Entenda as diferenças entre escolas militares

Entenda as diferenças entre escolas militares

Por Emily Santos, g1 — São Paulo    

 

Alunos da escola cívico-militar de Rio Largo (AL), que será mantida mesmo com o fim do programa — Foto: Ascom

Alunos da escola cívico-militar de Rio Largo (AL), que será mantida mesmo com
o fim do programa — Foto: Ascom 

 

O fim do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim), que já havia sido anunciado e foi oficializado na sexta-feira (21) por decreto do Ministério da Educação (MEC), não vai acabar com o modelo — ao menos 49 unidades em 8 estados serão mantidas com recursos próprios, segundo levantamento do g1.

📋 Contexto: O programa, instituído pelo governo Jair Bolsonaro, autorizava a transformação de escolas públicas em cívico-militares. Para isso, elas recebiam verba federal e pessoal das Forças Armadas. O modelo não pegou no país — em seu auge, atendia a apenas 0,1% das escolas públicas brasileiras e estados como Alagoas, Bahia, Maranhão e Pernambuco adotaram o modelo apenas a níveis municipais. Além disso, especialistas faziam críticas à falta de dados sobre eficácia.

📚 Como fica: Com a decisão da gestão Lula, não haverá mais repasse de recursos para esse fim, mas as redes poderão continuar com unidades nesse formato usando orçamento local. Pelo modelo, a disciplina dos alunos é feita por militares, enquanto a parte pedagógica fica com professores civis.

👉 A decisão de acabar com o programa também não afetará os colégios militares ligados às Forças Armadas ou a polícias estaduais, que seguem outras regras.

g1 procurou as 27 unidades federativas do país para entender quantas são e como funcionam as iniciativas estaduais de escolas militarizadas ou cívico-militares e saber quantas ligadas ao Pecim devem ser mantidas. Dessas, 17 responderam total ou parcialmente à reportagem.

 

O raio X dessas escolas no país mostra que:

- Há 216 escolas cívico-militares ligadas ao Pecim. Destas, ao menos 49 deverão ser mantidas pelos estados ou municípios responsáveis por elas.

- Nos estados, existem pelo menos 494 escolas cívico-militares ou militarizadas ligadas à Polícia Militar ou ao Corpo de Bombeiros.

- São 42 as instituições militares ligadas às Forças Armadas (sendo 15 do Exército3 da Aeronáutica e 24 da Marinha). Essas escolas são geridas pelo Ministério da Defesa e não pelo MEC.

 

Entenda a diferença entre cada um dos modelos:

1 - Escolas cívico-militares

 

EEEM Carlos Drummond de Andrade, em Alvorada, deve ter o sistema cívico-militar mantido pelo governo do RS — Foto: EEEM Carlos Drummond de Andrade/Divulgação

EEEM Carlos Drummond de Andrade, em Alvorada, deve ter o sistema cívico-militar mantido
pelo governo do RS — Foto: EEEM Carlos Drummond de Andrade/Divulgação

 

O modelo cívico-militar já existia, mas se tornou mais conhecido a partir da criação em 2019 do Pecim.

  • ⚙️ Como funcionam:

Dentro da sala de aula, as escolas têm autonomia no projeto pedagógico. As aulas são dadas por professores da rede pública, que são servidores civis.

Fora da sala de aula, militares da reserva atuam como monitores, disciplinando o comportamento dos alunos. Eles não têm permissão para interferir no que é trabalhado em aula ou ministrar materiais próprios, mas podem auxiliar na preparação de projetos educativos extraclasses.

  • ➡️ Como é o ingresso nas escolas cívico-militares:

As escolas do Pecim são públicas, ligadas à rede municipal ou estadual. Para estudar em uma dessas unidades, o aluno só precisava estar matriculado no sistema local de ensino, no nível escolar oferecido na respectiva instituição. O processo de matricula era o mesmo das escolas regulares.

O modelo vai funcionar até o final do ano letivo de 2023 e, a partir de 2024, as escolas retornarão ao modelo regular ou passarão a integrar programas municipais ou estaduais de colégio militar.

O MEC ainda irá elaborar um plano de transição para o encerramento das atividades do programa.

 

2 - Colégios militares

 

Colégio Brigadeiro Newton Braga — Foto: Raoni Alves / g1 Rio

Colégio Brigadeiro Newton Braga — Foto: Raoni Alves / g1 Rio

 

 Os colégios militares federais são geridos pelo Ministério da Defesa, e não pelo MEC. Eles podem ser ligados ao Exército, à Aeronáutica ou à Marinha.

Exército: o Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) é composto por 15 colégios localizados em Porto Alegre, Fortaleza, Manaus, Belém, Recife, Juiz de Fora (MG), Belo Horizonte, Santa Maria (RS), Campo Grande, Salvador, São Paulo, Curitiba e Brasília, além de duas unidades no Rio de Janeiro.

Aeronáutica: possui 3 escolas assistenciais, que servem para apoiar os servidores civis e militares da Aeronáutica. As unidades só atendem à população local quando há disponibilidade de vagas e o ingresso se dá por processo seletivo. As escolas ficam no Rio de Janeiro, em Belém e em Alcântara (MA).

Marinha: o Sistema de Ensino Naval conta com 24 instituições ensino fundamental, médio, técnico e superior, destinadas a capacitar civis e militares para o desempenho dos cargos e funções existentes na Marinha do Brasil.

  • ⚙️ Como funcionam:

Em geral, as instituições ligadas ao Ministério da Defesa são colégios de ensino fundamental (do 6º ao 9º ano) e/ou ensino médio. Neles, tanto a direção quanto a administração são exercidas por oficiais, enquanto o corpo docente é formado por professores da rede pública de ensino e militares que possuem magistério específico.

As instituições seguem a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que estabelece as normas da educação brasileira, mas com normas próprias. O formato se destaca por prezar pela disciplina, o patriotismo, o civismo, a hierarquia e a ordem.

Os colégios [Militares] têm regramentos próprios, orçamentos maiores, professores com dedicação exclusiva e mais bem remunerados, maior infraestrutura e jornada escolar ampliada
— Gregório Grisa, diretor da Secretaria Executiva do Ministério da Educação

  • ➡️ Como é o ingresso nos colégios militares:

O aluno precisa passar por um processo seletivo específico, pois cada corporação tem um procedimento próprio de admissão.

A busca por essas instituições é feita principalmente por quem tem interesse em seguir carreira nas Forças Armadas.

Filhos de militares também podem estudar nas instituições em vagas reservadas para atender especificamente a este público.

 

3 - Escolas militares estaduais

Colégio estadual da Polícia Militar de Goiás - Américo Antunes em São Luís de Montes Belos, Goiás — Foto: Comando de Ensino Polícia Militar/Divulgação

Colégio estadual da Polícia Militar de Goiás - Américo Antunes em São Luís de Montes
Belos, Goiás — Foto: Comando de Ensino Polícia Militar/Divulgação

 

As escolas militares dos estados são instituídas por decisões das unidades federativas. Em geral, são escolas do âmbito estadual, mas também podem ser municipais.

  • ⚙️ Como funcionam:

São ligadas às secretarias de educação e de segurança pública do estado ou do município e são coordenadas por policiais militares ou bombeiros.

No Paraná, por exemplo, das 2.109 escolas estaduais, 194 são cívico-militares da Polícia Militar.

  • ➡️ Como é o ingresso nas escolas estaduais militarizadas:

As corporações podem definir como será o processo seletivo para admissão em suas unidades escolares. Por isso, o procedimento varia.

Goiás, por exemplo, é um dos estados com número significativo de escolas militarizadas. Até o ano passado, eram 62 unidades, segundo o Censo da Educação Básica de 2022, e estão aumentando. Em junho deste ano, já eram 76, de acordo com o governo estadual.

Lá, o candidato se inscreve e recebe um número para participar de um sorteio. A Polícia Militar, então, realiza transmissões ao vivo e usa sistemas on-line para sortear os números. Os sorteados ganham direito a uma vaga em uma das unidades escolares.

Por que o Pecim foi encerrado?

Um dos motivos para o fim do Pecim foi a baixa adesão ao programa, considerada "inexpressiva" pelo diretor da Secretaria Executiva do MEC, Gregório Grisa.

O Pecim envolve, hoje, 0,14% das escolas brasileiras. Não há adesão no meio educacional pelo projeto de militarização das escolas.
— Gregório Grisa, diretor da Secretaria Executiva do MEC

Outra razão foi a questão financeira. Apesar de representar uma fatia mínima das escolas do país, segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em 2022:

- a verba prevista para o programa era de R$ 64 milhões de reais; e

- pelo menos R$ 37 milhões foram empenhados, ou seja, reservados para uso no programa, em infraestrutura das escolas.

 
Do ponto de vista econômico, o Pecim é um programa regressivo, pois amplia a desigualdade salarial. Ao invés de investir na formação e valorização do magistério, o programa transfere recursos para profissionais que não pertencem à área da educação.
— Gregório Grisa

Além disso, para o professor de políticas educacionais da Universidade Federal do ABC, Salomão Ximenes, o investimento era incompatível com a verba direcionada às demais escolas públicas e os resultados, desconhecidos.

Não há dados ou evidências que comprovem a efetividade do formato. Não sabemos se os alunos evadiram menos e se o desempenho deles aumentou.
— Salomão Ximenes, professor da UFABC.

Entre os estados que aderiram ao Pecim e vão querer manter as escolas militares com recursos próprios, estão Rio de JaneiroSão PauloMinas Gerais e no Distrito Federal. Já municípios localizados em Mato Grosso, no Maranhão e no Amazonas ainda avaliam o que farão.




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