Fila por vagas em creches
Com 38 mil crianças à espera, RS é o sétimo Estado com a maior fila por vagas em creches no Brasil
Dados da demanda reprimida formada por alunos de zero a três anos é de levantamento do Ministério da Educação. Na pré-escola, com público entre quatro e cinco anos de idade, déficit no Estado está em 3.418 vagas
Sem disponibilidade de vagas, famílias buscam alternativas de cuidados para
os filhos. Mateus Bruxel / Agencia RBS
No papel em branco que deveria ser preenchido com o colorido do desenvolvimento pedagógico e das novas descobertas, o problema histórico da falta de vagas em creches deixa apenas um grande e cinza ponto de interrogação. Nesse cenário, o Rio Grande do Sul não foge à regra e é o sétimo Estado com o maior déficit de vagas em creches no Brasil.
São 38.835 crianças de zero a três anos aguardando, conforme levantamento divulgado pelo Gabinete de Articulação para a Efetividade da Educação (Gaepe-Brasil) e pelo Ministério da Educação (MEC). No país, o déficit é de 632 mil vagas.
Entre os locais com a maior demanda reprimida estão São Paulo (88.854 vagas), Minas Gerais (63.470 vagas) e Paraná (59.373 vagas). Os dados foram coletados entre junho e agosto deste ano, com a participação de todos os municípios do país. Na contramão, a menor fila é a de Roraima (1.451 vagas).
Em relação à pré-escola, que considera crianças de quatro a cinco anos, o Estado gaúcho é o nono colocado, com déficit de 3.418 vagas. O acesso a creches e pré-escolas é direito constitucional, estabelecido em tratados internacionais e marcos legais nacionais. A Emenda Constitucional 59/2009 estabelece a obrigatoriedade de matrícula a partir dos quatro anos.
Pela Constituição Federal, os municípios devem atuar prioritariamente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, enquanto os Estados têm o enfoque nos ensinos Fundamental e Médio. Dessa forma, o tema da Educação Infantil será um dos principais desafios enfrentados pelos próximos prefeitos brasileiros. E há metas do Plano Nacional de Educação (PNE), prorrogado até 31 de dezembro de 2025, que devem ser cumpridas.
Estado não está batendo as metas do PNE
Conforme o PNE, esperava-se a universalização da Educação Infantil na pré-escola para crianças de quatro a cinco anos, além do atingimento de 50% de atendimento das crianças de zero a três anos em creches.
A pesquisa divulgada pelo MEC, no entanto, não apresenta dados de matrículas e populacionais das faixas etárias nos municípios, o que dificulta o cruzamento de informações. Segundo especialistas, os dados apresentados no estudo são referentes apenas às filas de espera, ou seja, casos em que famílias buscaram a vaga e não obtiveram.
A plataforma Primeira Infância, que reúne dados do IBGE e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), indica que em 2023 o atendimento foi de 41,55% nas creches e 86,51% na pré-escola no RS. Em termos de comparação, as médias no Brasil no mesmo ano foram de de 37,76% na etapa creche e 89,95% na pré-escola.
TCE-RS defende que poder local assuma responsabilidade na área
Acompanhado por diferentes entidades, o tema da Educação Infantil tem recebido atenção do Tribunais de Contas (TCE) e órgãos relacionados. No Estado, são quase duas décadas de atuação nesse campo pelo TCE-RS, com análises de relatórios de auditoria, orientações e levantamentos.
Para o conselheiro ouvidor do TCE-RS, vice-presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Cezar Miola, é necessário um esforço colaborativo entre todos os entes da federação para superar essa lacuna, sendo relevante que o poder local assuma sua grande responsabilidade na área.
— A melhoria das condições de acesso e de qualidade da Educação Infantil requer uma atuação efetiva e coordenada entre os diferentes atores institucionais, com a participação das famílias e da sociedade — aponta.
Em tempos de campanha eleitoral, Miola destaca que é comum surgirem "propostas ambiciosas e abrangentes", mas que é essencial que os cidadãos se concentrem nas prioridades estabelecidas pela Constituição de 1988, que define a proteção e o desenvolvimento de crianças e adolescentes como prioridade.
— É de suma importância que a prioridade para a primeira infância (...) se traduza numa realidade concreta, a começar pelos orçamentos, que em breve serão remetidos às Câmaras de Vereadores. Atualmente, menos de 40% dessas crianças têm acesso a creches, e muitas vezes apenas por um turno. Esse cenário é uma evidência clara de que ainda há muito a ser feito para assegurar que todas tenham garantido o direito à Educação Infantil — conclui.
Seduc cita trabalho articulado com municípios gaúchos
Em relação ao tema, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) informa que trabalha de forma articulada e conjunta com os municípios. Entre os exemplos, a secretaria cita o Programa Alfabetiza Tchê, que tem adesão de 100% das cidades gaúchas, e é uma política pública que surgiu para garantir que todos os estudantes das redes estadual e municipal do RS estejam alfabetizados até o final do segundo ano do Ensino Fundamental, contando com o apoio da Undime e da Famurs.
Sobre a infraestrutura, o Estado afirma que tem colocado à disposição dos municípios, como em Porto Alegre, espaços para abertura de creches. “A Seduc entende que a Educação Infantil é um período essencial para a formação cognitiva e emocional da criança e apoia a união de esforços para o acolhimento e a proteção infantil”, conclui, em nota.
Com crianças fora da escola, preocupação da Defensoria Pública é com a insegurança
De acordo com a Defensoria Pública do RS, que acompanha o tema em diferentes cidades gaúchas, o déficit na etapa creche é verificado em Porto Alegre e outros municípios da Região Metropolitana. Em 2023, o Centro de Orientação e Fiscalização de Políticas Públicas do TCE-RS apurou percentuais de atendimento de 39,4% na Capital, 23,3% em Gravataí, 24,7% em Viamão, 29,4% em Canoas e 31% em Guaíba.
— O que é muito preocupante, se considerarmos que essa é uma camada da população que precisa trabalhar, precisa sair em busca de recurso. Enquanto isso, as crianças ficam desprotegidas, com algum vizinho, alguém da comunidade. É uma insegurança muito grande — afirma a dirigente do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente (Nudeca) da Defensoria Pública do RS, Paula Simões Dutra de Oliveira.
Enchente dificultou ainda mais o cenário no Estado
Outra ressalva feita por Paula é relativa à tragédia ambiental que atingiu o RS com a enchente de maio, comprometendo instituições escolares e vagas já preenchidas na rede pública. Com isso, os mutirões de vagas promovidos pela Defensoria Pública passaram a considerar a catástrofe climática.
— Defensores de outros Estados vieram para proporcionar um auxílio. Estamos prevendo uma nova ação para novembro. E, em um segundo momento, a nossa ideia é organizar um movimento em nível nacional, porque esse é um problema de todo o país. Acredito que no ano que vem a gente consiga implementar, como um Dia D para encaminhamento — detalha.
Enquanto isso, o atendimento para quem está aguardando na fila pode ser feito pelo e-mail nudeca@defensoria.rs.def.br ou presencialmente na sede da Defensoria (Avenida Sete de Setembro, 666, Centro Histórico, Porto Alegre), com agendamento pelo (51) 3201-0749.
Ministério Público fiscaliza e orienta municípios
Pelo Ministério Público do RS (MPRS), as demandas da Educação Infantil são acompanhadas por meio das Promotorias Regionais de Educação, que atuam com a fiscalização e o acompanhamento de repactuações de obras com recursos oriundos do governo federal, para construção e/ou ampliação das escolas, possibilitando a ampliação da oferta de vagas.
— Através dos mapeamentos realizados, é possível que o MP expeça recomendações aos municípios, com a finalidade de fomentar a implantação de políticas públicas nas áreas que apresentam maior déficit, fazendo cumprir a legislação sobre o tema — sublinha a promotora de Justiça Cristiane Della Méa Corrales, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Educação, Infância e Juventude do MPRS.
Como exemplo, Cristiane cita a recomendação para que municípios e a Secretaria Estadual de Educação realizarem a implantação de uma ferramenta digital para a divulgação da lista de espera da educação básica, incluindo a etapa creche.
— Além disso, há realização de reuniões com os gestores dos municípios para discussão do tema e o ajuizamento de ações, individuais e coletivas, para a garantia do direito à educação das crianças inscritas em lista de espera — conclui.
MEC fala em construção de escolas e conclusão de obras
Em nota oficial publicada sobre o levantamento, o MEC informou que uma das ações do governo federal para a ampliação das vagas é o novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). A previsão do Ministério é construir 2,5 mil novas creches e pré-escolas no país.
No primeiro edital, estão contempladas 42 instituições no RS, nas cidades de Alvorada, Bagé, Barão do Triunfo, Barra do Ribeiro, Barros Cassal, Bento Gonçalves, Boqueirão do Leão, Butiá, Cambará do Sul, Canoas, Caxias do Sul, Cerro Grande, Cristal do Sul, Encruzilhada do Sul, Esteio, Itati, Lajeado, Lajeado do Bugre, Maquiné, Maratá, Montenegro, Nova Santa Rita, Novo Hamburgo, Novo Xingu, Osório, Palmeira das Missões, Palmitinho, Passo Fundo, Ponte Preta, Redentora, Rio dos Índios, Rio Pardo, Santa Clara do Sul, Santa Cruz do Sul, Santa Rosa, São Francisco de Assis, São Leopoldo, Sapucaia do Sul, Tabaí, Tramandaí, Vacaria e Vicente Dutra.
Outra ação destacada é a do Pacto Nacional pela Retomada de Obras da Educação Básica, que busca concluir obras paralisadas e inacabadas.
Vale, ainda, ressaltar que a data referência usada para o corte etário em cada etapa escolar é o dia 31 de março, critério seguido pelo levantamento.
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