Ensino remoto não é EAD

Ensino remoto não é EAD

Ensino remoto não é EAD, e nem homeschooling

A modalidade remota de ensino é emergencial, pode fazer uso de tecnologia e ocorre no ambiente doméstico – mas é importante não confundir os conceitos, que tratam de modalidades distintas

POR:    Nairim Bernardo     

Desde que começou a pandemia da covid-19, há mais de um ano, as aulas presenciais foram interrompidas – em determinados casos, com algumas retomadas nesse período – e o ensino remoto ou os contextos híbridos têm sido a principal alternativa para as escolas continuarem funcionando e darem sequência aos processos de ensino e aprendizagem dos estudantes.

Mas, como o ensino remoto é, em muitos casos, mediado pela tecnologia e acontece, em geral, com os estudantes em suas casas, muitas vezes há uma certa confusão em diferenciá-lo da Educação a distância (EAD), que se utiliza de ferramentas tecnológicas, e do homeschooling (Educação domiciliar). Veja, a seguir, o que define cada modalidade de ensino e as principais semelhanças e diferenças entre elas. Entenda, também, por que o homeschooling gera perdas em pontos essenciais que a escola tem a oferecer.

Ensino remoto
O ensino remoto, em que alunos e professores não estão no mesmo espaço físico e desenvolvem atividades pedagógicas não presenciais, foi instituído em caráter emergencial e excepcional, no contexto da pandemia, para que os estudantes mantivessem o vínculo com a instituição de ensino e com as propostas educacionais mesmo a distância.

Segundo o artigo 32, parágrafo 4º da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional, o ensino a distância pode ser utilizado no Ensino Fundamental como uma complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais. Já o parágrafo 11 do artigo 36 também autoriza sua utilização para cumprimento das exigências curriculares específicas do Ensino Médio.

No entanto, em abril de 2020, o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 934 (convertida para Lei 14.040/2020 em agosto), que estabelece normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública, permitindo que a Educação Básica tivesse atividades pedagógicas não presenciais. Paralelamente, os Conselhos Estaduais de Educação e os Conselhos Municipais também publicaram resoluções e pareceres sobre a reorganização do calendário escolar e uso de atividades não presenciais.

Como engajar no ensino remoto?

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Alessandra Gotti, fundadora e presidente-executiva do Instituto Articule e colunista de NOVA ESCOLA, lembra que o ensino remoto no contexto da covid-19 não se dá somente mediado pela tecnologia. “Ele pode acontecer de outras maneiras, como o envio de material impresso e por meio de aulas gravadas transmitidas via televisão ou rádio. Há várias estratégias que devem ser adotadas para garantir a equidade”.

Outra característica importante do ensino remoto é o seu caráter temporário, durante uma situação de calamidade pública, por isso ele costuma ser acompanhado do termo “emergencial”. Ele também pressupõe que o professor continue cumprindo sua carga horária e, sempre que possível, ele deve interagir diretamente com os alunos, solucionando suas dúvidas dentro do horário de aula. Segundo Renata Capovilla, CEO da Íntegra Educacional e Treinamentos e líder do Grupo de Educadores Google Campinas, na prática, a falta de formação adequada dos educadores em tecnologia atrelada à educação, inclusive dos que já têm acesso a recursos tecnológicos em suas escolas, acarretou em uma sobrecarga emocional e de trabalho para esses profissionais. “Quem já tinha recursos precisou aprimorar ainda mais o uso da tecnologia e quem não tinha teve que correr atrás do básico, como acesso a computadores e à internet para si e para os alunos. O professor precisou mudar a roda do carro com ele em movimento, em um dia aprender e no outro já fazer”, diz. Ela conta que percebeu um aumento da procura dos professores por formação específica, o que deve ser incentivado e organizado pelas redes de ensino. 

Educação a distância
A Educação a distância possui uma regulamentação específica, mas que só serve para os Ensinos Fundamental e Médio em situações emergenciais. Segundo o decreto nº 9.057, que regulamenta o artigo 80 da LDB, cursos profissionais técnicos, superiores, educação de jovens e adultos e educação especial podem ser oferecidos nessa modalidade.

Ela é descrita pelo documento como “a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos”.

O uso da tecnologia para mediar o processo de ensino e aprendizagem e a distância física que separa professores e alunos e, às vezes, também temporal – na situação em que os estudantes assistem a uma aula gravada, por exemplo – são algumas das semelhanças entre as duas modalidades.

Renata Capovilla explica que a Educação a distância se tornou bastante atrativa para o ensino superior devido à sua flexibilidade e ao custo mais baixo. “O professor consegue dar aula para um grupo muito grande de alunos, que precisa demonstrar bastante autonomia para estudar e dar devolutivas”. Mas, na Educação Básica, os estudantes têm outro perfil e necessidades. “Redes e educadores ainda estão encontrando os caminhos para realizar o ensino remoto, de acordo com a realidade da sua comunidade”, completa.

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Homeschooling
Atualmente, devido à necessidade emergencial da aplicação do ensino remoto, muitas  famílias, principalmente as de crianças mais novas, precisaram estabelecer um contato mais próximo com a escola para conseguir auxiliar seus filhos no acompanhamento das aulas e na realização das tarefas. Entretanto, essas atividades pedagógicas não presenciais, coordenadas pela escola, não podem ser confundidas com o ensino domiciliar ou doméstico, também conhecido pelo termo inglês homeschooling .

No homeschooling, o processo de ensino e aprendizagem é realizado na casa do aluno por seus pais ou responsáveis. Esse adulto é totalmente responsável pelas aulas e pela Educação formal da criança ou do adolescente, sem contar com orientações ou materiais enviados por uma escola, nem com o acompanhamento de um educador. Isso apenas acontece se houver a contratação de um professor particular, uma vez que a criança ou jovem não está matriculado em um estabelecimento escolar.

A Educação domiciliar é permitida em mais de 60 países, como Austrália, Japão, Estados Unidos, Canadá, Paraguai, Portugal, França e Reino Unido, mas é proibida em outros, como Espanha, Alemanha e Suécia. No Brasil, ainda não há regulamentação sobre isso. Por isso, pessoas que dizem ter estudado nessa modalidade não recebem nenhuma certificação. De acordo com a Constituição Federal e a LDB, a Educação é “dever do Estado e da família”.  A LDB coloca como obrigação dos pais ou responsáveis “efetuar a matrícula das crianças na Educação Básica a partir dos quatro anos de idade”, e o Código Penal criminaliza os responsáveis que não matriculam seus filhos em escolas autorizadas pelo Ministério da Educação (MEC). No entanto, como o ensino domiciliar não é tratado explicitamente na legislação, é possível recorrer à Justiça para conseguir autorização para educar em casa. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que, para tornar o ensino domiciliar possível no país, é necessário uma lei federal que regulamente a prática.

Desde o início dos anos 2000, diversos Projetos de Lei (PL) tratando desse assunto foram apresentados. Um deles, o PL 3179/12, do deputado Lincoln Portela (PL-MG), que conta com o apoio da atual gestão do MEC, está sendo discutido atualmente na Câmara dos Deputados. Ele propõe que seja admitida a Educação Básica Domiciliar, realizada com a articulação, supervisão e avaliação periódica da aprendizagem pelos órgãos próprios de Educação. Outros projetos similares, entre eles um do deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) foram incorporados a esse. A expectativa é que ele seja votado ainda em 2021 por ser uma das prioridades do governo Bolsonaro na área da Educação. Além disso, está em tramitação o PL 3262/2019, proposto por Chris Tonietto (PSL/RJ), Bia Kicis (PSL/DF) e Caroline de Toni (PSL/SC), que propõe uma alteração no artigo 246 do Código Penal, a fim de prever que a educação domiciliar (homeschooling) não configure crime de abandono intelectual – esse PL aguarda deliberação na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

Toda essa movimentação política acaba, inevitavelmente, gerando um debate polêmico na sociedade como um todo. No entanto, os pesquisadores e especialistas da área da Educação ouvidos por NOVA ESCOLA enfatizam o papel-chave que a escola regular e o trabalho do professor exercem na formação dos alunos.

“A família tem uma dinâmica própria, específica de um grupo de indivíduos, que podem, sim, ensinar valores, mas que não conseguem apresentar toda a dinamicidade social”, destaca Meire Cavalcante, pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Além da falta de interação social e dos questionamentos sobre a capacidade de um familiar ensinar os conteúdos de todos os componentes curriculares com qualidade, outra preocupação é com a importância da escola em identificar comportamentos de risco dentro dos ambientes familiares, como abuso sexual e violência doméstica.

Meire também ressalta que a proposta de regulamentação do ensino domiciliar tira o foco de outras questões urgentes que deveriam estar sendo discutidas para a melhoria da Educação, principalmente se consideradas as dificuldades trazidas ou evidenciadas pela pandemia. “Estamos vivendo um processo de retrocesso generalizado em todas as áreas e a Educação especificamente está sofrendo uma série de ataques. Várias pautas que sempre foram vistas como retrocessos estão em voga agora, e o homeschooling é uma delas.”

De acordo com ela, algumas pessoas têm uma ideia equivocada de que educação é sinônimo apenas de acúmulo de conhecimento. “Isso é ignorar a essência da educação. A escola não é coletiva à toa. É preciso poder se ver no coletivo para pensar sobre si e sobre o outro. Cidadania eu não exerço só da porta de casa para dentro, cidadania tem a ver com cidade, com viver em sociedade”.

Daniel Cara, cientista político e professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), complementa essa perspectiva trazida por Meire. Segundo o especialista, além dos riscos à formação escolar e humana de crianças e adolescentes, o interesse político em aprovar o projeto de lei que regulamenta o ensino domiciliar representa um ataque sistemático e uma estratégia para enfraquecer e promover o desmonte da educação pública.

“Essa proposta vai contra a ciência pedagógica, que ao longo de séculos de estudos comprovaram que a soma de atores da comunidade escolar [estudantes, educadores, funcionários, famílias] faz diferença no processo de aprendizado”, aponta o educador, “e a agenda ultra reacionária e conservadora defendida pelo governo Bolsonaro envolve o Escola Sem Partido, as escolas cívico-militares, e o próprio homeschooling, que apresenta a falsa ideia da casa como espaço sagrado e da escola como um espaço profano”. Essas ações, conforme indica Daniel, estabelecem uma forte desconfiança contra o professor e a escola. “Saimos do debate sobre a qualidade da educação para entrar nessa discussão sobre a moralidade da escola e de seus atores. Isso acaba por facilitar processos terríveis como privatizações e redução do financiamento à educação”, conclui.

Estudar em casa não é sempre igual
Entenda as principais características e diferenças entre as modalidades de ensino

 Ensino remoto
- Medida extraordinária e temporária, restrita à pandemia
- Professores e alunos localizados em espaços distintos – por exemplo, em suas próprias casas
- Pode ser mediado ou não pela tecnologia
- Inclui a adaptação do programa presencial à situação remota
- A escola acompanha e apoia o estudante
- Utilizado por todos os níveis de ensino, durante a pandemia, para viabilizar a continuidade do processo pedagógico

Educação a distância
- Caráter permanente e não emergencial
- Professores e alunos situados em espaços distintos - em geral, com os professores nas instituições de ensino onde gravam ou transmitem suas aulas, e os alunos, em suas casas ou ambientes profissionais
- Faz uso de recursos tecnológicos, como o ambiente virtual de aprendizagem
- Conteúdos e metodologias desenvolvidos especialmente para a modalidade a distância
- Pode haver aulas gravadas (assíncronas) e transmitidas ao vivo (síncronas)
- Estudante vinculado formalmente a uma instituição de ensino, mas espera-se uma maior autonomia dele no processo de aprendizagem
- Mais comum no Ensino Superior (graduação e pós-graduação)

 Homeschooling
No Brasil, ainda não é uma modalidade regulamentada
- Pais ou responsáveis estão à frente do processo de ensino; educação ocorre no ambiente doméstico
- Pode haver ou não o uso de recursos tecnológicos
- Conteúdos e metodologias ficam a cargo das famílias
- Não há interação com outros alunos e nem vínculo com uma instituição escolar; a princípio, enquanto não há regulamentação, os pais têm autonomia no processo educativo
- Se regulamentada, seria adotada na Educação Básica

 

https://novaescola.org.br/conteudo/20374/ensino-remoto-nao-e-ead-e-nem-homeschooling 




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