áreas como a Pedagogia e Administração. Isso ocorreu, em parte, na esteira na política do governo federal de alavancar a formação de professores para o ensino básico por meio do EAD. Outro fator que contribuiu para o crescimento dos cursos da área foi a necessidade de investimento, que em Ciências Sociais Aplicadas é menor do que, por exemplo, na Saúde, pois não exige infraestrutura em laboratórios.
Hoje, no entanto, a modalidade está em expansão em novos setores. A área de Engenharia, Produção e Construção já é a terceira em número de cursos a distância no Brasil – atrás das Ciências Sociais Aplicadas e da área de Educação. Engenharia Civil está entre as dez graduações com maior quantidade de vagas, e Engenharia de Produção, entre os dez cursos mais ofertados à distância.
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Segundo especialistas, a nova regulamentação também facilitou a entrada no mercado de escolas que antes não ofereciam EAD. O estudo Censo EAD.BR, organizado pela Abed, identificou um aumento de instituições entre 2017 e 2018. A pesquisa constatou ainda que 30% dos polos surgiram em cidades que não tinham nenhum centro de apoio.
Para a coordenadora do estudo, Betina Von Staa, a ascensão do modelo semipresencial faz parte do cenário de crescimento. “O futuro da educação é híbrido. O presente da educação já deveria ser. A gente está atrasado, porque isso é normal em vários países que não se chamam Brasil”, diz.
“Em muito pouco tempo, vamos deixar de falar em educação a distância e educação presencial”, concorda o pró-reitor de Educação Continuada da ESPM, Tatsuo Iwata. “A gente vive dentro de um contexto híbrido. O seu contexto de trabalho é híbrido: parte é feito via celular, por meio de tecnologias, e parte é feito presencialmente. A vida é assim. Em educação, não faz sentido separar essa modalidades.”
Abandono
Um problema, porém, ainda preocupa o setor. A evasão no EAD é historicamente mais alta do que no ensino presencial. As taxas de abandono em cursos a distância ficam em torno de 35% antes 29% do convencional. Isso tem motivado instituições educacionais a investirem em diferentes estratégias para reduzir o problema e reter alunos.
A especialista em EAD Betina Von Staa; 'em pouco tempo, vamos deixar de separar educação
a distância de educação presencial' Foto: Bruno Augusto de Barros
O esforço envolve desde análise de grandes bases de dados, o chamado Big Data, para entender em quais situações os estudantes deixam os cursos, até o aumento de serviços de aconselhamento. Algumas escolas monitoram estudantes que deixam de entrar no ambiente virtual ou têm queda no desempenho, e então fazem conversas presenciais para tentar resolver o problema – propõem novos métodos de estudo, sugerem transferência para outro curso ou o conectam com o mercado de trabalho. “Todo mundo está preocupadíssimo (com a evasão) e agindo. Não tem ninguém parado”, diz Betina.
A unanimidade entre especialistas é que o EAD normalmente se adapta melhor a um perfil de aluno mais organizado, que consegue planejar a própria rotina de estudos e a encaixe no dia a dia. Em geral, o aluno é mais velho. No País, a média de idade nas graduações a distância é de 30 anos e no presencial, 22. “Eu preferi a modalidade semipresencial pela liberdade”, diz a aluna Teresa Moura, de 37 anos, que se formou há poucas semanas em Administração em um curso da Universidade Potiguar, em Natal.
Mesmo com uma rotina puxada no trabalho no setor administrativo, ela diz que nada atrapalhou sua experiência acadêmica. “Participei de projetos de extensão, de voluntariado, organizei seminários. Fiz tudo que a universidade oferece no presencial. Para mim, não houve diferença em relação a isso.”