Evasão escolar
Maioria dos jovens fora da escola gostaria de concluir os estudos, aponta pesquisa
Segundo levantamento da Fundação Roberto Marinho e do Itaú Educação e Trabalho, as principais dificuldades na retomada são as necessidades de trabalhar e de cuidar da família
Apesar do denso volume de jovens brasileiros fora da escola e com os estudos incompletos, a maioria (73%) gostaria de voltar às aulas. Segundo levantamento da Fundação Roberto Marinho e do Itaú Educação e Trabalho, as principais dificuldades na retomada são as necessidades de trabalhar e de cuidar da família. A pesquisa "Juventudes fora da escola" ouviu 1,6 mil jovens de 15 a 29 anos que não concluíram a Educação Básica e nem estão estudando atualmente.
Essa realidade acomete mais de 9 milhões de brasileiros dessa faixa etária, conforme dados de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nesse grupo, há uma forte desigualdade, que faz com que a evasão aconteça mais entre pessoas com deficiência (35%), do meio rural (33%), entre os 25% mais pobres (31%), indígenas (28%), pretos (25%) e pardos (23%).
Perfil sociodemográfico dos jovens que não estudam e não concluíram a Educação Básica:
- Homens: 58%
- Negros: 70%
- Não têm mais idade para frequentar o ensino regular: 86%
Rosalina Soares, assessora de Pesquisa e Avaliação da Fundação Roberto Marinho, destaca que o cenário aprofunda a desigualdade existente no Brasil.
— São dados realmente alarmantes que estão relacionados a um ciclo de pobreza e desigualdade. Ninguém quer viver numa sociedade assim. Portanto, acho que o compromisso com essa juventude deve ser de todos — defende Rosalina.
As consequências para aqueles que não terminam os estudos costumam ser o desemprego, a participação em trabalhos precarizados e a baixa remuneração – e esses são, justamente, os motivos apresentados pelos 73% que desejam completar os estudos. Desses, 58% indicaram que a medida lhes permitiria ter um emprego melhor ou, simplesmente, arrumar trabalho. Outros 28% destacaram a vontade de fazer uma faculdade e ter uma profissão. Quando voltar às aulas, a maioria (56%) quer fazer um curso técnico. Por outro lado, 78% dos respondentes disseram que o trabalho é prioritário em relação ao estudo.
Dos 27% que não manifestaram interesse em voltar a estudar, 32% responderam que o motivo é a necessidade de trabalhar e 17% que precisam cuidar da família – neste último, o percentual entre as mulheres respondentes foi quatro vezes mais alto (34%) do que entre os homens (8%).
Mais da metade (51%) dos jovens que não têm a intenção de retomar os estudos diz ter medo de não conseguir acompanhar as aulas. A experiência marcada por dificuldades de aprendizagem e repetências é comum entre os respondentes – 68% têm histórico de reprovação.
Entre os motivos para terem evadido da escola, os participantes da pesquisa disseram que não teriam abandonado os estudos se soubessem que as oportunidades para quem não conclui o Ensino Médio são tão precárias, se tivessem ajuda para conciliar trabalho e estudo, apoio pedagógico para sanar dificuldades pedagógicas, apoio psicológico ou se o Ensino Médio preparasse para o Ensino Superior e o mercado de trabalho.
Múltiplas soluções
Para mudar essa realidade, o estudo trouxe uma avaliação sobre as ações implementadas no Brasil e no mundo para lidar com o projeto das juventudes fora da escola. São elas:
- Bolsas de incentivo
- Fortalecimento da educação de jovens e adultos (EJA)
- Educação profissional e tecnológica
- Lei da aprendizagem (Jovem Aprendiz)
- Ensino Médio noturno
- Busca ativa
- Matrícula facilitada
- Acolhimento e apoio a jovens mães
- Reforço, mentoria e motivação
- Alerta preventivo: identificar estudantes com mais risco de evasão e intervir a tempo
- Melhorias da saúde mental e do clima escolar
Perguntados sobre o que lhes viabilizaria o retorno aos estudos, 41% dos jovens indicaram que isso seria possível se conseguissem estudar em um horário e trabalhar no outro, enquanto 35% falaram que ter uma bolsa de estudos mensal seria a solução. Um em cada três também apontou a importância de ter uma creche para deixar os filhos enquanto estuda, o que vai ao encontro do perfil sociodemográfico dos respondentes, no qual 60% têm filhos, percentual que sobe para 80%, entre as respondentes do sexo feminino.
Na visão de Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho, a política que irá responder pelos problemas identificados na pesquisa e dará ao jovem condições de estudar precisa ser muito melhorada e quase recriada.
— A gente precisa entender quem são esses jovens e como eles estão. As juventudes são muitas. É diferente pensar numa juventude urbana e em uma rural, em uma no Sul e em outra na Amazônia. Você tem que pensar em políticas que vão ser ajustadas às realidades e necessidades dessa população. Muitos jovens não querem voltar para a escola, dizem “ah, a professora nem gostava de mim”. Para qual escola esse jovem vai voltar? — exemplifica Ana.
Um desafio é abrir diálogo com os jovens que evadiram, segundo a superintendente, até mesmo para que eles tomem conhecimento das políticas públicas já existentes e que podem lhe beneficiar. Ana ressalta que a solução é intersetorial e que, por isso, não depende apenas de governo, mas também da postura dos empregadores desses jovens, que compreendam a sua realidade e sejam solidários.
Rosalina destaca que a maior parte das políticas públicas verificadas na pesquisa não se dedicam aos jovens mais velhos, na faixa dos 24 anos 29 anos, que evadiram da escola há mais tempo. A assessora pontua que ações de busca ativa realizadas pela Unicef (braço da Organização das Nações Unidas para assuntos ligados à educação) em parceria com a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), por exemplo, têm dado bons resultados entre aqueles que abandonaram as aulas há menos tempo, e poderiam ser expandidas. Outra política que ela destaca é a contratação de Jovens Aprendizes.
— Hoje, a gente tem 500 mil jovens aprendizes, mas a gente tem o potencial, se considerar a cota mínima de aprendizagem que as empresas de médio e grande porte devem cumprir, de dobrar esse número. E, para isso, também a gente precisa ampliar a fiscalização e fazer uma grande campanha nacional, porque os jovens nem sabem, ainda mais esses mais vulneráveis, que poderiam ser um jovem aprendiz — observa Rosalina.
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