Formação continuada de professores

Formação continuada de professores

Formação continuada de professores: sintomas da falência

Cidade das Letras: literatura e educação

07 de Novembro de 2023

 

Imagem ilustrativa - Foto: Freepick

 

Ninguém que trabalha com educação deve abrir mão dos estudos

Imaginem duas situações. Na primeira, uma advogada que desenvolve trabalhos na perspectiva da Comunicação Não Violenta (CNV) afirma que psicanálise é algo muito difícil, que alguém precisa escrever livros explicando para que possamos entender. Porém, ela desenha um iceberg no quadro para lembrar do consciente, acima do nível do mar, e subconsciente e inconsciente, parte submersa. Pouco depois se confunde na orientação de uma dinâmica por não entender exatamente que o prefixo auto, de autoapreciação, autoestima, autoconfiança, refere-se às características e compreensões da própria pessoa sobre si mesma. De passagem cita Sigmund Freud e Marshall Rosenberg, mostra livros desse último, mas não aprofunda nas concepções desses autores.

Na segunda situação, uma professora e pesquisadora universitária apresenta a concepção de arquétipos trabalhados pela publicidade e propaganda, no sentido de compreender perfis psicológicos e comportamentais, como se fossem rótulos, que permitem entender o tipo em questão: o sábio, o inocente, o herói, etc. Citando exemplos do programa Big Brother Brasil, da disputa política nacional e agências que administram carreiras de jogadores de futebol, a profissional cita Carl Jung e Stuart Hall superficialmente, porque, segundo ela, compreender a produção deles não era o mais importante naquele momento.

Nesses dois casos, uma sala repleta de professores acompanha e concorda. Entretanto, geralmente, e ainda bem, há alguém para questionar esse tipo de explanação que se aproxima mais de ações de coaching do que de troca de conhecimentos sistematizados de forma responsável. Por vezes, é difícil diferenciar o despreparo da charlatanice, de qualquer forma, seja por desonestidade intelectual ou limitação cognitiva, temos um problema.

Durante os anos em que trabalhei como coordenador de formação de professores na Secretaria Municipal de Poços de Caldas, aprendi que além de conhecimento científico, educadores e comunidades escolares carecem de informações basilares para o bom desenvolvimento do trabalho educativo. Isso vai de acesso a práticas exitosas, passando por sensibilizações artísticas para compreensão das necessidades e realidades dos estudantes, até mecanismos que permitam a melhoria da qualidade do diálogo e do desempenho profissional.

Quero dizer com isso que compreendo que a formação continuada dos professores não pode se limitar ao academicismo, à gramática catedrática, como acontece em seminários, congressos, simpósios, bancas e outras formas de arguição. Porém, não se pode desprezar questões de coerência básica diante da atuação enquanto educador e o que se exige dos educados.

Como cobrar dos estudantes que produzam conhecimentos de maneira bem fundamentada se professores, e quem se dispõe a contribuir com a formação continuada de professores, têm dificuldades de fazer isso? Como reivindicar respeito e valorização social se, com complacência, os educadores aceitarem os mais variados discursos frívolos que pouco diferem do que se encontra facilmente em tantos outros meios e lugares? Como insistir na necessária construção de senso crítico se a educação for cada vez mais tomada por reproduções de narrativas levianas diante da apatia do professorado?

Nada de promissor será possível nessas condições. Continuaremos a enfrentar dificuldades nas escolas, reclamando constantemente, sem fundamentos para a compreensão e a transformação.

Pouco contribui reclamar dos momentos de estudos coletivos (remunerados) nas redes de ensino, que aliás foram uma conquista de sindicatos e outros movimentos em defesa da educação, sem exigir que esse seja um momento de efetivo aprendizado para os educadores, com atividades bem planejadas, fundamentadas e com objetivos previstos, sejam elas palestras, tarefas por área, leituras (porque professor precisa ler e estudar com afinco!), partilha de saberes, elaboração de projetos, entre outras possibilidades. 

Uma colega de trabalho me disse outro dia: “eu não sou uma pessoa de pensar as coisas, eu sou de fazer, de executar”. Eu só pude concluir: é por isso que faz errado. Ninguém que trabalha com educação de pessoas deveria abrir mão do pensamento, dos estudos, da filosofia, da racionalidade, da crítica, da atividade intelectual por excelência. Não importa o nível ou modalidade. E não há qualquer falta de respeito em refletir e questionar, mesmo que de maneira contundente.

O desrespeito e a agressão têm início quando se despreza os profissionais da educação achando que em termos de formação continuada qualquer coisa vale. Não vale.

 

Cleiton Donizete Corrêa Tereza é professor de História nas redes municipal e estadual em Poços de Caldas, especialista em História Contemporânea (PUC Minas), especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de Educação a Distância (UFF), mestre e doutor em Ciências Humanas (Diversitas-FFLCH-USP), integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração Escolar (GEPAE-USP), membro do Coletivo Educação de Poços de Caldas e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

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FONTE:

https://www.brasildefatomg.com.br/2023/11/07/artigo-formacao-continuada-de-professores-sintomas-da-falencia 




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