Ensino Superior EaD

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Ensino superior a distância: crônica de uma farra anunciada

Crescimento desenfreado do EaD em pedagogia e licenciaturas ameaça formação de professores para a educação básica.

MAURÍCIO TUFFANI,

Quinta-feira, 3 de outubro de 2019.


O jornal Valor Econômico publicou ontem, quarta-feira (2), a reportagem “Farra do ensino a distância em pedagogia preocupa”. A matéria mostra Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG Todos Pela Educação, afirmando que “a proliferação do ensino a distância nos cursos de pedagogia e a falta de ação do Ministério da Educação (MEC) para coibir isso é hoje o sinal mais preocupante das políticas públicas na área”.

Na avaliação de Priscila, segundo a reportagem do jornalista Hugo Passarelli, o ensino a distância (EaD) “está ‘estrangulando’ o país ao despejar profissionais despreparados nas redes de ensino, num contexto em que mesmo os cursos de pedagogia presenciais estão longe de formar adequadamente os professores.”

Para a dirigente do Todos pela Educação, essa proliferação atinge as licenciaturas em geral. Ela defende o fim do EaD para professor e nota de corte no Enem, pois “hoje, o país erra em todas as etapas da carreira de professor”. “Você está atraindo mal os alunos para um curso com péssimo currículo, a distância, sem prática nenhuma, e esse professor acaba indo parar na rede de ensino”, afirma Priscila, segundo a reportagem.

Crescimento

No ano passado, o ensino superior a distância ultrapassou pela primeira vez os cursos presenciais no número de vagas oferecidas. Em 2018, foram 7.170.567 vagas no EaD – um número 12,8% maior que o de 6.358.534 presenciais, segundo dados do Censo do Ensino Superior, divulgado em 19 de setembro pelo MEC e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

De 2017 para 2018, o Censo do Ensino Superior registrou crescimento de 17,6% no número de alunos no ensino superior a distância. Especificamente nas licenciaturas, pela primeira vez na série histórica, o total de matriculados nos cursos a distância superou o número de alunos nos cursos presenciais. Foram 568.873 (50,2%) contra 529.193 (49,8%), respectivamente, segundo o Inep.

Uma das razões para esse aumento foi uma portaria normativa assinada em junho de 2017 pelo então ministro Mendonça Filho (DEM), no governo do presidente Michel Temer (MDB), que permitiu o oferecimento de cursos  em EaD para instituições de ensino superior sem o credenciamento para cursos presenciais. Isso possibilitou a essas instituições oferecer exclusivamente cursos EaD na graduação e na pós-graduação lato sensu, ou atuar também na modalidade presencial.

A razão para essa liberalização foi “ajudar o país a atingir a Meta 12 do Plano Nacional de Educação (PNE), que determina a elevação da taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida em 33% da população de 18 a 24 anos”, segundo a nota “MEC atualiza regulamentação de EaD e amplia a oferta de cursos”, divulgada pelo ministério.

‘Flexibilização’

Repito aqui o que eu já havia afirmado em julho de  2017, quando comentei as reações  do mercado do ensino superior a essa flexibilização. Uma coisa é desburocratizar procedimentos, o que quase sempre é desejável. Outra coisa é flexibilizar regras, o que nem sempre pode ser positivo. Nos termos da portaria baixada em junho daquele ano pelo MEC, basta que uma instituição de ensino superior tenha Conceito Institucional igual ou superior a 3 na escala de 1 a 5 para que possa solicitar credenciamento, mesmo sem oferecer o mesmo curso na modalidade presencial (“Donos de faculdades comemoram regras flexíveis para cursos a distância”, 13/jul/2017).

Ambientado na crise financeira de 2008, o filme “Grande Demais para Quebrar” (2011), do diretor Curtis Hanson, mostra uma reunião em que o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, e sua equipe estavam discutindo sobre como explicar para a imprensa o risco de quebra de todo o sistema financeiro desencadeada pela expansão desenfreada do crédito imobiliário.

“Todo o sistema financeiro?”, perguntou horrorizada a assessora de imprensa Michelle Davis, representada pela atriz Cinthya Nixon. “E o que eu digo quando eles [os jornalistas] me perguntarem por que isso não foi regulamentado?”, indagou em seguida.

“Ninguém queria isso. Estávamos fazendo muito dinheiro”, respondeu o secretário Paulson, representado no filme por William Hurt.

Risco de colapso

O temido colapso da economia mundial com a crise de 2008 não aconteceu porque os governos dos Estados Unidos e de países europeus deram um socorro trilionário para os bancos que estavam sob risco de desmoronar, o que geraria um efeito dominó sobre toda a economia. Eles eram “grandes demais para quebrar”.

Aqui no Brasil, em 2017, em vez de reverter a regulamentação para o ensino superior a distância, que já havia permitido um grande crescimento, o problema se agravou com a abertura da porteira. Juntaram-se a “fome” do empresariado do ensino superior por menos regulamentação na EaD e a “vontade de comer” do MEC por atalhos para alcançar melhores indicadores de desempenho da educação.

Para piorar, na visão do atual ministro da Educação, Abraham Weintraub, o crescimento do EaD traz para o Brasil “aumento da eficiência” no ensino superior. Completamente alheio ao significado da qualidade em educação, ele não é capaz de enxergar nem ao menos o risco de colapso da formação de professores.

 

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