Estudo, alternativas para evitar enchentes
Estudo de 2018 apontava alternativas para evitar enchentes na Região Metropolitana
Foto: Bruna Ourique/PMC
As cidades da Região Metropolitana de Porto Alegre, fortemente afetadas pela cheia que atinge o Rio Grande do Sul, já tinham conhecimento de possíveis medidas preventivas e das consequências de não tomá-las. Isso porque, em 2018, a Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan) entregou o Plano de Proteção Contra Cheias aos prefeitos da época. Trata-se de um estudo que projeta diversos cenários e propõe alternativas, como a remoção das pessoas das orlas e a construção de diques de proteção.
O então superintendente da Metroplan, Pedro Bisch Neto, que apresentou o Plano, afirmou que o estudo utilizou fotografias aéreas e realizou audiências públicas. O plano identifica e estima os custos de uma eventual omissão do poder público, além de fornecer diretrizes para o desenvolvimento urbano nas cidades.
Especialista em Gestão Estratégica do Território Urbano, a arquiteta Letícia Xavier Corrêa trabalhou como Secretária Adjunta de Mobilidade Urbana na Prefeitura Municipal de Canoas de 2021 a 2023. “Participei de diversas reuniões e grupos de trabalho sobre o plano diretor municipal, que estava em processo de revisão, e uma pauta frequente era a famosa ‘mancha de inundação’ da Metroplan. Quem trabalha com planejamento urbano na região metropolitana de Porto Alegre já ouviu falar muito sobre esse tema”, afirma.
Mancha de inundação da bacia do Rio dos Sinos. Fonte: Metroplan
A Metroplan projetou três cenários. No primeiro, a população simplesmente conviveria com as cheias e estiagens, levando a um prejuízo de cerca de R$ 7 bilhões. Já em um segundo cenário, onde seria feita a desapropriação e revitalização das áreas de risco, haveria um custo de R$ 643 milhões. Em um terceiro cenário, além da desapropriação de áreas, seriam construídos diques de proteção do Baixo Sinos, levando a um custo adicional de R$ 390 milhões.
“Mas o mercado de terras é o que uma cidade tem de mais valioso. Demarcar uma área da cidade no plano diretor como área restrita a ocupação tem como efeito imediato a desvalorização imobiliária, pois a área perde seu potencial construtivo”, explica Letícia.
Segundo a ex-secretária adjunta de Canoas, o estudo da Metroplan caiu como uma “bomba” na cidade e em vários outros municípios. No caso da vizinha de Porto Alegre, a maioria dos vazios urbanos disponíveis foram demarcados como área alagadiça pela Metroplan. “Os proprietários desses terrenos com certeza não gostaram desse estudo. A partir desse ponto, começa o jogo de poder da cidade”, relembra.
A planície de inundação da Bacia do Sinos passou a ter restrições oficiais para uso e ocupação. O Ministério Público alterou sua recomendação sobre o princípio da precaução que os municípios e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) deveriam adotar antes de licenciar empreendimentos nas áreas alagadiças.
Assinado em 22 de abril de 2019 pela promotora designada à Regional Sinos, Ximena Cardoso Ferreira, o documento diz que a restrição deveria considerar especialmente os casos de parcelamento do solo urbano para fins de moradia, que foram vedados nestas áreas.
“A iniciativa privada, por sua vez, pressionou pela liberação de construções, alegando que [a determinação do MP] barrava o desenvolvimento da cidade”, afirma Letícia. Diante disso, a Prefeitura de Canoas solicitou um novo estudo hidrológico ao Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS.
A gestão municipal quis que o IPH comparasse alguns cenários e identificasse como a construção de um pôlder no bairro Mato Grande teria impacto na mancha de inundação indicada pela Metroplan. Um pôlder é uma porção de terrenos baixos que são protegidos de alagamentos por meio de diques e dessecamento, para fins de moradia ou agricultura.
O instituto entregou, no final de 2022, a pesquisa onde concluiu que seriam necessárias obras de grande vulto para proteger a área alagadiça de Canoas. “A implantação do Pôlder do bairro Mato Grande não eleva os níveis de enchente no Lago Guaíba e Delta do Jacuí e, da mesma forma, não tem impacto perceptível para Canoas e cidades do Vale dos Sinos”, diz a conclusão.
De posse do estudo, que acabou confirmando a mancha de inundação da Metroplan, a Prefeitura de Canoas apresentou uma proposta de revisão do Plano Diretor da cidade que garantiria o “desenvolvimento da região de forma sustentável”.
“A Região Oeste da cidade estava sem possibilidade de novos licenciamentos desde 2018, prejudicando diversos empreendedores. A solução que estamos construindo com o Ministério Público do RS visa resolver este problema e desenvolver a região com responsabilidade social e ambiental”, disse a então secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Joceane Gasparetto.
“As cidades precisam se coordenar para planejar um conjunto de obras. Não adianta só Canoas construir obras”, pontua Letícia. “Para isso, é necessário que um órgão de gestão na escala regional coordene essas iniciativas e principalmente lidere a busca de recursos para sua execução, sejam eles técnicos ou financeiros”.
Mas a Metroplan, que seria esse órgão, está há anos em processo de extinção. O governo de José Ivo Sartori (PMDB) conseguiu aprovar a extinção do órgão em dezembro de 2016. Na época, servidores da Metroplan distribuíram um material para os deputados pedindo que votassem contra a extinção, apontando que o órgão é “o único que atua no desenvolvimento de projetos de prevenção e minimização de enchentes”. Como o Sul21 mostrou em 2017, a instituição administrava R$ 258 milhões em recursos contra cheias.
“Se de alguma forma estivessem fazendo algo, poderiam ter amenizado essa enchente”, pondera Letícia. “Às vezes não falta planejamento, falta ação”.
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