Escola sem Partido?
Escola sem Partido? Quando não tomar posição é uma posição
Por Thiago Ingrassia Pereira*
I
O projeto “Escola sem Partido” é um sintoma dos tempos atuais. Vivemos na era da informação instantânea e da opinião sobre tudo e todos(as). Contraditoriamente, nessa mesma época persiste o antigo e histórico desejo de cerceamento, de controle e de perseguição. É o pêndulo entre a liberdade e a autoridade, pensam alguns e algumas. Contudo, é importante definirmos os termos: liberdade não é a mesma coisa que licenciosidade, pois a primeira não está isenta de regras e pactos de conduta, enquanto a segunda é a ausência de reconhecimento dos limites à convivência (não confundir com anarquismo que é outra coisa). De certa forma, a licenciosidade é uma exacerbação da liberdade. Ser livre não é fazer o que quero a hora que bem entendo, mas é viver coletivamente a partir de princípios éticos. Na mesma linha, ter autoridade não significa ser autoritário. A autoridade, assim, é parte da liberdade, da mesma forma como um ambiente licencioso é cheio de autoritarismo. Por isso, a democracia é um sistema que busca a liberdade a partir do exercício da autoridade. Em uma ditadura não temos a liberdade, pois se dilata a autoridade e vira autoritarismo. Vamos resumir lembrando a sabedoria popular: minha liberdade vai até onde começa a do outro(a). E criamos regras para gerir os choques de liberdade quando essa fronteira das liberdades não fica clara.
II
Ser livre é uma exigência da nossa humanização. Em tese as regras deveriam servir para disciplinar as relações sociais e garantir a convivência. Historicamente as regras são produzidas segundo alguns interesses e não é de se estranhar que assim seja. Disputamos as noções de verdade, justiça e liberdade. Quem teve aula de história no ensino fundamental reúne condições de entender que a organização social muda ao longo do tempo. Não há nada natural na sociedade, tudo é fruto de disputas, seja em nível do argumento, seja na guerra. Dessa forma, em nossa socialização formamos os nossos critérios do que é belo e justo, por exemplo. São os chamados juízos de valor. Cada pessoa desenvolve o seu juízo e, ao longo da vida, vamos nos associando e se opondo a partir da forma que vemos as coisas. Temos uma grande influência do nosso grupo familiar e das experiências que tivemos na infância. Por exemplo, alguns e algumas acreditam em Deus e rezam, outros(as) rezam para outros Deuses, outros(as) não acreditam e ainda há os(as) que não acreditam e nem desacreditam – os(as) agnósticos(as).
III
Diante dessa reflexão, fica a pergunta: quem define o que é certo e errado, o que pode e não pode, o que deve ou não deve ser feito? Aqui entra o campo da política, da disputa, da decisão, da ruptura, enfim, do processo histórico e da ética. Certamente, eu e você que me lê temos nossa visão de mundo. Não dá para ser diferente, concorda? Então, como é possível defender a “neutralidade” num lugar de debate e formação como é a escola? Penso que o que está em jogo são duas coisas importantes. Primeiro: a escola é um espaço tão extraordinário e tão importante que não deve ser organizada segundo opiniões desprovidas de amplo e denso estudo e pesquisa, não é mesmo? Por isso, a construção dos currículos e metodologias de ensino é um assunto que interessa a todo mundo, mas que precisa ser o espaço de atuação legitima de professores (as) e pesquisadores(as) com formação científica na área da educação. Isso deveria ser tão óbvio como a qualidade da água que bebemos interessar a todo mundo, mas ser um campo de trabalho de quem tem a formação para tratá-la. Segundo: defender que algum espaço educacional não tenha partido é tomar um partido (no sentido de posição). Sim, ou vamos desprezar a conversa anterior e achar que alguns e algumas têm “a verdade”, que apenas retratam “fatos” e que não são sujeitos sociais “contaminados” por alguma ideologia? Por favor! Nada mais político que não querer discutir política. Nada mais ideológico que dizer que não tem ideologia.
IV
Tenho posição contrária às iniciativas do Escola sem Partido pelas questões que tratei e porque os seus intelectuais orgânicos se aproveitam da boa vontade da maioria da pessoas promovendo um debate raso, cheio do pior senso comum. Tenho quinze anos de magistério, fui professor na educação básica e hoje estou na universidade. Sou um professor da área de humanas. Eu não quero uma escola ou uma universidade com um único partido. Sou radicalmente contra atitudes fascistas e que não respeitam à diversidade. Mas isso não ocorre por decreto! É típico da educação o confronto de ideias. Em nome do combate à doutrinação se cria uma doutrina de perseguição a professores(as). Ora é de uma estreiteza sem tamanho classificar como ideologia assuntos ou abordagens que não se enquadram em determinada visão de mundo. É mais ou menos assim: o que eu penso é a verdade, o normal. O que o(a) outro(a) pensa é errado, é ideológico. Quem dera nós docentes termos tanto poder quanto nos imputam! Chega ser engraçado. Pense comigo: quais as situações concretas de “doutrinação” que você conhece ou presenciou na escola? Pesquisa recente mostra que cerca de 60% dos(as) possíveis eleitores(as) de Jair Bolsonaro são jovens (entre 16 e 34 anos), ou seja, como estão sendo mal doutrinados pela esquerda! Aliás, por outro lado, podem estar sendo doutrinados pela direita, pois parece que quando o assunto envolve as palavras “doutrinação” e “ideologia” é sempre coisa da esquerda e nunca de direita. A escola do século XXI precisa ser radical na formação humana, técnica e tecnológica, qualificando sujeitos para o exercício da cidadania e do trabalho. Temos que lutar por uma escola livre, responsável, com estrutura adequada e profissionais da educação valorizados(as). Nada de escola da inquisição e que manda para fogueira os(as) que pensam diferente. Eu tomo partido por uma escola de todos os partidos e de todas as posições. O único limite se encontra na defesa do direito à liberdade de alguém para oprimir. E você, qual o seu partido? Qual a sua posição?
- Presidente da ABECS
https://abecs.com.br/quando-nao-tomar-posicao-e-uma-posicao/