Esquecimento do massacre de Aracruz
Familiares e professores criticam processo de esquecimento do massacre de Aracruz e pedem justiça
POR NINJA - 02/12/2022
Familiares das vítimas e professores pedem que pai do assassino também seja investigado, e que ano letivo seja encerrado
O assassino está apreendido e vai responder a ato infracional análogo a três homicídios e a 10 tentativas de homicídio qualificado.
Familiares e funcionários das escolas estão exaustos e o poder público do estado trabalha para retomar a normalidade na cidade. A comunidade de Aracruz criticou o fato das flores colocadas em frente à escola em homenagem às vítimas terem sido colocadas no lixo no processo de limpeza para o retorno às aulas.
Professores reivindicam que a Secretaria de Educação do Estado (SEDU) encerre o ano letivo, porém a SEDU concedeu entrevista coletiva nesta quarta-feira (30), avisando que a Escola Estadual Primo Bitti, em Coqueiral de Aracruz, no Norte do Espírito Santo, está sendo preparada para receber alunos e profissionais que quiserem retornar ao ambiente escolar depois do massacre. ⠀
Professores denunciam que funcionárias terceirizadas, que foram obrigadas a limpar o sangue das professoras atingidas, continuam na escola, assim como os vigias e toda uma rede de profissionais contratados.
“No entorno da Primo Bitti, assim como em outras escolas do município, haverá reforço no policiamento para aumentar a sensação de segurança de alunos, professores e servidores da Educação. A presença dos militares será diária até o fim do ano letivo”, informou a SEDU.
O Plano de Ação integrado entre Governo do Estado e Prefeitura de Aracruz para lidar com o fato nos próximos dias e semanas inclui ajuda psicossocial às vítimas do ataque em Aracruz, conforme informado na coletiva de imprensa de quarta-feira.
“Entre as ações traçadas de forma conjunta e previstas estão: assistência às famílias enlutadas de forma presencial ou por teleatendimento; acolhimento coletivo dos docentes, discentes e demais trabalhadores; intervenção na estrutura física da EEEFM Primo Bitti; readequação das atividades pedagógicas para o público da escola atingida, entre outras”, informou a SEDU.
Crime ligado ao fascismo
O caso segue sob investigação da Delegacia Especializada de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) de Aracruz e informa que detalhes da operação serão repassadas apenas por coletiva de imprensa para que a investigação seja preservada.
Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, o delegado André Jaretta, confirmou que a roupa militar com uma suástica costurada, além da análise do celular do adolescente que atacou as escolas, mostram que o atirador era simpatizante à causa nazista.
O atirador utilizou uma pistola .40 e um revólver para cometer os crimes. As armas são do pai, tenente da Polícia Militar, que também já se mostrou simpatizante ao nazismo. Em uma postagem de suas redes sociais há uma imagem do livro “Minha Luta”, de Adolf Hitler.⠀
Em conversa com o jornal Estado de S. Paulo, o pai do adolescente delinquente comentou sobre a postagem: “Livro péssimo. Li e odiei”, afirmou o PM ao Estadão, sobre a obra antissemita que alimenta movimentos de extrema-direita até os dias de hoje.⠀
A Corregedoria da Polícia Militar informou que instaurou um Inquérito Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar a circunstância do acesso do jovem às armas. As duas armas utilizadas pelo adolescente foram apreendidas e entregues à Polícia Civil. “O militar foi transferido do serviço operacional para o administrativo”, informou a PM do Espírito Santo.
“Esse fato não é isolado e esta ligado ao fascismo, aos discursos de ódio, a ideologia nazista que o pai simpatiza”, afirmou uma professora que não quis se identificar.
Além da roupa camuflada com a suástica nazista, o adolescente também usava um chapéu e máscara de caveira para tapar o rosto. Imagens da câmera de segurança das escolas filmaram o atentado e mostra que o assassino sabia manusear o armamento e efetuou os disparos friamente.
Em depoimento, o adolescente afirmou que aprendeu a atirar sozinho pelo Youtube. Essa alegação é contestada por familiares e professores, que também pedem que o pai seja responsabilizado por ser o responsável pelas armas e munições.
“Os pais querem justiça, assim como nós professores”, declara uma das educadoras.
Artigo da professora Luizane Guedes, divulgado pelo Movimento Negro Unificado do Espírito Santo, aponta a influência da extrema direita, grupos e fóruns online que pregam o ódio a negros, mulheres, pessoas LGBTQIA+, entre outros, como um dos responsáveis por este crime tenebroso em Aracruz.
“Muitas mãos tem matado nossas professoras, alunas, majoritariamente mulheres no caso de Aracruz. Muitas mãos tem fomentado essa sanha raivosa em adolescentes e jovens. Não acreditamos em uma mão única que “aperta” esses gatilhos, não acreditamos em alvos aleatórios, assim como não acreditamos em soluções que passem pelo individualismo dessa responsabilidade”, escreveu.
Abandono escolar
O adolescente de 16 anos não frequentava a escola desde julho de 2022, quando estava no 1º ano do Ensino Médio, conforme informações da Gazeta do Espírito Santo.
“O secretário de Estado da Segurança Pública e Defesa Social, coronel Marcio Celante, afirmou que o jovem abandonou as atividades escolares há quatro meses com a permissão dos pais. Ele estudava na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Primo Bitti, a primeira atacada”, informou o jornal capixaba.
A reportagem lembrou que a educação básica é obrigatória. Segundo a legislação brasileira, a educação básica é obrigatória dos 4 aos 17 anos de idade, sendo dever dos pais efetuar a matrícula nas escolas. Três leis federais regulamentam a obrigatoriedade da matrícula: o Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e o próprio Código Penal.⠀
Além de ser filho de um policial militar da ativa, que dizia atuar também como psicanalista, o assassino é filho de uma professora aposentada – que trabalhou em uma das escolas atacadas por cerca de 17 anos. Os pais saíram do bairro, e retiraram seus pertences da casa um dia após o crime.
A investigação preliminar do crime alega que o crime pode ter sido motivado pelo “bullying” que o assassino alega ter sofrido na escola. A informação foi passada na última entrevista coletiva da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SESP), realizada na segunda-feira (28).
“O menor afirmou que planejou a ação durante dois anos e que aproveitava os momentos de ausência dos pais em casa para manusear as armas de fogo que pertenciam ao pai, as mesmas utilizadas para cometer os delitos”, disse o delegado titular da Delegacia Especializada de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Aracruz, André Jaretta.
Segundo o delegado que está à frente do caso, o adolescente fazia acompanhamento psicológico e tomava medicações, “porém, era muito distante da família”. “Os pais não sabiam de nada do que estava acontecendo. Eles explicaram que ele ia ao psicólogo, ao psiquiatra e fazia uso de medicação, porém, ele nunca se abria com ninguém e era muito distante da família. Ele não tinha uma relação de amizade nem com o pai e nem com a mãe”, disse o delegado.
Vítimas do ódio
Quatro pessoas morreram em decorrência do ataque. A estudante Selena Zagrillo, 12 anos, e as professoras Maria da Penha Pereira de Melo Banhos, 48 anos, e Cybelle Passos Bezerra, 45 anos, e Flávia Amoss Merçon Leonardo, 38 anos.
Ainda há mais cinco vítimas internadas, incluindo duas crianças que já não correm mais risco de vida. Uma delas é um menino de 14 anos, que teve perfurações na barriga, e a outra é uma menina de 14, que levou um tiro na cabeça e ficou entubada por uns dias.
A Secretaria da Saúde do Espírito Santo (SESA) informou que uma mulher de 37 anos segue entubada em UTI do Hospital Estadual Dr. Jayme dos Santos Neves (HEJSN) em grave estado geral.
Crime brutal (relato de uma professora)
Por volta as 9h30 da manhã, o assassino parou o carro em um estacionamento na lateral da Escola Municipal Infantil e da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio localizadas no bairro Coqueiral. Com o uso de ferramentas específicas, arrombou dois portões em um corredor que dava acesso à área externa da Escola Estadual e à porta dos fundos da sala dos professores que estava aberta.
O atirador entrou na sala atirando e, entre um pente e outro de balas, saia da sala para recarregar. Ali atingiu mortalmente as professoras Flávia Amboss Merçom, de 36 anos, Maria Penha Pereira de Melo Banhos, de 48 anos, e Cybelle Passos Bezerra, de 45 anos.
Enquanto o ataque ainda ocorria a polícia foi avisada, os estudantes foram evacuados da escola estadual, a escola infantil ao lado foi orientada a trancar suas portas e proteger suas crianças.
Quando sua munição acabou, o assassino retornou ao carro pelo caminho de onde veio, e percorreu cerca de um quilômetro até a escola particular de ensino fundamental e médio, onde disparou todas as balas do tambor de uma pistola, atingindo mortalmente Selena Zagrillo, de 12 anos.
Pelo menos uma diligência da polícia foi informada do ataque nesse momento e retornou para o local. Ao todo, o ataque deixou pelo menos 13 feridos, alguns deles ainda em estado grave.
O assassino saiu da escola com o carro do pai, em que dirigia e que havia tampado as placas, e percorreu cerca de dois quilômetros – um trajeto de cinco minutos – até sua casa. Guardou o carro, recarregou e guardou as armas, guardou as vestimentas utilizadas no ataque, enquanto os pais estavam na sede do município de Aracruz, há cerca de 22 quilômetros do ocorrido.
Informações desencontradas, fotos e vídeos imediatamente se alastraram pela comunidade do bairro, de cerca de 5 mil pessoas, que conta com sistema de vigilância solidário integrando câmeras particulares dos moradores com as câmeras da Polícia Militar desde 2019.
Nesse meio tempo, os pais do assassino retornaram de Aracruz, almoçaram com ele, e saíram para outra casa de praia no bairro Mar Azul, há cerca de 8 quilômetros onde foi apreendido, cerca de 5 horas após os assassinatos, ainda com o chapéu usado nos ataques.
Ele foi levado a casa em que estavam guardados os itens relacionados ao crime: roupas paramilitares, suásticas utilizadas como emblema, armas do pai, ferramentas e o carro.
O adolescente foi autuado em flagrante por atos infracionais análogos aos crimes de homicídios consumados e tentativas de homicídios. Ele foi encaminhado ao Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases) e a investigação segue em andamento.
“Iremos considerar todas as linhas de investigação para podermos trazer uma solução sobre o fato, porém, é importante ressaltar que algumas informações só poderão ser coletadas a partir de uma investigação aprofundada. Com isso, poderemos saber se o adolescente recebeu influências externas para cometer o ato, se ele costumava acessar fóruns da ‘deep web’ e outros dados que podem ser importantes para o inquérito policial, já que no momento não há indícios dessas questões citadas”, afirmou o delegado.