Escola lugar para aprender a ouvir
Gestão democrática: Escola como lugar para aprender a ouvir e a se colocar no lugar do outro
Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC, defende modelo de gestão democrática para estabelecer parceria com famílias e formar alunos com maior autonomia
por Redação 9 de novembro de 2020
Um caminho para tornar as instituições de ensino mais abertas ao diálogo, a gestão democrática pode ajudar na criação de vínculos com a comunidade escolar, aproximando educadores, famílias e sociedade no processo de ensino.
E para falar sobre as formas de implantação nas escolas e seus benefícios para os alunos e para a educação, o Espaço de Ser convidou Tereza Perez diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC. Ela é líder de iniciativas voltadas para a melhoria das condições de aprendizagem nas escolas públicas brasileiras. Além disso, já participou, como coautora e coordenadora, de publicações voltadas à sistematização de conhecimentos sobre políticas públicas educacionais e práticas pedagógicas.
Na conversa abaixo, Tereza discute como a convivência em um ambiente plural beneficia o estudante e faz recomendações para que o discurso se torne uma prática rotineira dentro das escolas.
Por que você acha importante que as escolas adotem a gestão democrática?
Se queremos uma sociedade democrática, precisamos vivenciar essa democracia nos diferentes espaços que vivemos. E a escola é um lugar privilegiado para a aprendizagem e o desenvolvimento de competências pautadas em valores e ações que contribuem para a transformação de uma sociedade, a fim de torná-la mais humana e justa.
A escola, pela diversidade que expressa, é um lugar onde podemos e devemos acolhê-la. Porque não são em todos os lugares que conseguimos fazer isso. Mas a escola tem por função esse acolhimento. Lá se dá, também, o desenvolvimento moral e se encontra uma potência grande para lidar com os acontecimentos cotidianos, que podem ser debatidos e compreendidos, gerando uma postura mais ética e reflexiva diante dos fatos. Na escola é possível aprender a dialogar. E sabemos que a base da democracia é o diálogo.
Mas nós falamos do diálogo como se ele fosse fácil, e não é. Aprender a ouvir o outro, a se colocar no lugar do outro, tentar entender outro ponto de vista para encontrar um caminho mais justo não é uma tarefa simples. Mas a escola tem essa potência. Então, é por isso que desejamos que as escolas tenham uma gestão democrática. Para corresponder àquilo que está na nossa constituição e na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
Quando eu trago essas diferentes vozes que estão diretamente ligadas a esse processo de escolarização e tento organizá-las, eu vivo a democracia
Quando eu trago essas diferentes vozes que estão diretamente ligadas a esse processo de escolarização (famílias, comunidade, crianças, adolescentes, jovens, adultos, professores, funcionários, etc) e tento organizá-las, eu vivo a democracia, é quando eu constituo um ser democrático. Sabemos que, muitas vezes, as coisas são muito bonitas no discurso. Todos os textos de educação nunca serão contra a questão da gestão democrática, mas é preciso que a gente associe o discurso à prática.
E como acontece a gestão escolar democrática na prática?
A primeira questão que se coloca para a sua implantação é a elaboração do PPP (Projeto Político Pedagógico) e que precisa ter uma gestão colegiada, ou seja, os atores envolvidos na escola precisam participar da elaboração desse projeto. E ele é algo revisto e revivido, ou pela necessidade, ou periodicamente. É preciso articular para que essas vozes tenham um papel dentro da escola. Lógico que cada ator tem a sua função, responsabilidade e atribuição. Não digo que as famílias vão comandar as escolas, mas elas têm um papel importante na construção desse Projeto Político Pedagógico. Essa seria, então, a primeira movimentação em direção à gestão democrática.
Mas, para isso, é preciso ter uma boa comunicação e uma mobilização desses atores. E essa comunicação precisa ser constantemente realizada. Mas, os educadores têm uma dificuldade grande para fazer isso. Porque não é uma comunicação ligada à propaganda daquilo que está sendo feito. É uma comunicação, como diz Bernardo Toro, sobre o sentido das ações. E, quando eu comunico o sentido das ações (de algo, inclusive, que não seja tão bacana, nem bonito), eu preciso ter essa transparência – que é outro fator importante – para que haja um diálogo claro e, de fato, participativo.
Outro ponto importante é a participação, que envolve o diálogo, a responsabilidade e a colaboração de cada um. Não se trata de marcar presença. É uma participação ativa e não só para “constar”. Outra questão é a descentralização. Para o gestor promover uma gestão autônoma da escola, ele precisa descentralizar. Ele não é o único que toma decisões nesse modelo. Elas são tomadas dentro de um colegiado e o seu papel é orquestrar essa gestão, que deve ser feita por todos.
Os conselhos são outro fator decisivo. A criação de diferentes conselhos atuantes dentro da escola ou da rede, são importantes para descentralizar a gestão. Com isso, as atitudes são tomadas de forma compartilhada, onde as vozes estão sendo ouvidas. Dessa forma, também conseguimos corresponsabilizar as pessoas pelas atitudes que definimos que precisam ser tomadas. E essa corresponsabilização faz com que os indivíduos tenham autonomia, afinal, sabem o que têm que ser feito, qual o tempo têm para isso e qual o sentido daquela ação. Então, quando faço uma gestão democrática, eu gero planejamento, ações, defino responsáveis, prazos e formas de conduta para atuação.
Para conquistar essa igualdade, eu preciso trabalhar com condutas desiguais, ou seja, eu tenho que dar mais para quem precisa mais
Além disso, outra coisa que eu acho fundamental nessa gestão é ter um olhar atento para o que acontece dentro da escola. Porque se eu tenho a equidade como algo central, eu preciso gerar atitudes que não sejam idênticas para todos. A base da democracia não pode ser a igualdade, embora ela seja fundamental. Mas, para conquistar essa igualdade, eu preciso trabalhar com condutas desiguais, ou seja, eu tenho que dar mais para quem precisa mais. Uma gestão democrática olha os diferentes e os apóia da melhor forma. Por exemplo: eu tenho famílias que precisam de mais apoio e famílias que podem oferecer mais apoio do que outras. Essa “desigualdade” é fundamental para que a gente alcance a igualdade almejada dentro do processo democrático.
A formação continuada em serviço é outro ponto a ser levado em consideração. Ou seja, preciso ter o grupo da escola dialogando no HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) em especial, discutindo e definindo o que precisa ser feito para garantir a aprendizagem das crianças. Isso precisa estar muito articulado com o gestor escolar, para que possamos tomar atitudes harmônicas dentro da escola em função daquilo que se foi definido no PPP. Com a pandemia e o desenvolvimento das relações remotas, viabilizou-se muito o HTPC. Isso não pode ser perdido. Ou seja, agora posso fazer reuniões remotas, definindo um bom horário para todos e usar esse tempo para pensar, planejar juntos, e definir como vamos trabalhar nesse coletivo.
Também temos a questão da flexibilização e da negociação. Você não tem gestão democrática se não tem flexibilidade e não sabe negociar. É um aprendizado contínuo: “eu tenho uma opinião, o outro tem outra e como a gente flexibiliza aquilo que está previsto para fazer acontecer e tocar os projetos em frente?”.
Mais uma questão é a avaliação permanente e participativa. E a autoavaliação. Acredito que uma escola democrática valoriza a interação entre pares, o convívio com a diversidade, as construções coletivas, o desenvolvimento moral, a interação com o mundo. E tudo isso precisa ter um acompanhamento para saber como tem sido feito e se estamos chegando aonde gostaríamos. Essa autoavaliação é tanto do ponto de vista de quem está orquestrando essa gestão da escola, como também do ponto de vista dos professores sobre a própria atuação, dos estudantes sobre como estão se vendo, como estão aprendendo e o que precisam aprender. Porque a autoavaliação é um processo metacognitivo, em que eu vou pensar sobre o meu aprender e meu fazer para que eu possa tomar atitudes.
Acho que esse é um conjunto macro de coisas que compõem uma gestão democrática.
E o que os alunos têm a ganhar com esse modelo de gestão?
Ele vai aprendendo no seu cotidiano o que é viver em democracia. A escola não deve preparar o cidadão para a democracia, a democracia tem que estar sendo vivida desde o início da sua existência. Então, ele irá aprender a conviver em um ambiente saudável, de respeito, que visa uma aprendizagem qualificada de todos e todas e se esforça para isso, que busca um caminho de um sonho a ser realizado, que dialoga, que busca informação quando é preciso, que chama alguém para ajudar quando tem problema, aprende a ter valores e atitudes de um convívio produtivo, de saber interagir com os outros, de saber respeitar os outros, de identificar essa diversidade toda que existe no mundo e não ser preconceituoso.
Acho que um bom norteador a todos os gestores nessa questão são as competências gerais da BNCC (Base Nacional Comum Curricular). O texto introdutório e as competências são excelentes ferramentas para refletir com a equipe sobre como agir tanto em sala de aula, como na escola ou na rede, de modo coerente ao que está sendo proposto. Na minha opinião, é o melhor orientador para que se tenha uma gestão democrática. Mas é importante ressaltar que isso faz parte de um esforço coletivo. Afinal, escrever e falar é fácil. Agir é muito difícil. Mas, todo mundo (querendo) consegue!educação, convidamos Tereza Perez diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC. Ela é líder de iniciativas voltadas para a melhoria das condições de aprendizagem nas escolas públicas brasileiras. Além disso, já participou, como coautora e coordenadora, de publicações voltadas à sistematização de conhecimentos sobre políticas públicas educacionais e práticas pedagógicas.