Escolas bilíngues para surdos

Escolas bilíngues para surdos

Audiência pública avalia alcance das escolas bilíngues no ensino para surdos

Francis Maia - MTE 5130 | Agência de Notícias - 16:40 - 17/09/2019 - Edição: Sheyla Scardoelli - MTE 6727 - Foto: Guerreiro

 

 

Com apenas cinco escolas públicas estaduais bilíngues para deficientes auditivos – capacitadas para o ensino da Língua Brasileira de Sinais e também da língua portuguesa – a Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia, presidida pela deputada Sofia Cavedon (PT), tratou do tema hoje (17), durante audiência pública proposta pelo deputado Vilmar Lourenço (PSL). A língua oficial das pessoas surdas tem amparo legal desde 2002, através da lei federal 10.436, que obriga os governos a incentivarem o uso e divulgação dessa linguagem nas instituições públicas e também o ensino de LIBRAS nos cursos de formação em Educação Especial, no ensino médio e no ensino superior, em nível federal, estadual e municipal.

 

O padrão de inclusão dos alunos surdos nas escolas bilíngues gaúchas mobilizou autoridades da Secretaria Estadual de Educação e da FADERS, professores, alunos e profissionais da interpretação de LIBRAS. A audiência pública realizada na Sala João Neves da Fontoura, Plenarinho, reuniu a chefe da Divisão de Políticas de Educação Especial da Secretaria de Educação, Vânia Elisabeth Chiella; o ex-deputado e presidente da Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e com Altas Habilidades no RS, Marquinhos Lang; o primeiro vereador surdo do Estado, Tibiriçá Vianna Maineri, de Caxias do Sul; a diretora da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, Maria Cristina Laguna; a diretora da Escola Municipal de Ensino Médio Santa Rita de Cássia, de Gravataí, acompanhada de diversos alunos que vivenciam o aprendizado escolar através da escola bilíngue. Também a diretora da Escola Helen Keller, de Caxias do Sul, Natacha Perazzolo, e a coordenadora pedagógica, Silvana Vencato, fizeram uma exposição do trabalho pioneiro na região na implantação dessa metodologia de ensino. E a professora Silvana Regina Pinto, que detalhou a atuação da Escola Municipal de Ensino Fundamental Bilíngue Salomão Watnick, de Porto Alegre; e Cristian Strack. Diversos intérpretes de Libras e guias –intérpretes, capacitados para atender pessoas com surdocegueira, desempenharam suas funções, como na manifestação do vereador Tibiriçá Vianna Manieri.

 

Coordenada pela deputada Sofia Cavedon, a audiência pública contou com a presença dos deputados Fernando Marroni (PT), Issur Koch (PP). A Comissão de Educação Contratou os intérpretes de Libras, que atuaram de forma voluntária.

 

Atendimento inclusivo

Proponente da audiência pública, o deputado Vilmar Lourenço (PSL) mostrou a importância da educação bilíngue para atender os 10 milhões de surdos do país, ou 5% da população, “parcela da população que precisa de amparo dos órgãos públicos”, afirmou. Tanto que decreto de 2005 estabelece a inclusão das Libras como disciplina curricular obrigatória no magistério e nos cursos de fonoaudiologia e instituições de ensino público e privadas. Explicou que a política de inclusão do curso de sistema educacional prevê três modalidades, escolas especiais, salas de alunos surdos e inclusão dos alunos surdos junto com estudantes ouvintes. Conforme Lourenço, a rede estadual dispõe de cinco escolas específicas para atender de forma inclusiva esse grupo populacional, localizadas em Porto Alegre, Esteio, Novo Hamburgo, Caxias do Sul e Santa Maria. Outras 707 instituições de ensino cuidam também do atendimento inclusivo no RS.

 

O deputado Issur Koch (PP), que é professor, contou sua experiência em sala de aula e as dificuldades para assegurar a inclusão a esses alunos. Como vereador em Novo Hamburgo, elaborou lei para assegurar aos pais, na rede municipal e estadual, a comunicação de escola especial quando se trata de estudante com deficiência. A deputada Sofia Cavedon assegurou o encaminhamento das demandas apontadas durante a audiência pública, comprometendo-se em defender essas escolas em todas as cidades gaúchas.

 

O presidente da Faders, Marquinhos Lang, destacou a urgência para encaminhar essas políticas públicas tendo em vista as dificuldades do dia a dia enfrentadas por essa população. Ele visitou as escolas bilíngues e adiantou que a professora Vânia Chiella foi cedida da Faders para assumir a Divisão de Políticas de Educação Especial da SEDUC. Lang relatou dificuldades estruturais, como enfrenta o reitor da Uergs, Leonardo Beroldt, com diversos alunos surdos e sem previsão de contratação de professores para atendê-los, “isso é geral no RS, em todas as escolas”, explicando que a Fundação tenta suprir as necessidades dos alunos num contexto geral. Ele explicou que existem 22 alunos surdos e cegos na rede regular do estado e necessitam de intérprete para cada aluno, “o interprete não só faz a participação mas acaba tendo que viver a vida da pessoa com deficiência, muitos têm que ser buscados em casa para que possam chegar na escola ou trabalho”, ponderou o ex-deputado, que é cadeirante, para dimensionar essa atividade e a importância da articulação das pessoas com deficiência e o poder público.

 

O vereador e professor Tibiriçá Vianna Maineri, de Caxias do Sul, primeiro vereador surdo do estado e membro da Coordenadoria de Acessibilidade de sua cidade, manifestou preocupação com a escola de surdos. Relatou os sofrimentos porque passou na infância, em São Paulo, em escola não inclusiva, e defendeu o trabalho realizado na Escola Helen Keller, referência nos cuidados com alunos surdos. A escola atende 60 alunos, atualmente, mas vem reduzindo e isso aumenta a preocupação do legislador municipal, “sabemos que as políticas públicas para a educação estão levando essas crianças para a inclusão e quando esse números reduz, preocupa”, destacando que o aluno, ao ser questionado, faz a escolha pela escola bilíngue, “é a forma como se comunicam”, e no outro formato escolar se sentem excluídos. Ele defendeu que a Escola Helen Keller se torne uma escola-polo da região da Serra.

 

A diretora da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos, Maria Cristina Laguna, que desde 1995 representa no RS a comunidade surda nas questões educacionais, comentou que este grupo saiu da invisibilidade, “a entidade não era chamada para nada, tudo era decidido por pessoas não deficientes”, situação que se alterou com a inserção da Feneis como órgão de representação da comunidade surda. Cristina Laguna disse que a educação bilíngue segue orientação de relatório do MEC, organizado por pesquisadores surdos e professores da área da surdez e de Libras. Ponderou, no entanto, que “muitas escolas não sabem como lidar, como será a metodologia, é uma construção que devemos fazer juntos”. E alertou para a complexidade da aplicação da instrução pelas Libras, quando os pais, na origem da identificação da deficiência do filho, têm orientação direcionada pelos médicos para uso de aparelhos ou outras metodologias, sugerindo que também a Secretaria da Saúde seja incluída na discussão. Defendeu o uso da língua de sinais como método que assegura o desenvolvimento da criança, mas alertou que “a língua de sinais virou comércio, virou um curso que pode dar de 30 a 40 horas e formar um professor” mas trata-se de aprendizado que exige pelo menos 1.200 horas de aprendizado, afirmou.

 

Dúvidas na Central de Matrículas

Laguna também apontou uma distorção na Central de Matrículas, que encaminha a criança surda para a escola de inclusão sem informar à família que próximo da residência existe uma escola bilíngue, “a família não sabe e não é orientada, vai aprender na dor”, reclamou. Outro alerta foi no sentido de que “a escola equipada com o intérprete não é garantia da construção da identidade dessas crianças”, da mesma forma que “a escola de inclusão não trabalha a cultura surda”. Por fim, ela observou que o guia-intérprete exige uma equipe para atender a pessoa com surdocegueira, e voltou a destacar que a formação desses profissionais no RS está disponível no IFS-Campus Alvorada e na UFRGS, no Campus do Vale, com dois anos de duração e 1.200 horas, “e mesmo assim é insuficiente”. Conforme Cristina, “o curso de capacitação de intérprete não é para ensinar libras, mas para formar profissionais em atuar em áreas especificas, pessoas que entendam a cultura surda e como fazer a intepretação adequada, a libra e os cursos de libra virou comércio”, voltou a afirmar.

 

A chefe da Divisão de Políticas de Educação Especial da SEDUC, Vânia Elisabeth Chiella, é antiga lutadora da regulamentação das Libras, como mãe e como cidadã, adiantou que o processo que está em curso é um “mosaico que precisa ser organizado”. Ela assumiu a função há 15 dias e disse que “inclusão não é lugar de chegada, inclusão é um processo que deve acontecer também na escola”, normativa que deverá orientar sua atuação na função. Chiella aguarda a finalização do documento das políticas linguísticas de educação bilíngue, relatório de vários estados que deverá definir o perfil dessa escola, “esse é o papel que vou assumir, poder viabilizar que isso aconteça”. Ela explicou o conceito de escola bilíngue, “são aquelas onde a língua de instrução é libras, e a língua portuguesa é ensinada como segunda língua”, explicando que o funcionamento se dá com a instalação em espaços arquitetônicos próprios com professores bilíngues sem mediação de intérpretes. Ela também já visitou as cinco escolas que atuam com esse perfil. Sobre a orientação dada na Central de Matrículas, Vânia Elisabeth orientou para que os familiares sejam conduzidos às escolas adequadas para as crianças surdas, para que possam fazer a opção.

 

Esforço da escola de Gravataí

A seguir, manifestou-se a diretora da Escola Municipal Santa Rita de Cássia, Kátia de Bem, de Gravataí, relatando a ansiedade da comunidade escolar, ao final de cada ano, com a iminência de fechamento do estabelecimento escolar diante de conflito com o Plano Municipal de Educação. Ela relatou o empenho do corpo docente em atender os 40 alunos com as mais variadas inclusões, dos quais 20% são alunos surdos, alguns deles presentes na audiência pública. Muito emocionada, a professora revelou o empenho e dedicação de todos para atender as exigências desses alunos, com três intérpretes e outros 12 profissionais que atuam diretamente com a inclusão. Conforme Kátia, uma sala de aula com 30 alunos pode contar com cinco inclusões diferenciadas, desde alunos surdos, autistas ou down, além de outras deficiências. E continuou com a rotina da escola na alimentação dessas crianças, e dos cuidados na relação com as famílias, “tudo isso sem que a escola seja unicamente de educação especial”.

 

Portadora de surdez e cegueira, a jovem Leslie se manifestou com apoio da guia-intérprete Vânia Rosa, método que assegurou a comunicação com a plateia. Disse Leslie, que é moradora de Santa Catarina, que a presença desse profissional é a ferramenta para a sua acessibilidade, explicando que a sua deficiência exige a presença física da guia-intérprete, “precisa estar perto porque o meu cérebro registra a informação conforme o toque das mãos dessa pessoa”. Ela foi aplaudida com os movimentos de mãos para cima de todos os presentes, que é o registro de reconhecimento e alegria da linguagem dos sinais.

 

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