Fim das politicas públicas e sociais

Fim das politicas públicas e sociais

Não é reforma administrativa; é o fim das politicas públicas e sociais!

Marinalva Oliveira   23/12/2020

Fonasefe exige retirada da 'reforma' administrativa e diz que governo não  quer diálogo - Sintrajud


Bol­so­naro saiu der­ro­tado das elei­ções mu­ni­ci­pais e o fato que levou à der­rota foi o des­gaste com a si­tu­ação do país, o seu ne­ga­ci­o­nismo pe­rante à pan­demia e re­cen­te­mente contra a va­cina. Porém, não é uma fra­gi­li­zação com­pleta, pois há uma co­nexão com par­tidos de di­reita que con­ti­nuam he­gemô­nicos e ali­ados para aprovar todo seu pa­cote de pri­va­ti­zação e da con­trar­re­forma ad­mi­nis­tra­tiva. Por outro lado, mesmo com­pre­en­dendo que elei­ções não detêm a ofen­siva do ca­pital é im­por­tante fo­mentar uma re­volta elei­toral contra os avanços do bol­so­na­rismo.

Os en­fren­ta­mentos con­ti­nuam os mesmos e é pre­ciso re­tomar a luta para der­rubar Bol­so­naro, Mourão e seus ata­ques à classe tra­ba­lha­dora. O fu­turo re­ser­vado para a classe tra­ba­lha­dora e das pes­soas em si­tu­ação es­tru­tural da po­breza será ainda pior dentre vá­rios ata­ques que estão no ce­nário ime­diato. Um deles, que já está no Con­gresso Na­ci­onal, é a cha­mada re­forma ad­mi­nis­tra­tiva que acaba com as po­lí­ticas pú­blicas so­ciais. Trata-se de nova ten­ta­tiva de re­gressão nos di­reitos so­ciais – já en­fren­tamos ações se­me­lhantes desde os anos 90, com pro­postas se­me­lhantes, ainda que com ate­nu­antes, apre­sen­tadas por dis­tintos go­vernos fe­de­rais, es­ta­duais e mu­ni­ci­pais.

A PEC 32 junto com as Leis Com­ple­men­tares que virão nas fases se­guintes, pre­tendem com­pletar, le­vando às úl­timas con­sequên­cias, a con­trar­re­forma do Es­tado ini­ciada há quase 30 anos, na dé­cada de 1990, com Fer­nando Hen­rique Car­doso. Está que se se­guiu nos go­vernos do PT com as fun­da­ções, OS (Or­ga­ni­za­ções So­ciais) e Os­cips (Or­ga­ni­za­ções da So­ci­e­dade Civil de In­te­resse Pú­blico), bem como em todas as re­gu­la­men­ta­ções de pre­ca­ri­zação do tra­balho. O pa­tamar dos ata­ques, no en­tanto, agravou-se mais re­cen­te­mente com a EC 95, Re­forma da Pre­vi­dência, Re­forma Tra­ba­lhista e LC 173.

O go­verno uti­liza a pre­missa de que é pre­ciso re­a­lizar a re­forma ad­mi­nis­tra­tiva para o Brasil crescer. O de­bate pú­blico tem sido pau­tado pelo in­te­resse do “mer­cado” e da grande mídia, que con­denam os gastos pú­blicos e de­pre­ciam a atu­ação dos ser­vi­dores, pro­pondo uma agenda de “Es­tado Mí­nimo” como so­lução para os pro­blemas bra­si­leiros. Com ar­gu­mentos falsos, o go­verno e a mídia bur­guesa tentam co­locar a so­ci­e­dade contra os ser­vi­dores fa­zendo crer que são os res­pon­sá­veis pelos pro­blemas que en­frenta co­ti­di­a­na­mente nos ser­viços pú­blicos. Es­condem que na ver­dade é a as­fixia or­ça­men­tária que com­pro­mete a qua­li­dade da pres­tação dos ser­viços, assim como a falta de con­cursos pú­blicos frente à apo­sen­ta­doria e ao cres­ci­mento po­pu­la­ci­onal. É a des­ti­nação de mais de 40% do or­ça­mento pú­blico para a cha­mada dí­vida pú­blica a ver­da­deira causa dos pro­blemas que en­fren­tamos.

Ao con­trário da re­tó­rica men­ti­rosa do go­verno fe­deral e da mídia bur­guesa, que a PEC 32/2020 irá acabar com pri­vi­lé­gios, re­ga­lias, os ser­vi­dores pú­blicos di­re­ta­mente atin­gidos pela pro­posta são jus­ta­mente aqueles da linha de frente das po­lí­ticas pú­blicas e os que têm a re­mu­ne­ração mais acha­tada, ga­nham menos de quatro sa­lá­rios mí­nimos e são fun­da­men­tais para o ser­viço existir. Os ser­vi­dores que ga­nham sa­lá­rios altos e tem pri­vi­lé­gios, não serão atin­gidos pela PEC 32.

A ale­gação foi a mesma com a Emenda Cons­ti­tu­ci­onal 95, com as re­formas tra­ba­lhista e da pre­vi­dência. Ne­nhuma dessas me­didas teve qual­quer força para im­pul­si­onar o cres­ci­mento do país. Na prá­tica o ob­je­tivo cen­tral é de­so­brigar o Es­tado de exe­cutar po­lí­ticas pú­blicas e so­ciais, pas­sando do ente res­pon­sável pela pro­moção para o papel sim­ples­mente de re­gu­lador de um mer­cado a quem será trans­fe­rida a res­pon­sa­bi­li­dade da oferta co­mer­cial dos ser­viços.

Dessa forma abre es­paço para a ter­cei­ri­zação ir­res­trita em todas as áreas e nas três es­feras, am­pli­ando a pos­si­bi­li­dade de con­vê­nios entre o setor pú­blico e en­ti­dades pri­vadas para a exe­cução de ser­viços pú­blicos, in­clu­sive com o com­par­ti­lha­mento de es­tru­tura fí­sica e a uti­li­zação de re­cursos hu­manos de par­ti­cu­lares, com ou sem con­tra­par­tida fi­nan­ceira. É o Es­tado fi­ador do ca­pital dis­pondo, para isso, o fundo pú­blico e o “setor de ser­viços” como ne­gócio lu­cra­tivo, desde o posto de saúde até a edu­cação.

É im­por­tante res­saltar que a PEC 32/2020 é a pri­meira parte de uma etapa da re­forma do Es­tado que é apre­sen­tada em três fases. Para a pró­xima fase, ocor­rerão ajustes no es­ta­tuto do ser­vidor, que será feito através de Pro­jeto de Lei com­ple­mentar e or­di­ná­rias di­re­ci­o­nadas à gestão de pes­soas; a ter­ceira fase será a con­so­li­dação de cargos e fun­ções. Aqui o atual ser­vidor, onde al­guns se julgam in­tan­gí­veis, pode ver muitos dos atuais cargos, planos e até car­reiras serem aglu­ti­nados em poucos cargos e, a partir daí, a im­ple­men­tação da já anun­ciada mo­bi­li­dade de ser­vi­dores. Além das fases acima, a PEC 32 es­ta­be­lece um sis­tema de poder na mão do chefe do Exe­cu­tivo para de­ter­minar quase tudo por de­creto.

A con­trar­re­forma ad­mi­nis­tra­tiva le­vará a pre­ca­ri­zação de ser­viços pú­blicos para a po­pu­lação que mais ne­ces­sita e que ainda não tem de­mandas de­vi­da­mente aten­didas, em meio à maior ex­po­sição de des­caso à vida, le­vada a cabo por um go­verno au­to­ri­tário e ge­no­cida, que pro­move o des­monte da saúde pú­blica du­rante a pan­demia de COVID-19. A si­tu­ação da crise sa­ni­tária e hu­ma­ni­tária di­ante da pan­demia tem de­mons­trado a im­por­tância de um sis­tema pú­blico e, apesar dos re­cor­rentes cortes de re­cursos e ten­ta­tivas de des­monte do SUS, das Uni­ver­si­dades, Ins­ti­tutos de pes­quisa, são os ser­vi­dores dessas ins­ti­tui­ções pú­blicas que estão dando res­postas di­retas à pan­demia. Todos esses ser­viços podem de­sa­pa­recer. Por isso, a luta para barrar a con­trar­re­forma é uma obri­gação de toda a po­pu­lação que de­pende de po­lí­ticas pú­blicas.

Hoje em dia já con­vi­vemos com pés­simas ex­pe­ri­ên­cias de­cor­rentes da con­cessão de al­guns desses ser­viços para fun­ci­o­na­mento pri­vado. Exemplo mais re­cente é o apagão no Amapá e a crise hu­ma­ni­tária que atinge sua po­pu­lação. Isso é re­sul­tado di­reto da pri­va­ti­zação do sis­tema elé­trico e da au­sência de po­lí­ticas so­ciais efe­tivas. O su­ca­te­a­mento, o caos e o des­caso de­correm da pri­va­ti­zação das em­presas de energia elé­trica. O que ocorre no Amapá é uma alerta sobre o que acon­tece quando ser­viços es­tra­té­gicos e fun­da­men­tais à po­pu­lação são pri­va­ti­zados.

Es­tamos di­ante de uma ameaça de des­truição dos ser­viços pú­blicos que pre­cisa ser bar­rada e nesse sen­tido, é fun­da­mental a or­ga­ni­zação dos ser­vi­dores pú­blicos mu­ni­ci­pais, es­ta­duais e fe­de­rais e se busque um mo­vi­mento de co­mu­ni­cação com a so­ci­e­dade, de­mons­trando o ta­manho dos pre­juízos que se tor­narão pra­ti­ca­mente ir­re­ver­sí­veis se essa pro­posta passar. A re­forma ad­mi­nis­tra­tiva não vai gerar mais em­pregos, da mesma forma que as re­formas da pre­vi­dência e tra­ba­lhista não ge­raram. O que vai acon­tecer é a re­ti­rada de di­reitos bá­sicos da po­pu­lação como as po­lí­ticas pú­blicas de saúde, edu­cação e as­sis­tência so­cial, entre ou­tras.

O nosso de­safio é cons­truir a luta em de­fesa dos di­reitos da classe tra­ba­lha­dora, para que os re­cursos pú­blicos sejam des­ti­nados aos ser­viços pú­blicos. A nossa luta é da classe tra­ba­lha­dora contra o ca­pital e os pro­blemas do Brasil exigem o povo nas ruas. Não há ca­minho fora da luta!

Ma­ri­nalva Oli­veira é pro­fes­sora; pes­qui­sa­dora na área de Apren­di­zagem e de­sen­vol­vi­mento de pes­soas com sín­drome de Down; Ex-Pre­si­dente do ANDES-SN.

Fonte: Con­tra­poder.

 

https://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/14454-nao-e-reforma-administrativa-e-o-fim-das-politicas-publicas-e-sociais 




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