Farsas do projeto antiaborto
Operação cheia de oportunismo político pôs proposta na boca de uma votação no Congresso
BRASÍLIA
A operação que levou adiante o projeto de lei Antiaborto por Estupro tomou impulso numa sequência de farsas. Para chegar até a boca de uma votação no Congresso, os defensores da proposta lançaram mão de abusos, artimanhas e uma boa dose de malandragem política.
A primeira trapaça foi armada pelo Conselho Federal de Medicina. Em março, o órgão aprovou uma resolução que impedia médicos de usarem a assistolia fetal para o aborto em gestações acima de 22 semanas, mesmo em casos de estupro. Os doutores devem ter achado que estavam acima da lei, que não proíbe a interrupção da gravidez nesse estágio e não veda o uso da técnica, recomendada pela OMS.
A bancada bolsonarista entrou em ação quando Alexandre de Moraes derrubou a norma do CFM. Os parlamentares atiçaram as brasas do conflito com o ministro para acelerar um projeto que não fala sobre métodos de aborto e propõe, no final das contas, punir mulheres vítimas de estupro como homicidas.
O recuo forçado na tramitação da proposta também teve uma certa encenação. Interessado no apoio dos evangélicos, Arthur Lira havia pisado no acelerador para aprovar, em 23 segundos, um requerimento de urgência para o texto —mecanismo que, muitas vezes, serve para queimar etapas e deixar um projeto pronto para uma votação surpresa. Depois, ele disse que a intenção nunca foi avançar sem debate amplo.
Entre acordos e negociatas, dribles e jeitinhos, crueldades e delírios de grandeza, a proposta caminhou até ser freada pela reação enérgica de seus críticos e opositores. Ficará na gaveta até o próximo ataque de oportunismo político.
Bruno Boghossian
Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).
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