Evasão escolar continua

Evasão escolar continua

Censo Escolar 2018: a evasão escolar continua aumentando; mas a “culpa” é dos alunos e dos professores?

O Censo Escolar foi divulgado no último 31 de janeiro, pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira); e o que mais a mídia oficial ressaltou foi a “queda” no número de matrículas dos alunos.

quarta-feira 6 de fevereiro

 

É com base neste tipo de resultado dos últimos anos que, desde 2015, principalmente, escutamos dos governos que é necessário reduzir a quantidade de salas de aula ou até mesmo fechar escolas. Naquele ano, em São Paulo, ocorreu a tentativa da aplicação da dita “reorganização escolar” que visava realizar os fechamentos, mas que foi interrompida pela mobilização de professores e ocupação de escolas pelos alunos; e no ano seguinte, em vários estados vimos a experiência se alastrar. Mesmo assim, seguiram progressivamente fechando milhares de salas de aulas, e dizemos até hoje ‘não aos fechamentos’. A justificativa sempre foi: a quantidade de alunos vem diminuindo, entre outros motivos, por conta da evasão escolar. Mas esta justificativa é verídica?

Como mostra o resultado do Censo, sim. Mas o que os governos não dizem, ou tergiversam, omitem, mentem, distorcem é o real motivo pelo qual tantos jovens (e até crianças) abandonam os estudos. E, como veremos adiante, a verdade é que o que gera a tal evasão escolar é o projeto educacional que a classe dominante do nosso país – levada também por requisição das burguesias imperialistas – representada por distintos governos (desde os psdbistas, passando pelos petistas, até o atual bolsonarista, com diferentes políticas de acordo com cada momento do país), vem implementando.

Então: quais são esses dados? Que leitura fazem os órgãos oficiais? E qual é a realidade que vemos nas escolas? O que pensam sobre os estudos e como vivem os nossos alunos?

Os dados oficiais

O Censo relativo ao ano passado mostrou vários dados. No Brasil todo, foram 1,3 milhão de matrículas a menos, contabilizando cerca de 2 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos fora da escola. Dentre estes, a maior taxa é a dos adolescentes de 15 a 17 anos, nesta última idade, um número absurdo: 915.455 que hoje não estudam.

No Ensino Médio, desde 2014, houve uma redução de 7,1% das matrículas. Só de 2017 para 2018, mais de 220 mil jovens a menos na escola – e a imensa maioria nas escolas públicas.

Mas também no Ensino Fundamental (de 1º a 9º ano), que é o período que concentra maior quantidade de alunos, também teve redução de 4,9% nas matrículas em relação a 2014. O Fundamental 2 (6º a 9º) soma a maior parte: 758.828 alunos a menos desde 2012. Desse resultado, vemos que o pior cenário é o do 9º ano: 8,3% a menos.

O Censo também mostra outros dados importantes. Dentre os professores do Ensino Médio, 38,1% não são licenciados na área específica em que lecionam. E no Fundamental 2, 48,3% não tem formação específica na área em que lecionam.
Em relação às estruturas das escolas, os resultados mostram uma porcentagem imensa de escolas que sequer possuem biblioteca, acesso à internet (que dirá rede de qualidade) e pátio. E mais da metade de todas elas não têm laboratório de ciências, sendo que os números mais gritantes se apresentam nas de Fundamental: só 11,5% o possuem, e mais da metade dessas escolas não têm laboratório de informática ou quadra esportiva.

O que dizem os órgãos e dirigentes oficiais

Para os governos, ministros, “doutores” dos órgãos públicos da educação, a grande responsabilidade da alta taxa de evasão é dos professores e dos próprios alunos.
Alegam, em primeiro lugar, o resultado do Censo em relação à distorção de idade-série (que é a relação entre a idade do aluno e ano escolar em que este deveria estar matriculado, mostrando que há alunos que estão fora deste padrão). Isso se deve em boa parte à quantidade alta de reprovações nos anos finais do Fundamental e no Médio.

O discurso na maioria das matérias jornalísticas é de que os professores não são bem qualificados, e são responsáveis por esse alto índice de reprovação. E que este fator é o grande impulso que atira o aluno para fora, uma vez que este perde o interesse pelo estudo (apontando este como um fator isolado, sem relação com mais nada). Quem é professor há algum tempo já sofre há anos uma clara pressão contra as reprovações, e não é incomum achar um professor que já teve sua nota alterada diretamente por diretores e supervisores, só pra aumentar o índice de aprovação; a qualquer custo.

O que também apareceu em entrevistas decorrentes do resultado do Censo foi os “especialistas” dizendo que os alunos “param de aprender” na faixa etária da adolescência. Também nós professores já escutamos dos dirigentes da educação que os alunos são os culpados, pois não têm interesse por aprender, preferem “a vida boa, a festa, as drogas”.

E com base nisso, os governos justificam que devem ocorrer os fechamentos de salas e escolas, diminuição de investimentos, e até mesmo o congelamento deste por parte do governo federal, com a PEC 55 de 2017.

A realidade da precarização da escola e da vida

Quem já ao menos entrou em uma escola pública brasileira (que é a imensa maioria no país – 77,7% segundo o Censo, e que concentra a maior parte dos alunos) sabe que a precarização impera em todos os âmbitos. Quem já ao menos conversou com um professor, sabe que esta é das áreas de trabalho mais mal pagas e com condições de trabalho mais degradantes, dentre as profissões que exigem ensino superior. O próprio Censo nos trouxe alguns dos dados que comprovam este cenário, como apontamos acima.

Então, o primeiro fator responsável pela evasão dos alunos, que explode como evidência e que não é novidade para ninguém, é a precarização da escola e do trabalho do professor. A falta de recursos e de estrutura decente, lotação das salas de aula, sobrecarga do professor, falta de tempo e recursos para a formação continuada dele, torna toda aula mais difícil de se realizar. Somada à falta de democracia interna, ou seja, quase nenhuma abertura para que alunos e mesmo professores possam opinar e decidir sobre os rumos da educação, isso se torna praticamente intolerável.

Somente estes fatores já responderiam a falta de interesse de alunos, suas dificuldades de aprendizagem que se acumulam ano a ano, a desistência de professores – tanto dos que dão aulas “do jeito que dá” para não adoecerem (e mesmo assim adoecem aos montes) quanto dos que abandonam a sala de aula para mudarem de profissão. Como querer uma aula ótima com alunos interessados: em salas abarrotadas, pegando fogo no verão e congelando no inverno; com pessoas esgotadas de tanto trabalhar (professores e alunos também); sem nenhuma ou muito pouca ajuda dos recursos dos mais básicos (como livros e materiais escolares) aos mais avançados, num mundo preenchido por internet, redes sociais e avanços tecnológicos de todas as espécies?

Será que não vem daí as altas taxas de reprovação? A grande quantidade de professores, que por não aguentarem o cotidiano, faltam recorrentemente ao trabalho? O cada vez maior conflito, muitas vezes agressivo, entre alunos, professores e funcionários? Está clara a resposta.

E muitas pessoas creditam essa situação ao descaso dos órgãos públicos. Na verdade, não é descaso, é projeto, implementado desde que o direito ao acesso universal à educação básica foi conquistado pós Ditadura Militar. O plano é deixar as escolas assim para que a maior parte da população, a classe trabalhadora, não tenha acesso à educação de qualidade. Resultado: grande parte dos alunos odeia ou se entedia com a escola, e grande parte dos professores desiste ou não consegue dar o seu melhor. É mais fácil manipular, é mais fácil empregar por menos.

Mas outros fatores se somaram, nos últimos anos, à precarização da escola, que explicam a evasão. São a Reforma do Ensino Médio e a nova BNCC, por um lado, e a cada vez maior precarização da vida do trabalhador, por outro (com a Reforma Trabalhista, privatizações, congelamento de gastos com direitos sociais, aprovação da terceirização irrestrita, e o avanço sobre o direito às aposentadorias). E para dar um “toque final”, as recentes escaladas contra os mais oprimidos: as mulheres, as LGBTs, as negras e negros, os indígenas.

Por um lado, as “atualizações” da precarização da educação colocam alguns questionamentos aos jovens em relação a educação, sendo estes os mais negativos.
A Reforma do EM e a BNCC dizem que dão o direito de escolha ao aluno. Mas na verdade, ao reduzirem a obrigatoriedade de ensino às matérias de Língua Portuguesa e Matemática, passam aos alunos a ideia de que as outras áreas do conhecimento humano não são importantes para a socialização e o avanço intelectual do jovem. Tais ideias já estão sendo veiculadas na tv e na internet, em propagandas oficiais e oficiosas do governo, a eles. Por que então o aluno mesmo tem que dar valor a estas matérias, desde já?

Tais alterações também preveem que uma boa parte, 40%, do estudo do jovem poderá ser concluído fora da escola, em cursos online ou em seus locais de trabalho. Também é sabido que esses métodos de ensino já estão sendo largamente publicizados, e agora terá o aval do governo. Fora os vídeos que já se arvoram a ensinar, sem qualquer critério ou controle acadêmico, e que ganham corações e mentes de jovens no país todo com seus youtubers. Como se não bastasse isso, avança neste momento a outorga do ensino religioso e domiciliar, como capacitados para substituir, pelo menos em parte, o ensino escolar. Como então os alunos se mantêm convencidos da importância de frequentarem a sala de aula, com seus professores formados para ensiná-los?

Sim, podemos dizer que tais políticas educacionais em curso só contribuem para o cada vez maior descrédito do professor e do espaço escolar para o já muito desmotivado aluno, e por consequência a evasão.

Por outro lado, a precarização do trabalho em geral, a falta de recursos para direitos sociais e a restrição – que só aumenta – no acesso ao ensino superior são impositivos contra a formação escolar para vários jovens. Com o avanço dos ataques mencionados acima, é cada vez maior a quantidade de famílias com membros desempregados, com baixíssimos salários, sem direitos trabalhistas. E só aumenta a falta de áreas de lazer e cultura disponíveis ao povo trabalhador.

Como consequência disso, com uma frequência que só se eleva, portanto, vemos crianças e jovens que não moram em boas condições (e portanto não têm boas condições de estudo em casa), não têm acesso à cultura e ao lazer, e que mais cedo precisam trabalhar e contribuir nas contas de casa. Além disso, a precarização e flexibilização das leis do trabalho também é o aumento de oferta de vagas de emprego para os mais jovens e que não exigem Ensino Médio – e que pagam os mais baixos salários e não se obrigam a nenhum direito trabalhista.

Esta perspectiva de futuro cada vez mais precária, em que o aluno de escola pública nem se imagina pleiteando por uma vaga no ensino superior de tão difícil que é, também não é um fator que o estimula a continuar os estudos.

E, somado a tudo isso, machismo, lgbtfobia, racismo, que sempre existiu. Já é enorme a quantidade de gravidezes precoces e de casos de violência doméstica a que várias alunas são submetidas. Já são inúmeros os casos de bullying na escola envolvendo lgbtfobia e racismo. Já são inúmeros os casos de alunos LGBTs com problemas psicológicos. Já são inúmeros os casos de negras e negros que passam a ser parte das estatísticas de violência policial. Estes casos todos, muitas vezes, já tiram, há muito tempo, a aluna e o aluno da escola. E só um parênteses importante: é na escola mesmo que muitos desses absurdos podem ser tratados, debatidos, e às vezes evitados; e é da escola que hoje querem retirar do ensino tudo o que resiste a estes fatores.

Para concluir: o avanço contra o professor e contra o direito à educação da criança e do adolescente é o grande responsável pela evasão escolar. Este avanço, como podemos ver, é gigantesco. Mas o ataque só é tão grande porque a vontade de futuro dos jovens e o poder de elucidação e mobilização dos professores são tão ou mais gigantescas. E é nisto que temos que confiar e colocar nossas energias para combatermos todos estes ataques, e subvertermos, de baixo acima, este sistema de opressão e miséria que sempre vai querer evitar a educação dos explorados.

 

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