Escolas cívico-militares na contramão da Justiça
Assembleia aprova escolas cívico-militares na contramão da Justiça
O PL 344/2023 foi aprovado por 30 votos a favor e 14 contra e autoriza o Executivo a instituir o Programa das Escolas Cívico-Militares do Estado do Rio Grande do Sul
Por César Fraga / Publicado em 10 de abril de 2024
Foto: Lucas Kloss/ALRS
Na tarde da última terça-feira, 9, a maioria dos deputados estaduais gaúchos aprovou quatro de treze pontos de pauta que constavam para avaliação do Plenário da Assembleia Legislativa do RS (ALRS). O mais polêmico trata do Programa das Escolas Cívico-Militares.
O PL 344 2023, de autoria do deputado Delegado Zucco (Republicanos) – e outros quatro parlamentares da sua legenda –, foi aprovado por 30 votos a favor e 14 contra, uma nova Lei que autoriza o Executivo instituir o Programa das Escolas Cívico-Militares do Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências. A matéria recebeu uma emenda da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que também foi aprovada.
Do ponto de vista federal, os projetos que apoiavam as escolas cívico-militares, priorizadas durante o governo Jair Bolsonaro, foram descontinuados pelo Ministério da Educação. O modelo de militarização das escolas é amplamente criticado pela comunidades escolar, especialistas e entidades ligadas à educação e também tem a rejeição de 70% dos brasileiros conforme pesquisa DataFolha realizada em 2022, por encomenda pelas organizações não governamentais e sem fins lucrativos Cenpec e Ação Educativa. De acordo com o levantamento, 72% das pessoas acreditam que a gestão das escolas está melhor nas mãos dos professores civis do que com militares. A pesquisa também apontou que as pessoas acreditam que o maior problema das escolas públicas brasileiras passa pela falta de investimento dos governos e pelos os baixos salários dos professores.
A polêmica não vem de hoje. Em junho do ano passado, o governador Eduardo Leite anunciou que apesar do governo federal extinguir o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares (Pecim), com cerca de 25 escolas no RS, à época, manteria as 18 escolas cívico-militares existentes do âmbito estadual.
O fim do programa, no ano passado, foi uma decisão conjunta com o Ministério da Defesa e que planejou uma agenda progressiva de encerramento, após a realização de um processo de avaliação liderado pela equipe da Secretaria de Educação Básica e dos ministérios da Defesa e da Educação. Com isso as escolas cívico-militares existentes (do Pecim) passaram a seguir um calendário de reintegração das unidades educacionais à rede regular de ensino.
Argumentos contrários às escolas cívico-militares na Assembleia
Durante a sessão do parlamento gaúcho, a deputada Sofia Cavedon (PT), que preside a Comissão de Educação, defendeu que a Assembleia Legislativa não pode autorizar o que não está autorizado pela legislação brasileira em relação à Educação nem pela Justiça que já avaliou projetos semelhantes.
Ela citou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para afirmar que apenas professores habilitados em nível médio ou superior para docência nas educações infantil, fundamental e médio. “Então, não há previsão de outros profissionais na educação brasileira para a escola”, enfatizou. Ainda leu artigos da Constituição Brasileira relativos às atribuições das forças policias.
Já a deputada estadual Luciana Genro (PSOL) lembrou que ela é presidente da Frente Parlamentar em defesa dos Brigadianos de nível médio na Assembleia Legislativa. “Sou testemunha pelas centenas de relatos de brigadianos e de brigadianas de quanto o militarismo é adoecedor”, afirmou, pois o militarismo se baseia nas lógicas de guerra, em que uns são inimigos dos outros, e de obediência. A parlamentar defendeu que a escola deve ser um ambiente de aprendizado democrático, onde a segurança dos alunos esteja assegurada pela lógica da pedagogia, do conhecimento, da democracia e do diálogo.
Deputados defensores do PL 344/2023
Em defesa do projeto, Felipe Camozzato (Novo) apresentou os benefícios da escola cívico-militar, trazendo o exemplo do estado de Goiás, que de 2013 a 2019, expandiu o programa abrangendo 60 escolas: redução de 10% na distorção de idade e série; aumento de 0,6 no IDEB; aumento de 15,25% nas notas de matemática; aumento de 11,61% nas notas de português. “Quando a gente olha para os indicadores, a gente consegue afastar as narrativas ideológicas e políticas e avaliar se uma política pública faz ou não faz sentido. E, nesse caso, me parece que fica claro que faz sentido”, explicou.
Um dos autores, o Delegado Zucco (Republicanos) disse que espera que os projetos passem pelas comissões parlamentares, como foi o caso da matéria, e que sejam discutidos no maior exemplo de democracia como ocorreu hoje. Lembrou que não era o único autor do texto, já que toda a bancada do Republicanos assinou o projeto, que recebeu apoio de vários outros parlamentares. Defendeu que o modelo cívico-militar é mais uma alternativa para a educação dos jovens no estado. “Não tenho dúvida nenhuma que o modelo é de sucesso”, citando exemplos de Canoas e Tupanciretã.
Também se manifestaram Capitão Martim (Republicanos), Leonel Radde (PT), Professor Cláudio Branchieri (Podemos), Bruna Rodrigues (PCdoB), Matheus Gomes (PSOL), Rodrigo Lorenzoni (PL) e Guilherme Pasin (PP).
Como votaram os deputados na Assembleia Legislativa do RS
A FAVOR – Frederico Antunes (PP), Guilherme Pasin (PP), Joel Wilhelm (PP), Professor Issur Koch (PP), Silvana Covatti (PP), Carlos Búrigo (MDB), Edivilson Brum (MDB), Patrícia Alba (MDB), Rafael Braga(MDB), Vilmar Zanchin (MDB), Capitão Martim (Republicanos), Delegado Zucco (Republicanos), Eliana Bayer (Republicanos), Gustavo Victorino (Republicanos), Sergio Peres (Republicanos), Delegada Nadine (PSDB), Kaká D’Ávila (PSDB), Neri Carteiro (PSDB), Pedro Pereira, (PSDB), Cláudio Tatsch (PL), Kelly Moraes (PL), Paparico Bacchi (PL), Rodrigo Lorenzoni (PL), Aloísio Classmann (União), Dirceu Franciscon (União), Dr. Thiago Duarte (União), Airton Lima (Podemos), Prof. Claudio Branchieri (Podemos), Felipe Camozzato (Podemos), Elizandro Sabino (Podemos).
CONTRA – Airton Artus (PDT), Gerson Burmann (PDT), Luiz Marenco (PDT), Adão Pretto Filho (PT), Jeferson Fernandes (PT), Leonel Radde(PT), Luiz Fernando Mainardi (PT), Pepe Vargas (PT), Sofia Cavedon (PT), Valdeci Oliveira, (PT), Zé Nunes (PT), Luciana Genro (PSOL), Matheus Gomes (PSOL) e Bruna Rodrigues (PCdoB)
Justiça aponta inconstitucionalidades
Um despacho da juíza Paula de Mattos Paradeda, da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre da última, em 22 de novembro de 2023, decidiu pela ilegalidade do modelo de escola cívico-militar no território gaúcho. A magistrada manteve, portanto, a decisão anterior do desembargador Ricardo Pippi Schmidt, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), quando, em 2022, julgou procedente uma ação do Cpers-Sindicato e da Central Intersindical e decidiu suspender a criação de novas escolas cívico-militares no estado, ao apontar a inconstitucionalidade do decreto que autorizou militares para atuarem na gestão educacional das escolas.
Com isso, a decisão suspendeu a militarização de escolas mantidas pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc-RS) e pelos municípios além de instituições militares como o Colégio Militar de Porto Alegre, mas não alcança aquelas que já foram militarizadas.
Em sua decisão, a magistrada destaca que a aplicação do Decreto 10.004/2019 “extrapola os limites, tanto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, como da Lei Estadual que dispõe sobre a gestão democrática do ensino público” no Rio Grande do Sul. A decisão atende a uma solicitação 39º núcleo do Cpers Sindicato e da Intersindical e foi resultado de medida encaminhada pelo escritório Rogério Viola Coelho – Advocacia dos Direitos Fundamentais.
Civilinização versus militarização
Em artigo publicado no Extra Classe, intitulado Um questionamento sobre as escolas cívico-militares, o professor aposentado da Força Aérea e pós-doutor em Educação pela USP, Antônio Carlos Will Ludwig faz algumas considerações sobre a militarização do ensino. Entre elas, aponta no cenário mundial o confronto secular entre os processos da militarização e da civilinização. Segundo ele, a “militarização diz respeito à presença de militares ou de concepções militares em setores da sociedade”.
“Decorrente da evolução tecnológica, a civilinização refere-se à presença de civis ou de concepções civis nas organizações militares. Agrega ainda a noção do progressivo desaparecimento das diferenças entre paisanos e fardados, bem como da paulatina incorporação das instituições bélicas pela esfera civil. Embora em alguns países a militarização esteja à frente da civilinização, caso da Rússia e da China, nos países de democracia consolidada como os integrantes da Comunidade Europeia, a civilinização se encontra bem à frente da militarização”, compara.
Para o especialista, que é autor de livros sobre o tema – Democracia e Ensino Militar (Cortez, 1998) e A Reforma do Ensino Médio e a Formação Para a Cidadania (Pontes, 2019) –, no atual momento do processo histórico, em vários países do mundo, tanto os regidos pela democracia quanto os norteados pela autocracia exibem o fenômeno da militarização do ensino, observando que ele aparece com mais frequência e é mais incisivo nos regimes autoritários em que o poder militar é destacado. Em, outras palavras a civinilização do ensino está para a democracia da mesma forma que a militarização do ensino está para as ditaduras.
“Durante o período moderno a escola militar deixou de ser relevante e perdeu a razão de ser. Isto se deve ao fato do surgimento dos Estados Nacionais. Com efeito, quando eles apareceram foram criadas as instituições necessárias ao seu funcionamento e a sua perenidade. As Forças Armadas são a mais importante dessas escolas”, defende.
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