Escolha dos livros do PNLD

Escolha dos livros do PNLD

De que forma são escolhidos livros como “O Avesso da Pele”, retirado de biblioteca em escola de Santa Cruz do Sul

Acervo de obras literárias e didáticas previsto em programa do governo federal é elaborado a partir de indicações de editoras e pareceres de especialistas

04/03/2024   - Isabella Sander

 

 

Censurado pela 6ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), da região de Santa Cruz do Sul, e depois devolvido às prateleiras escolares por determinação da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), o livro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, integra o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) do governo federal. O título aborda temas como racismo, violência policial e a relação entre pais e filhos, e foi o vencedor do Prêmio Jabuti 2021, na categoria “Romance Literário”.

A iniciativa de distribuição de obras para escolas públicas – uma das maiores do mundo – envolve uma série de etapas para a construção de seu acervo, reúne centenas de pareceres de especialistas e tem como critérios qualidade do texto, adequação à faixa etária, projeto gráfico-editorial e qualidade dos materiais digitais.

Em 2024, quase 200 milhões de livros e materiais didáticos foram entregues a instituições de ensino de todo o Brasil por meio do PNLD. A aquisição de obras literárias é menos frequente – aconteceu pela última vez no ano passado, quando 28,5 milhões de exemplares foram comprados para as etapas dos Anos Finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio.

Para escolher os títulos que irão compor o acervo do programa, o governo federal publica um edital de convocação, no qual são descritos que tipos de obras serão aceitos. Nele, editoras interessadas se inscrevem e fazem propostas de obras a serem incluídas na lista. A partir daí, é feita uma triagem dos requisitos técnicos dos exemplares, na qual são avaliadas questões como capa, tamanho e tipo de letra e paginação.

É um processo sério e rigoroso, com pareceristas do Brasil inteiro de diferentes áreas, como universidades e escolas. Cada obra passa por dois pareceristas. Se eles divergem, um terceiro parecerista faz a avaliação.
ANTONIO MARCOS VIEIRA SANSEVERINO
Professor titular de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Os que passam por esse filtro são encaminhados a avaliadores do conteúdo em si, que verificam a qualidade do texto e se aquele conteúdo é adequado para a faixa etária para a qual foi feita a inscrição, por exemplo. No “PNLD 2021 Literário - Ensino Médio”, que incluiu O Avesso da Pele, 190 pessoas trabalharam como avaliadoras.

— É um processo sério e rigoroso, com pareceristas do Brasil inteiro de diferentes áreas, como universidades e escolas. Cada obra passa por dois pareceristas. Se eles divergem, um terceiro parecerista faz a avaliação — explica Antonio Marcos Vieira Sanseverino, professor titular de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Na portaria de 2022 que acrescentou o livro de Jeferson Tenório no acervo do PNLD, 531 títulos foram aprovados e 135 foram reprovados, entre eles, clássicos como Sherlock Holmes e Robinson Crusoé. Foram levados em conta os seguintes critérios:

  • Qualidade do texto e adequação ao gênero literário

  • Adequação temática no âmbito do ensino médio

  • Projeto gráfico-editorial e paratexto

  • Qualidade dos materiais digitais

O edital que precedeu essa portaria informava que seriam priorizados livros com temas como projeto de vida, inquietações da juventude, o jovem no mundo do trabalho, a vulnerabilidade dos jovens, cultura digital no cotidiano do jovem, bullying e respeito à diferença, protagonismo juvenil, cidadania, diálogos com a sociologia e a antropologia, ficção e mistério e fantasia. Havia margem, contudo, que se abordassem outros temas, desde que nomeados, definidos e justificados.

O acervo é apresentado às escolas públicas brasileiras, que fazem, então, a escolha das obras que irão utilizar naquele ano. Apenas após a compilação dos dados referentes aos pedidos realizados pelas instituições, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) negocia os valores junto às editoras.

A bibliotecária escolar Gislene Sapata Rodrigues destaca que o trabalho pedagógico sempre perpassa a escolha das obras, e que o professor fará a mediação daqueles conteúdos para os seus alunos.

 O Avesso da Pele, embora tenha algumas cenas com um conteúdo de caráter sexual, não é só isso. Ele é uma obra muito mais profunda, porque desmascara a questão do racismo, inclusive o racismo cotidiano e o estrutural, pela narrativa que o Jeferson Tenório traça. Por isso, vejo muito mais contribuições desse livro do que algo que negativo que possa ficar para o adolescente — pontua Gislene.

Sanseverino disse não saber se há, de fato, alguma temática inadequada para alunos do Ensino Médio – o que precisa ser discutida é a pertinência daquela leitura na formação de alguém.

— A inadequação me parece ter mais a ver com o grau de acessibilidade daquela obra. Um romance experimental dado para o 1º ano do Ensino Médio, por exemplo, pode mais afastar uma pessoa da leitura do que aproximar. O ponto é partir dessa experiência primeira que o leitor tem para, daí, expandir. A chave é ver a literatura como algo que envolve o leitor, para formar alguém que se mantenha como leitor fora da escola — observa o docente.

Entenda o caso

Cerca de 200 exemplares de O Avesso da Pele chegaram à Escola Estadual de Ensino Médio Ernesto Alves de Oliveira em dezembro de 2023, com a finalidade de serem trabalhados em sala de aula. Ao perceber que algumas páginas da obra continham palavras que definem órgãos sexuais e se referem a relações íntimas, a diretora da instituição, Janaina Venzon, se revoltou e publicou, na sexta-feira (1°), vídeo em que critica o "vocabulário de tão baixo nível" da obra. Na postagem, também pediu que o Ministério da Educação buscasse os exemplares enviados à escola.

Janaina diz ter recebido orientação do titular da 6ª Coordenadoria Regional de Educação, Luiz Ricardo Pinho de Moura, para recolher os livros da biblioteca da instituição e os manter sob seus cuidados até “segunda ordem”, o que consta em um ofício mostrado pela diretora a GZH.

A Seduc, contudo, negou que tenha havido qualquer orientação da coordenadoria regional para recolher os livros. "Os livros não foram retirados e não houve nenhuma orientação da Coordenadoria Regional para nenhum recolhimento", respondeu à reportagem de GZH. A pasta também reiterou que a escolha das obras literárias é realizada diretamente pelas equipes gestoras das escolas. Acionado pela reportagem de GZH, Moura disse que não poderia conversar e que o assunto seria tratado pela Seduc.

Nascido no Rio de Janeiro, Jeferson Tenório é radicado em Porto Alegre e estreou na literatura com O beijo na parede (2013), eleito livro do ano pela Associação Gaúcha de Escritores. Ele também é autor de Estela sem Deus (2018) e O avesso da pele (2020), que venceu o Prêmio Jabuti em 2021 na categoria Romance Literário. Tenório foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 2020, o mais jovem escritor e o primeiro negro escolhido para o posto. Teve textos adaptados para o teatro e contos traduzidos para o inglês e o espanhol.


FONTE:

https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao/noticia/2024/03/de-que-forma-sao-escolhidos-livros-como-o-avesso-da-pele-retirado-de-biblioteca-em-escola-de-santa-cruz-do-sul-cltdhsnd200ao0198cexfos5g.html?fbclid=IwAR0JrB4ckZyJ4aHlF4_1QtH_frStO47S3EkXe5L-v2x2oE12t633U64xnnM 




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