Escola Sem Partido arquivada
Escola Sem Partido: entenda o que ocorre após o arquivamento e o que está em jogo com o projeto de lei
Proposta tramita na Câmara desde 2014. Como o parecer não foi votado na atual legislatura, será arquivado. Tema pode voltar ao debate com os novos deputados em 2019.
Por Elida Oliveira, G1
Manifestantes protestaram na Câmara, em novembro, contra o projeto conhecido como Escola sem Partido — Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
A ideia inicial era proibir professores de manifestarem posicionamento político, ideológico e de gênero em sala de aula, o que os deputados chamam de "doutrinação" (leia mais abaixo).
Na terça-feira (11) houve mais uma reunião para se discutir o projeto, mas após sucessivas tentativas de se chegar a um consenso, o deputado Marcos Rogério, presidente da comissão especial que discutia o projeto na Câmara, encerrou os trabalhos da comissão.
Com a aproximação do fim da legislatura – o mandato vai até 31 de janeiro, mas no dia 23 de dezembro os deputados já entram em recesso – o projeto será arquivado.
Retorno do debate
A partir do ano que vem, o tema pode voltar à tona se o autor do projeto ou os autores dos outros dez projetos que foram apensados (anexados) ao Escola sem Partido pedir para desarquivá-lo.
Como o deputado Erivelton Santana, autor do Escola sem Partido, não foi reeleito, caberá aos demais deputados colocarem o tema em discussão. Entre reeleitos e, portanto, aptos a propor a reabertura da discussão estão o Delegado Waldir (PSL/GO); Pastor Eurico (PHS/PE); Jhonatan de Jesus (PRB/RR); Jean Willys (PSOL/RJ); Alan Rick (DEM/AC); e Dagoberto Nogueira (PDT/MS). Os demais ou não foram eleitos ou foram para o Senado.
O que quer o Escola sem Partido?
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Alterar a Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/1996) acrescentando um novo inciso sobre "princípios de ensino"
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O novo inciso fala de "respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas.”
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Definir que o professor não pode cooptar alunos nem prejudicá-los em função de suas convicções ideológicas
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Determinar que abordará as principais versões, teorias e opiniões sobre os temas ensinados
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Aplicar os dispositivos da lei em livros didáticos e paradidáticos, processos seletivos para o ensino superior e provas para entrar na carreira de professor
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Tornar obrigatório a exposição de cartazes nos estabelecimentos de ensino com os deveres dos professores
Como surgiu o Escola sem Partido?
O projeto de lei foi apresentado em 2014 pelo deputado Erivelton Santana (Patri-BA).
No entanto, dez anos antes, um movimento também chamado de Escola sem Partido e organizado pelo advogado Miguel Nagib, de São Paulo, levantou o debate sobre o conteúdo ensinado nas salas de aula.
Em entrevista ao G1, Nagib contou que a iniciativa era formada por "um grupo relativamente pequeno de pessoas inconformadas com o uso das escolas e universidades para fins de propaganda ideológica, política e partidária" e que "o objetivo era dar visibilidade a este problema."
Tudo começou em 2003, quando a filha de Nagib, então no 7º ano, disse que o professor dela havia comparado Che Guevara a São Francisco de Assis. Ele, então, imprimiu 300 cópias de um texto denunciando a situação e distribuiu no estacionamento do colégio. A reação foi contrária à iniciativa, com direção, professores e alunos contestando a versão da estudante.
"Os alunos se solidarizaram inteiramente com o professor (recebi dezenas de mensagens ofensivas). Nenhum pai me procurou", conta.
Nagib diz que começou a se interessar por "doutrinação nas escolas" e se inspirou em sites americanos para criar o Escola sem Partido.
De lá para cá, o site recebeu contribuições – uma delas compara a quantidade de livros de autores de direita e esquerda em uma bilbioteca, outra é um relato de uma professora que se diz perseguida por ser de direita.
Vieram os protestos de 2013 com diversos estudantes tomando as ruas, e muitos debates sobre como o conteúdo é repassado nas escolas.
Tramitação na Câmara
Em 2014, o debate chegou à Câmara. A ideia inicial era incluir na Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9394/1996) um inciso no artigo 3º que trata dos princípios de ensino.
Entre estes princípios já definidos na lei de 1996 – como o pluralismo de ideias, o respeito à liberdade e apreço à tolerância –, o deputado queria acrescentar o "respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas” e justificou com base na Convenção Americana de Direitos Humanos, que diz que pais ou tutores têm o direito de que seus filhos recebam a educação moral e religiosa conforme suas crenças.
Dois anos após ser criado, a Câmara criou uma comissão especial para analisar o tema e evitar que o projeto tramitasse separadamente por várias comissões, como as de educação e justiça, por exemplo.
Naquele ano, em 2016, diversos projetos similares se espalhavam pelas Assembleias estaduais. A Advocacia-Geral da União (AGU) chegou a emitir um parecer declarando a inconstitucionalidade da lei aprovada em Alagoas. O tema foi para a pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), mas isso não barrou o avanço da proposta na esfera federal.
A partir de 2017, as sessões de análise do projeto se tornaram uma batalha entre deputados – sem que se chegasse à aprovação de fato.
Escola sem Partido na Câmara
Tramitações do projeto registradas no site da Câmara
Fonte: Câmara dos Deputados
Em maio, o deputado Flavinho (PSC-SP) apresentou um substitutivo que incluía no projeto de lei deveres dos professores, como apresentar todas as principais versões, teorias e opiniões sobre os temas ensinados e aplicar os dispositivos da lei em livros didáticos e paradidáticos, processos seletivos para o ensino superior e provas para entrar na carreira de professor. O substitutivo excluiu a previsão de punição ao professor que descumprisse as regras.
"Eventuais punições aos profissionais de educação que não são éticos e não respeitam os limites de sua profissão devem obedecer aos mesmos mecanismos que hoje já se submetem. Portanto, diante desta análise, decidi deixar de fora do escopo proposto em meu substitutivo a questão da punição ao doutrinador que se transveste de professor", disse o deputado Flavinho em entrevista ao G1.
Em 2018 foram 32 tramitações, muitas delas acompanhadas de protestos e tensões. Deputados que se opõem ao projeto apresentaram diversos requerimentos tentando adiar a votação. Os que apoiam, por sua vez, não compareciam em peso para formar maioria na votação.
Na 12ª reunião para votar o parecer, a comissão foi encerrada e o projeto será arquivado.
Próximos passos
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Sem ter o parecer votado, e com o fim da legislatura, o projeto Escola sem Partido será arquivado
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A partir do ano que vem, o tema pode voltar à tona se o autor do projeto ou um dos autores dos outros dez projetos que foram apensados (anexados) ao Escola sem Partido pedir para desarquivá-lo
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Como o deputado Erivelton Santana, autor do Escola sem Partido, não foi reeleito, caberá aos demais deputados colocarem o tema em discussão. São eles: Delegado Waldir (PSL/GO); Pastor Eurico (PHS/PE); Jhonatan de Jesus (PRB/RR); Jean Willys (PSOL/RJ); Alan Rick (DEM/AC); e Dagoberto Nogueira (PDT/MS). Os demais ou não foram eleitos ou foram para o Senado.
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Se for desarquivado, a tramitação deverá começar do zero seguindo o regimento da casa pelas comissões permanentes ou criando uma comissão especial, como havia sido feito até então
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Caso seja criada uma nova comissão, a composição dos deputados que farão parte dela também mudará e deverá seguir o critério de proporcionalidade da Casa
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Serão escolhidos o novo presidente da comissão e o novo relator
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Novas audiências públicas de discussão sobre o tema deverão ser convocadas
Sala de aula em escola municipal de Rio Preto — Foto: Divulgação
Cronologia2004
- Nasce o movimento civil ‘Escola sem Partido’, de iniciativa do advogado Miguel Nagib
2014
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O deputado federal Erivelton Santana (Patri-BA) apresenta o projeto de lei 7180/2014, conhecido como ‘Escola sem Partido’, para alterar o artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 9.394/1996). O texto pede para incluir entre os princípios do ensino “o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa.”
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Assembleias legislativas dos estados de AL, CE, GO, ES e RJ apresentam projetos estaduais de ‘Escola sem Partido’, segundo o site do movimento
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Câmara das cidades do Rio, São Paulo, Santa Cruz de Monte Castelo (PR), Toledo (PR), Vitória da Conquista (BA) e Foz do Iguaçu (PR) têm propostas apresentadas, segundo o site do movimento
2015
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Deputados do DF e RS também apresentam nas assembleias legislativas projetos semelhantes sobre o Escola sem Partido.
2016
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Criada a comissão especial para proferir parecer sobre o projeto do deputado federal Erivelton Santana (PSC-BA)
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Projeto tramita pela coordenação de comissões permanentes, comissão de Educação, mesa diretora da Câmara, e plenário
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Até o fim de julho, projetos de lei do 'Escola sem Partido' haviam sido introduzidos em 11 estados, na Câmara dos Deputados e no Senado
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Parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) declara que programa estadual 'Escola sem Partido' de Alagoas é inconstitucional
2017
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Diversas audiências públicas são feitas na Câmara para debater o tema
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Luís Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) suspende em caráter liminar (provisório), os efeitos da chamada Lei Escola Livre, de Alagoas (Lei 7.800/2016)
2018
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Dezenas de emendas ao projeto são analisadas
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O deputado Flavinho (PSC-SP) apresenta um substitutivo incluindo no texto alguns deveres dos professores, como apresentar as principais versões, teorias e opiniões sobre os temas ensinados. Texto também propõe aplicar os dispositivos da lei em livros didáticos e paradidáticos, processos seletivos para o ensino superior e provas para entrar na carreira de professor
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O substitutivo excluiu a previsão de punição ao professor que descumprisse as regras
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Discussão e a votação do parecer do relator são adiadas após pedido de vista (mais tempo para análise) aos deputados
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Comissão da Escola Sem Partido encerra os trabalhos sem votar o parecer e o projeto será arquivado