Extinção da escola pública
FUNDEB: começa a extinção da escola pública
O FUNDEB saiu ontem da Câmara dos Deputados e agora segue para o Senado. A luta continua. Perdemos, mas perdemos em luta. É certo que a privatização da educação começou há muito tempo, e que não é novidade. Começou talvez quando aceitamos as conveniadas na educação infantil sem, simultaneamente, ampliar a infraestrutura pública de atendimento; depois vieram as ONGs sem fins lucrativos como operadoras da educação pública via terceirização. Terceirizar não é privatizar diziam alguns, mesmo situados no espectro político da esquerda.
Depois de ontem, o cenário muda pois o que é expressamente autorizado é a eliminação física da escola pública por transferência de vagas à iniciativa privada dita sem fins lucrativos.
Ontem, se aprovado também no Senado, começa uma nova fase da privatização: a extinção física das escolas públicas. Graças a um excelente estudo do GREPPE que mapeou a privatização no Brasil nos anos recentes, temos uma excelente linha de base do que foi até agora em termos de privatização e do que ela será daqui para a frente.
Desde algum tempo as estatísticas apontam que há uma redução de nascimento de crianças em vários estados. Isso que seria um momento virtuoso para implementar a educação de tempo integral, ou então, iniciar uma das reformas educacionais mais eficazes, ou seja, a redução do número de alunos em sala de aula, foi tratado com visão de racionalidade econômica e aproveitou-se para extinguir turmas e até escolas.
Agora, temos um novo status para a privatização. A regulamentação em curso autoriza o repasse de até 10% das vagas do ensino fundamental e médio para serem ofertadas através da iniciativa privada sem fins (explícitos) de lucro. Como sabemos da experiência de outros países e daqui mesmo na área da saúde, iniciativa privada sem fins lucrativos é, de fato, como afirma Peter Greene, uma máquina de lavagem de dinheiro público.
Essa decisão significa que as escolas públicas poderão encolher na oferta de vagas em até 10%. Com os municípios e estados enforcados pela queda de financiamento devido à pandemia, serão empurrados nessa direção. Feita a redução e estagnada a ampliação de vagas públicas, a retomada disso – em uma eventual derrubada deste dispositivo dentro de alguns anos – torna-se um grande problema, pois o Estado dificilmente poderá ter recursos para reconstituir, de imediato, a infraestrutura necessária que foi deixada de ser implementada, demandando longo período de readequação da oferta no campo da educação pública de gestão pública. O uso de conveniadas na educação infantil mostra isso.
Mas claro, novos ataques vão tentar ampliar estes 10% iniciais. De fato, o objetivo da coalisão conservadora/liberal é retirar quaisquer limites ao repasse de vagas para a iniciativa privada com ou sem fins lucrativos, através da implantação de vouchers de livre uso (aí incluído o ensino domiciliar).
Note-se que com o Custo Aluno Qualidade a iniciativa privada está exultante, pois vai receber mais dinheiro do que eventualmente receberia em uma negociação direta com Guedes.
Mas esta questão não é o único problema. Há, sim, o lucro. Mas isso não é tudo. O governo pressionou para incluir as escolas confessionais – programa conservador – os neoliberais pressionam para incluir a iniciativa privada sem fins (explícitos) de lucro, com vistas a ampliar, como dissemos, depois, para as com fins (explícitos) de lucro. A lógica neoliberal é que o Estado não é um bom administrador da coisa pública.
Além disso, há um objetivo político/ideológico: conservadores e neoliberais querem que a escola fique em “mãos seguras”: militares, pastores, padres e empresários. Isso também não é novo, mas ganha nova envergadura. Este movimento de controle ideológico vinha sendo feito com a introdução do gerencialismo, com a introdução de pacotes de ensino e agora prepara-se para introduzir o ensino híbrido, em uma linha contínua de “privatização e controle por dentro”.
Este desejo de controle da escola pública, no entanto, não é apenas motivado pelo “lucro”, sempre presente, mas pelo fato de que o Estado, para conservadores e neoliberais, cada vez mais é algo inseguro.
As massas pressionadas pelas crises – que eles sabem que virão – podem convencer os Congressos a votarem leis que afetem os interesses de acumulação privada. Para isso, é preciso formar a juventude no espírito anti-estatal, anti-coletivo, anti-solidariedade. É preciso que os jovens se convençam de que o sucesso (e o fracasso) são uma questão pessoal, individual e não culpa do Estado e do sistema social. Se convencida disso, a juventude irá aceitar mais facilmente que o Estado se omita nos processos de inclusão social – para os quais sempre se necessita arrecadar mais impostos – e deixe de gastar dinheiro com o que consideram um sub-raça ou uma sub-classe social, como diria Gamble, que não merece ter direitos – os mais pobres e “fracassados”. A mensagem é clara: as elites estão cuidado de si e livrando-se da responsabilidade pelo destino do coletivo.
A aposta das elites é na implantação massiva da meritocracia: um jogo de cartas marcadas, como diria Markovits. Um jogo onde, apesar da conversa da “oportunidade para todos”, só consegue vencer quem tem as condições econômicas prévias para agarrar as oportunidades e desenvolvê-las na vida real.
Privatizar com transferência para a iniciativa privada, introduzir ensino híbrido e avaliações em grande quantidade, entre outras medidas, tem esta função: inserir estudantes, gestores e professores no jogo meritocratico do mercado. Um jogo em que ganhadores e perdedores estão por conta própria.
Ainda teremos o embate no Senado. A pressão para aprovar, no Senado, o texto da Câmara como ele está, será grande, com o argumento de que não há mais tempo para que retorne à Câmara, se alterado. As perspectivas não parecem alvissareiras, mas “bora lutar no Senado”. Podemos cair, mas sempre lutando.
Confirmada a tendência, nossa bandeira terá que ser a da “reversão da privatização e da extinção da escola pública”. Nosso voto terá que ir para quem se comprometer com isto.