Fascismo odeia educação
‘O fascismo odeia educação porque ele é incompatível com a formulação independente de ideias’
Annie Castro
Para ampliar o debate acerca dos impactos dos cortes promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) na educação e seus ataques às Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), a ADUFRGS-Sindical e o Movimento em Defesa da Educação promoveram na terça-feira (24), na sede do Sindicato, a mesa de debate ‘Universidade e Projeto de Nação’, que reuniu diversas entidades na discussão sobre o sucateamento das universidades públicas e dos institutos federais.
Para o presidente da ADUFRGS-Sindical, Lúcio Vieira, é necessário que o número de pessoas e entidades envolvidas no debate sobre os ataques às universidades públicas do país seja ampliado e diversificado cada vez mais, a fim de que a discussão saia “de dentro dos muros das universidades”. Segundo Vieira, as mudanças no funcionamento das universidades públicas afetam a sociedade brasileira como um todo e não somente o meio acadêmico. “Queremos levar para a sociedade esse debate, porque o que nós entendemos é que a universidade pública não é um problema somente dos professores ou dos alunos, é um problema da sociedade. As universidades são instituições do estado brasileiro, portanto cabe à sociedade reivindicar sua preservação e a definição no seu papel no projeto de desenvolvimento do país”, disse Vieira ao Sul21.
Neste contexto, participaram da mesa de debates integrantes do Sindicato, movimentos da sociedade civil, como o Movimento em Defesa da Educação e a Associação Mães e Pais pela Democracia, pesquisadores, representantes de universidades públicas e de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (Cpers) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Para Alexandre Torres, integrante da Escola Superior de Advocacia e membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB, a entidade participou do debate para escutar e tentar atuar enquanto interlocutora dessa discussão “com agentes do governo, com políticos e com a comunidade de educação, para que possa de alguma forma colaborar e ser um agente integrador”. Para Torres, o projeto atual de educação federal carece de diálogo, o que faz com que espaços que debatam esses temas tornem-se cada vez mais importantes. “O que está faltando é o debate, é uma audiência pública, é uma consulta popular, e isso não está acontecendo. Então, fóruns que permitem o diálogo, a reflexão e a construção de soluções conjuntas é o caminho ideal”, disse ao Sul21.
Segundo Torres, o impacto dessa ausência de diálogo com a sociedade é a falta da democracia. “Em um país democrático, em que a universidade é talvez um dos órgãos que tem a maior credibilidade por parte da sociedade, uma profunda mudança, seja ela algo que tende a trazer problemas gigantescos a curto e médio prazo problemas gigantescos, é debatida”, afirmou. Torres também ressaltou que é possível que o sucateamento da educação gere um retrocesso em conquistas das universidades, que, segundo ele, somente agora começaram a ser mais inclusivas.
Papel das IFES no desenvolvimento dos municípios
Além de dialogar sobre os impactos da política de Bolsonaro na educação, a ADUFRGS-Sindical também buscou destacar a importância e o papel das IFES para o desenvolvimento social e econômico dos municípios e dos estados em que elas estão inseridas. De acordo com uma apresentação realizada no início do debate, no Rio Grande do Sul existem atualmente 66 unidades públicas federais de ensino superior, que estão distribuídas em 52 municípios gaúchos. Além das universidades e institutos federais, também existem 24 unidades da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS).
De acordo com Vieira, a presença das IFES impacta na sociedade e no funcionamento dos municípios em que estão inseridos. “É sabido pelos dados que a presença de universidades gera um impacto no crescimento do PIB dos municípios, porque mobiliza os serviços do município, como hospedagem, alimentação, transporte; melhora o nível da escolaridade das pessoas e vira um atrativo para empresas e indústrias se estabelecerem. Tem um impacto geral, que se irradia em todo o entorno”, afirmou Vieira.
Dessa forma, segundo o presidente da ADUFRGS-Sindical, os cortes promovidos até o momento pelo governo Bolsonaro e a previsão de contingenciamento de verbas para o próximo ano não só ocasionam a redução de ofertas de vagas nas instituições públicas, o sucateamento de programas de extensão e a diminuição da capacidade de desenvolvimento de pesquisa científica, mas também impactam imediatamente o desenvolvimento dos municípios.
“O cortes de repasse de recursos para investimentos nessas instituições significa prejuízos para o município. Portanto, o que acontece com as universidades é também um problema do prefeito, do secretário de educação, da câmara de comércio, da câmara de indústria, dos setores produtivos daquele município e daquela região”, disse Vieira.
‘Projeto de destruição’
Para o professor Eliezer Pacheco, que já foi presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC) e Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) de 2004 a 2012, atualmente o Brasil vive um governo “com claras inclinações fascistas”. “O fascismo odeia cultura, odeia educação, odeia ciência, porque ele é incompatível com a formulação independente de ideias. É essência do regime autoritário e fascista querer sufocar a inteligência”, afirmou ao Sul21. De acordo com Pacheco, frente aos ataques à educação pública e ao projeto Future-se, a comunidade acadêmica, entidades da sociedade, os estudantes em geral precisam se organizar e reagir contra as políticas do governo Bolsonaro. “Temos que unir a sociedade para resistir ao fascismo do país”, disse.
Durante a mesa de debate, diversas falas manifestaram a preocupação com o crescimento de instituições privadas, principalmente voltadas para o ensino à distância, que tratam a educação como mercadoria.
Para o professor Renato Oliveira, integrante da ADUFRGS-Sindical, o Future-se e o sucateamento das universidades públicas fazem parte de um projeto das empresas privadas de educação, que tem como objetivo final a extinção das instituições públicas de ensino superior. “Não se trata de privatizar, trata-se de extinguir a figura jurídica institucional das universidades públicas e federais. O governo é um mero representante político deste setor. Aliás, acho que raramente tivemos um governo no Brasil que fosse tão claramente identificado com certos interesses colocados no plano da economia”, disse.
De acordo com Oliveira, essa relação entre o governo e as empresas privadas faz com que não haja mais uma distinção entre os interesses do setor comercial e da população brasileira. “Estamos vivendo um projeto de destruição de tudo que já se construiu e está sendo construído. Nas articulações [do Governo] não há nenhuma distinção mais entre o público e o privado. Os interesses se colocam no mercado educacional para essas empresas e nas articulações das políticas do governo e nas iniciativas ministeriais”, destacou.