Formar bom raciocínio crítico
Quais livros você recomendaria como essenciais para uma pessoa formar um bom raciocínio crítico a respeito de política?
Os professores geralmente recomendam três livros fundamentais, sendo unânimes em recomendar Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Não há consenso sobre o terceiro livro, alguns sugerem Caio Prado Jr., outros Florestan Fernandes, outros Darcy Ribeiro, você pode escolher alguns livros ou artigos destes autores, é interessante conhecê-los.
O livro de Freyre foi um marco em sua época, pois inaugurou no Brasil um novo pensamento sociológico que o autor trouxe dos EUA, onde foi aluno de Franz Boas, que revolucionou a sociologia de seu tempo ao negar o conceito de raça e reinterpretar os comportamentos até então atribuídos à raça, a questões culturais. Ele faz uma análise crítica muito importante sobre as origens do povo brasileiro, a miscigenação, a herança da escravidão, etc.
Sérgio Buarque de Holanda vai além e mostra como os antigos senhores de engelho se apropriaram do Estado. Há discussões interessantíssimas, especialmente nos capítulos “O semeador e o ladrilhador”, que compara a colonização portuguesa à espanhola, e “O homem cordial”, no qual Sérgio afirma ser a cordialidade um agente central nas relações sociais no Brasil (no sentido etimológico, cordial vem de coração. Ele não quis dizer que o brasileiro é bonzinho e educado como muitos erroneamente interpretam, mas sim que o brasileiro prioriza os laços afetivos em detrimento da razão e da impessoalidade, e isso inclui também o comportamento vingativo).
Um dos livros que mais me foi útil, e vem sendo citado com frequencia em artigos recentes, é Cidadania no Brasil: O longo caminho, de José Murilo de Carvalho. Neste livro ele analisa nossa história política sob o viés dos direitos: normalmente em uma democracia surgem primeiramente os direitos civis e políticos, apenas depois o povo começa a ter mais e mais direitos sociais, mas no Brasil foi o contrário, os direitos sociais vieram primeiro (Sérgio Buarque explica isso com sua tese de que a democracia foi enxertada no Brasil por uma elite com a intenção de manipulá-la). O modelo de democracia enxertada que temos deixa o poder decisório nas mãos de uma elite, que para não perder seus privilégios compensa o povo com direitos sociais (saúde, educação, previdência, etc), sendo que sempre que o povo passou a reivindicar maior participação na vida política do país, o resultado foi um Estado autoritário, que retirou direitos civis e políticos e, para conseguir manter a ordem, investiu mais em direitos sociais para compensar a perda de outros direitos. Este livro é de 2002, então engloba também a ditadura e a redemocratização.
E nos últimos anos Jessé Souza tem chamado a atenção por contestar a visão buarqueana da corrupção: ele concorda que uma elite parasitária se instalou no Estado para usá-lo para fins próprios, o que obviamente implica em corrupção, mas mostrou que essa interpretação fomenta a tese de que o Estado é corrupto e ineficiente, ao mesmo tempo em que isenta de crítica a iniciativa privada, que também participa da corrupção. Essa visão negativa do Estado protege os corruptos, que usam uma suposta luta contra a corrupção para perseguir seus inimigos políticos e manter seus privilégios.
Fora os livros de história e sociologia, recomendo ainda livros de memórias e obras de ficção:
Memórias do Esquecimento, do jornalista Flávio Tavares, é um relato essencial para entender a perseguição da ditadura militar a opositores. Ele mostra detalhadamente como o regime foi endurecendo, e também como ele mesmo se tornou um perseguido político e acabou tendo que ingressar na luta armada e depois se exilar.
Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade. um retrato da elite e da classe média, nos ajudando a refletir sobre nossos valores.
Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto. Um trecho deste livro me marcou profundamente: Policarpo comprou livros e dicionários para traduzir o manual de um canhão importado e estudar física para poder operá-lo. Depois de fazer os cálculos, ele diz aos militares para fazerem os ajustes conforme o que ele calculou, mas os militares o ignoram, usam o método da tentativa e erro e ainda caçoam dele.
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