Escolas discutem traumas
Ensino online muda a educação básica, e escolas discutem traumas
Vídeo chamada virou realidade para setor privado, mas rede pública enfrenta dificuldades com equipamento e internet. Professores e estudantes receberão suporte psicológico na volta às aulas
A pandemia transformou a realidade da educação no mundo inteiro. Uma parcela de professores teve que adotar o sistema digital de ensino do dia para noite, e alunos também foram obrigados a se adaptarem ao novo formato. Em outro grupo, muitas escolas e estudantes no Rio Grande do Sul nem sequer puderam ter a mesma chance, no caso da rede pública, onde computador e internet ainda são vistos como artigo de luxo e não estão tão presentes na vida estudantil como deveriam. Os pontos em comum entre os dois lados são a saudade do ambiente escolar e a preocupação com a saúde mental, não só das crianças e adolescentes, que por muitas vezes parecem ter chegado ao limite, mas também de um corpo docente sobrecarregado com carga horária e pressão constante. O apoio psicológico dentro das instituições é mais que uma saída para a crise na retomada, é um dever da gestão de educação pública e privada para salvaguardar a geração coronavírus e minimizar o impacto de traumas potencialmente graves.
Nas escolas particulares, a transição para o ensino online foi rápida e eficiente na maioria dos casos. O que demorou para acontecer, na verdade, foi a adaptação às telas. Se controlar os ânimos de crianças num espaço físico já era difícil, por vídeo virou tarefa quase impossível. Da mesma forma, professores enfrentam dificuldades para mudar o sistema das aulas, utilizar a plataforma escolhida, produzir e editar conteúdo, enviar e receber trabalhos e ainda lidar com uma quantidade elevada de lives diárias. Alguns meses se passaram desde o sufoco inicial, e agora alunos e docentes já conseguem participar com maior naturalidade. O grande desafio, portanto, passa a ser tornar o mundo virtual como política permanente de ensino. “Agregamos metodologias e recursos que antes não eram tão utilizados. Tudo isso que estamos passando será aproveitado no futuro, e deve permanecer a partir de novos investimentos que serão feitos pelas escolas. Mas nenhuma atividade on-line é tão rica quanto a presencial, especialmente para crianças. Isso é insubstituível”, explica Cecília Farias, diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS).
Na rede estadual, contudo, o buraco é mais embaixo. A condição financeira das famílias e a defasagem das estruturas fez com que o novo mundo virtual de aulas soasse como utopia para boa parte dos estudantes. Ao invés de encurtar a distância entre tecnologia e aluno, o processo de transição para o on-line escancarou as diferenças sociais, gerou medo e angústia sobre um futuro incerto. “Estamos vivendo diferentes realidades no ensino gaúcho. Boa parcela dos alunos não tem condições financeiras para migrar para o ensino on-line, nem estrutura em casa que possa suportar o ensino remoto. Há casos em que os estudantes não são mais encontrados. Nosso medo é que muitos tenham desistido da educação. Isso não se recupera tão facilmente”, analisa Helenir Schurer, presidente do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers-Sindicato). Apesar das ressalvas, Helenir acredita que o momento pelo qual a sociedade está passando ajudará a acelerar o processo de transição tecnológica na rede pública estadual, o que deve ser celebrado. Em casos mais positivos, a suspensão das aulas por conta da pandemia, segundo ela, ajudou pais, alunos e professores a aprenderem a utilizar a tecnologia a favor do ensino.
Há um debate no setor sobre a possibilidade de adotar o sistema híbrido nos ambientes escolares, da mesma forma como devem fazer as universidades. O presidente do Sindicato do Ensino Privado do RS (Sinepe/RS), Bruno Eizerik, afirma que as instituições estão discutindo a possibilidade para a volta às aulas. “Caiu por terra a ideia que apenas o ensino superior poderia aderir ao sistema remoto. Crianças estão sendo alfabetizadas pela internet. Então, será que precisamos continuar com aulas cheias de conteúdo, quando o professor pode utilizar a tecnologia como complemento? Acredito que devemos repensar o papel da escola, do professor, dos alunos para o futuro. Será que as aulas não poderiam ser três vezes na semana presenciais e duas vezes on-line? Um sistema híbrido de ensino?”, questiona.
As emoções reprimidas pelo tempo prolongado longe do colégio também é pauta essencial no retorno às atividades. O presidente do Sinepe destaca que as escolas devem se preparar para enfrentar este tema de forma direta, estruturando equipes de apoio psicológico e preparando os profissionais para eventuais traumas que possam surgir. “A grande questão é a saúde emocional das crianças e dos profissionais da educação. A volta às aulas exigirá mais esforços no tratamento psicológico do que de conteúdo, na verdade. A escola muitas vezes conseguia identificar casos de violência doméstica, por exemplo. Agora, não estamos mais colhendo este tipo de informação, não sabemos o que está acontecendo dentro de casa. E isto é fundamental no acompanhamento das crianças”, ressalta Eizerik.
Desafios não faltam para a educação básica no Rio Grande do Sul. A única certeza é que o setor sai fortalecido e valorizado da crise. “Evoluímos dezenas de processos que talvez demorassem uma década para acontecer. Trata-se de um ano de muito aprendizado e muitos ganhos. O ano letivo definitivamente não está perdido”, sentencia o presidente do Sinepe/RS. Para a diretora do Sinpro-RS, Cecília Farias, esse é o aprendizado diante da adversidade, de enfrentar desafios. “Esse ganho que isto traz para nós é imensurável. É o maior legado, com certeza”, destaca.