Fim da estabilidade estimula assédio moral
Analista diz que fim da estabilidade estimula assédio moral e sexual contra atuais e futuros servidores
02/12/2020
Funcionalismo pode virar refém de chantagens e abusos dentro dos órgãos públicos — sobretudo as mulheres — nesses tempos de exacerbação do machismo.
"A Reforma Administrativa do governo Bolsonaro e o fim da estabilidade estimulam o assédio moral e sexual contra atuais e futuros servidores, principalmente contra as mulheres, nesses tempos de exacerbação do machismo. Chantagens, perseguições e terror vão fazer parte do cotidiano dos órgãos públicos." Tais opiniões são da analista Ana Valéria T Nunes, cientista social e educadora.
O que diz a analista:
Por que a senhora acha que a Reforma Administrativa e o fim da estabilidade do funcionalismo favorecerão o assédio moral e sexual dentro dos órgãos públicos?
De conjunto, essa Reforma Administrativa do governo Bolsonaro já é muito perversa, pois corta direitos e fragiliza o servidor, sobretudo os que já ganham menos. E sem a estabilidade, ninguém se iluda, o funcionalismo vai virar refém de chantagens, perseguições e abusos dentro dos seus locais de trabalho. Será uma espécie de salve-se quem puder. Todos serão atingidos, homens e mulheres, mas principalmente as mulheres, nesses tempos de exacerbação do machismo.
A senhora acha que a coisa é tão grave assim?
Claro. Não é pessimismo. É senso de realidade. Imagine uma jovem enfermeira que entre no serviço público após a aprovação da reforma. Se ela tiver um chefe inescrupuloso, o que pode ocorrer? Ele vai assediá-la. Se não aceitar, o moço pode transferi-la do local de trabalho ou mesmo fazer algum tipo de manobra para que seja demitida, já que não tem estabilidade nenhuma. Infelizmente, tende a ser assim.
E quanto aos atuais servidores?
Também estão na mesma situação. A reforma diz que os atuais servidores terão que passar por avaliações periódicas de desempenho. Quem não passar nesses testes, será demitido. E já tem inclusive um projeto desses no Congresso, cujos principais critérios de avaliação são subjetivos, isto é, dependem do humor e do entendimento da equipe que avaliará o funcionário. Essa equipe avaliadora será comandada pelo chefe imediato do servidor. No início do ano, no Twitter, o ministro da Economia Paulo Guedes deu a senha: "Para ganhar estabilidade tem que provar que é um bom servidor, ter espírito de equipe, ser aprovado pelo chefe." Agora imagine se o chefe tiver alguma antipatia por quem ele irá avaliar?
Que conselhos a senhora daria, então, aos servidores?
Procurem um jeito de se mobilizar para impedir que essa reforma do governo Bolsonaro seja aprovada e a estabilidade perdida. Do contrário, tempos sombrios para o funcionalismo certamente virão.
Fim da estabilidade fará crescer casos de assédio moral e sexual nos órgãos públicos!
21/08/2021
Para os atuais servidores, meta do governo é condicionar emprego a avaliações periódicas feitas por chefes, o que abre enormes possibilidades de perseguição. Para os futuros servidores, não há estabilidade nenhuma, o que piora ainda mais a situação.
O ministro Paulo Guedes declarou no final de janeiro de 2020 — em sua conta no Twitter — que a garantia de emprego dos servidores públicos deve estar condicionada ao humor do chefe de plantão. "Para ganhar estabilidade tem que provar que é um bom servidor, ter espírito de equipe, ser aprovado pelo 'chefe', afirmou o ministro".
Caso a Reforma Administrativa (Pec 32) seja aprovada este ano e a estabilidade caia, como quer o presidente Bolsonaro, essa ideia do ministro da Economia pode se transformar em um terror para o funcionalismo, principalmente para as mulheres. A tendência é aumentar os casos de assédio moral e sexual dentro dos órgãos públicos.
Assédio
Segundo a jurista Ana B T Martins, consultada pelo Dever de Classe, é bastante provável que o fim da estabilidade contribua para aumentar os casos de assédio moral e sexual nos órgãos públicos. "Mesmo com a estabilidade, há diariamente inúmeros casos na União, estados e municípios. Chefes agridem moralmente subalternos e muitos dos agredidos, por medo de mais perseguição, não denunciam. Imagine se um chefes desses tiver o poder de tirar o emprego de alguém. A coisa vai piorar, não tenho nenhuma dúvida", declarou. Continua, após o anúncio.
A jurista ressalta também que as mulheres certamente serão as mais prejudicadas: "Muitos homens quando têm algum poder acham que podem 'cantar' as mulheres e assediá-las, seja em órgãos públicos ou privados. Sem estabilidade, as mulheres ficarão mais vulneráveis a 'cantadas' indevidas. Não tenho dúvidas que muitas calarão, mesmo importunadas, pois pensarão no emprego que têm e na família para sustentar. Será um caos psicológico e, de forma mais rara, até físico para as garotas. Quebrar a estabilidade dará nisso."
Relato de professora
Uma professora piauiense que não quis se identificar disse que já foi muito assediada dentro de uma escola por um próprio colega de trabalho. "O moço não me deixava em paz. No começo era até engraçado, mas depois começou a me incomodar de tal forma que ameacei denunciá-lo à Delegacia da Mulher. O sonho dele era ser diretor da escola. Fico imaginando agora, com essa história de fim da estabilidade, se ele fosse o meu chefe. Talvez eu tivesse que dar um soco nele, o que me faria perder a razão. Por isso é mais fácil lutar pra não perder esse direito que conquistamos através de concurso público e estágio probatório."